Blog do André Avlis

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Achar que futebol e política não se misturam é um delírio causado pela alienação

Em 1970, no auge da ditadura, o então técnico da Seleção, João Saldanha, foi demitido do cargo por ordem do presidente Médici

11/01/2023 12h12 - Atualizado em 11/01/2023 12h12
Achar que futebol e política não se misturam é um delírio causado pela alienação

"Uma mentira falada mil vezes torna-se verdade".

A frase acima foi dita por Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha Nazista.

Trazendo como analogia, deslocando o sentido da mentira para não usá-lo como narrativa, podemos usar a semelhança da frase em um rito que ao passar do tempo foi tido como único e verdadeiro: "de que futebol e política não se misturam".

O futebol sempre foi uma ferramenta política da população. Desde que o mundo é mundo. E a bola é bola. Desde sua profissionalização o início da sua 'era moderna', em 1863, na Inglaterra, ou em sua popularização na década de 1930.

Se engana quem pensa, ou foi induzido a pensar, que são assuntos que jamais tiveram correlação. No Brasil, por exemplo, duas situações contemporâneas marcaram a presença evidente dessa 'mistura'.

Em 1970, no auge da ditadura militar, quando não haviam eleições, generais interferiram nas decisões da CBD (precursora da CBF). Na ocasião, o presidente Emílio Garrastazu Médici, ordenou que o então técnico da Seleção, João Saldanha (crítico do governo e comunista declarado), fosse demitido e que Zagallo - uma figura mais neutra - assumisse o cargo.

O título conquistado no México veio e o governo usou o acontecimento para se promover, pegando carona na festa da conquista. Usando o famoso artifício romano da política do 'pão e circo' para esconder o que acontecia de ruim no país, como a epidemia de meningite que assolava o Brasil ou as chacinas que ocorreram naquele período.

Na década de 80, tempos depois do Tri, o Brasil se via mergulhado nos protestos da 'Diretas Já!'. Em paralelo, no Corinthians, surgia o movimento batizado de 'Democracia Corinthiana' liderados por um grupo de jogadores politizados como Sócrates, Wladimir, Zenon e Casagrande.

Na Europa, em vários momentos o futebol também foi usado como artifício de promoção de governos e governantes. Seja no espectro direita e esquerda; socialista, fascista, comunista ou nazista. Não houve distinção do uso entre as ideologias.

Em todos eles ditadores usavam clubes populares para promover seus sistemas.

Na Espanha, no Regime Franquista (1939-1975), em moldes fascistas, o Real Madrid foi o escolhido pelo General Francisco Franco para receber todo o investimento estatal que era possível. Além disso, o governo perseguiu clubes 'opositores'.

Alguns clubes do continente, inclusive, não escondem suas ideologias políticas.

Um dos mais conhecidos nesse aspecto é o Barcelona, clube de esquerda, que vive de forma direta o movimento pela independência da Catalunha. Uma expressiva ação política-ideológica.

Outros clubes, em suas histórias, também revelaram suas posturas e princípios. Sejam eles 'destros' ou 'canhotos'.

O Livorno (Itália), Olympiqque de Marselhe e o Borussia Dortmond estão à esquerda. Já a Lázio (clube que simpatiza com Benito Mussoline, tido como o pai do fascismo), Zenit, Legia Varsóvia (POL) estão à direita.

Estes recortes da história, além de tantos outros, servem para mostrar que futebol e política nunca tiveram distantes. Não tendo distinção de lados ou ideias.

No entanto, ao longo do tempo, alguns artifícios conservadores foram utilizados para silenciar e esvaziar ações políticas. Fizeram isso com Pelé, quanto mais com os 'comuns'.

Especialmente se as manifestações forem de pautas ou causas sociais. Um modus operandi que colaborou e corroborou com um rito de que tais assuntos são proibidos de caminhar juntos. Promovendo a distorção e deturpação que se tornaram senso comum.

Por isso vemos a neutralidade conivente de vários atletas - pouco politizados e sem interesse nenhum de ser - que preferem se omitir em determinados assuntos. Na tentativa de se preservar para não receber o 'cancelamento' por se manifestar favorável a algum tema que interessa principalmente ao povo.

São poucos, por exemplos, os atletas engajados em manifestações de interesses humanitários, sociais, de políticas públicas e defesa das minorias, que têm a coragem de dar a 'cara a tapa' e ir de encontro ao que foi imposto por quem prefere ser complacente.  

Portanto, por toda a história envolvendo futebol e política, é delírio achar que os dois não se mistura. Um delírio promovido pela alienação.

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