Saúde

No Amazonas, pandemia zera estoque de oxigênio e expõe indígenas a trabalhadores infectados

Placa instalada na comunidade Boa Esperança, na Terra Indígena Balaio

Por Uol 22/05/2020 09h09
No Amazonas, pandemia zera estoque de oxigênio e expõe indígenas a trabalhadores infectados
No interior do Amazonas, pandemia zera estoque de oxigênio e expõe indígenas a trabalhadores infectados - Foto: Dsei Alto Rio Negro

Município com maior proporção de indígenas do Brasil vive disparada de casos; barqueiro a serviço do Ministério da Saúde viajou por várias comunidades dias antes de morrer com a doença.

Profissionais de saúde com covid-19 circulando em aldeias indígenas, médicos fazendo vaquinha para comprar oxigênio para pacientes intubados, comunidades inteiras apresentando sintomas da doença.

As cenas, descritas à BBC News Brasil por médicos e enfermeiros que atuam no município de São Gabriel da Cachoeira, ilustram a gravidade da pandemia no interior do Amazonas, onde ficam 13 das 20 cidades brasileiras com a maior proporção de moradores infectados.

Sem qualquer caso de covid-19 até 26 de abril, São Gabriel da Cachoeira já é a 15ª da lista, com 999 registros por 100 mil habitantes. Desde então, morreram, ali, ao menos 15 pessoas de covid-19.

Líderes comunitários afirmam que o número de mortes é provavelmente maior, pois nem todos os doentes que apresentaram sintomas foram examinados antes do óbito. Foi o caso, por exemplo, do artista plástico Feliciano Lana, de 83 anos, que morreu na comunidade São Francisco em 12 de maio.

O avanço da doença pelo município, localizado na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela, expõe ainda a chegada da epidemia a uma das etapas mais temidas por especialistas: o espalhamento do vírus entre comunidades indígenas.

Segundo o Censo de 2010, 76% dos moradores de São Gabriel são indígenas — a maior proporção entre todos os municípios do país.

Mais da metade dos 45 mil habitantes de São Gabriel da Cachoeira vive fora da cidade, em comunidades nas Terras Indígenas Alto Rio Negro, Balaio e Yanomami. Só se chega de barco ou avião ao município, que tem área equivalente à de Portugal.

Indígenas são considerados especialmente vulneráveis à covid-19 por conta de hábitos que tendem a facilitar os contágios, como o compartilhamento de objetos, e da frágil assistência médica em seus territórios. Mesmo antes da epidemia, doenças respiratórias já eram a principal causa de morte entre os grupos.

Segundo a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), 110 indígenas já morreram de covid-19 no país, e houve casos registrados em 53 etnias.

Diferentemente do Ministério da Saúde, que em suas estatísticas sobre indígenas considera apenas os grupos que moram em aldeias, a organização também abarca os que vivem em cidades.