Arapiraca

Mãe de jovem com hidrocefalia entra na Justiça

Por 7segundos 11/01/2016 18h06
Mãe de jovem com hidrocefalia entra na Justiça
Pais de Luiz Felipe e um colega no dia da prova do Enem - Foto: Arquivo da família

Indignação, revolta e desapontamento por um sistema que não tem uma avaliação diferenciada e específica para portadores de necessidades especiais. Esse foi o sentimento da jornalista Mônica Nunes, mãe de Luiz Felipe Alves, 18 anos, diante do resultado da nota da prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Luiz Felipe Alves, mora em Arapiraca, distante 123 kms da capital Maceió . 

Os avaliadores do Enem deram nota zero ao candidato, anulando qualquer expectativa para ingressar em uma universidade, por meio do Sistema de Seleção Unifcada (Sisu).

Luiz Felipe possui hidrocefalia congênita  uma doença que acumula  líquido dentro do crânio, provocando problemas como pouca força muscular, déficit de atenção e declínio no desempenho escolar. Mesmo com todas as dificuldades eles foi alfabetizado aos 8 anos e concluiu o ensino médio aos 20 anos. 

O desabafo da mãe indignada e inconformada com o critério de avaliação desleal em relação aos portadores de deficiência foi publicado no Facebook e teve grande repercussão. Mônica Nunes disse que mesmo com todas as dificuldades impostas pela doença Luiz Felipe passou seis horas em uma sala e fez a redação com trinta linhas.

“Felipe escreveu do jeito dele que as mulheres não deveriam ser agredidas. Mas vocês não entenderam. E foi mais fácil zerar as possibilidades de quem, desde que foi gerado, tentando viver "apesar" de gente como vocês que não leem além do beabá dos outros. Vocês não leram as dificuldades de aprendizado, o preconceito e a discriminação. Vocês buscavam ortografia, gramática, semântica”, desabafou em um dos trechos da publicação.

Em entrevista ao portal 7Segundos, a jornalista e coordenadora de Comunicação da Prefeitura Municipal de Arapiraca, disse que os avaliadores do Enem deveriam observar as limitações descritas no ato da inscrição do candidato que é portador de deficiência.

“Do que adianta respeitar a deficiência dando a oportunidade de se inscrever no Enem, e na hora de corrigir ele ser avaliado igual a quem não tem deficiência. Isso não é inclusão”, relatou Mônica Nunes.  

Ela afirmou ainda que o Ministério da Educação (MEC) determina que as escolas são obrigadas a matricular o portador de necessidade especial e não reprová-lo. Com relação aos trabalhos escolares e as provas devem ser corrigidos sob a ótica da inclusão, respeitando a limitação de cada um . “Mas quando chega no Enem o próprio MEC rasga a cartilha da inclusão”, relatou.


 

Mônica Nunes disse que já na manhã desta segunda–feira (11) um advogado foi contratado pela família para solicitar à Justiça que a redação de Luiz Filipe seja avaliada por profissionais que tenham conhecimento sobre as dificuldades de um portador de hidrocefalia. “Não sei se vamos conseguir mudar o resultado, só tenho uma certeza: vou lutar pelos direitos do meu filho”, finalizou Mônica.

Publicação na íntegra

A publicação do desabafo da jornalista em sua página oficial do Facebook teve uma grande repercussão e recebeu o apoio de milhares de internautas. Veja, abaixo, a publicação na íntegra.

Nota de uma mãe sobre o resultado ENEM:

"Parabéns a turma de corretores do ENEM, vocês conseguiram!

Deram 0 ( isso, zero), a redação de Luiz Felipe Alves Pereira na prova, anulando suas chances de ingresso através do SISU. Se a intenção de vocês era "selecionar" os jovens para acesso à universidade, vocês conseguiram uma proeza: perderam a oportunidade de ler além do que está escrito, colocando lá dentro quem realmente merece.

Aquela nota foi difícil digerir. Aliás, a ausência dela.

Vocês conseguiram, fui dormir em exaustão de chorar. Mas pela manhã já me refiz para dizer: vocês não sabem ler. Não à vida que ele escreve.

Ele ficou seis horas numa sala, escreveu trinta linhas e, do seu jeito, disse que mulheres não merecem ser agredidas. Mas vocês não entenderam. E foi mais fácil zerar as possibilidades de quem, desde que foi gerado, tenta viver "apesar" de gente como vocês... Que não leem além do beabá dos outros.

Vocês não leram as dificuldades de aprendizado, o preconceito e a discriminação. Vocês buscavam ortografia, gramática, semântica...

Felipe tem outros dons. Sobreviveu a médicos que o condenaram à cirurgias que o moldaram, a dores que o machucaram e a gente que não o aceita. Mas ele é um cidadão. Se submeteu a essa tortura chamada ENEM, sem reclamar de nada. Ele é um cidadão respeitador da ordem. A ordem era fazer a prova. Ele a fez.

A ordem seria ele ter uma nota. Mínima, mas que respeitasse seu esforço sob uma coluna arqueada, tentando coordenar os pensamentos que dançam em sua cabeça infiltrada de água da hidrocefalia. Mas vocês não leriam isso.

Não leram os anos de escola, as dezenas de simulados tentando aprender essa regra desleal; nem leram a expectativa frustrada diante de uma nota em branco. Atônito, ele não entendeu mais essa. Mas resignado, ele a aceitou.

Mas eu não. Segunda entro com um mandando de segurança, uma liminar, uma pedra na mão... Claro que não será fácil, nem sei se teremos alguma mudança nesse resultado. De certa forma, nem sei se quero mudar essa regra, esse jogo.

Queria apenas que alguém que corrigiu aquela prova tivesse alguma chance de conhecê-lo, para olhando nesses olhos tão ingênuos e vendo aquele sorriso tão marcante, que nota daria para essa vida?

Não, Felipe não precisa de nota de ninguém, de nada. Ele não veio para aprender. Ele está aqui para ensinar.

Te amo filho. Olha aí o resultado! Parabéns meu anjo! Você é 10! "

Mônica Nunes, jornalista, mãe de Luiz Felipe, portador de necessidades especiais.