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Jovem criado na feira de Arapiraca vence dificuldades e realiza sonho de se tornar doutor na USP

De uma família de baixa renda, o estudante que recebeu o Bolsa Família e seguiu os estudos fez mestrado e concluiu o doutorado pela USP em São Paulo

Por 7Segundos 18/12/2022 16h04
Jovem criado na feira de Arapiraca vence dificuldades e realiza sonho de se tornar doutor na USP
Arapiraquense Paul Clívilan, filho de feirante, conclui doutorado pela USP, em São Paulo - Foto: Arquivo pessoal

Ele se chama Paul Clívilan Santos Firmino e seu nome aparece logo de cara nas primeiras buscas do Google pela fonte de Currículo Lattes, uma vez que suas pesquisas são referências pela Biblioteca Virtual da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

O filho de feirante de Arapiraca viveu e realizou um dos seus sonhos no dia 17 de novembro deste ano durante a defesa de Doutorado em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP) com o título: “Modernização técnico-científica-informacional e os espaços da globalização: sistemas técnicos, estrutura fundiária e relações de trabalho na agroindústria canavieira de Alagoas (1990-2020)”.

Paul Clívilan, como é mais conhecido, que também trabalhou de feirante em Arapiraca ter conquistado o título de Doutor, pela USP, é, de fato, um orgulho. De acordo com o relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado em setembro de 2019, o Brasil está entre as três nações com o menor número de doutores do mundo.

"Foi um dia mais que especial. Foi o dia em que mais um filho de pobre, nordestino e feirante se torna Doutor pela melhor universidade do país, a USP. Não foi fácil chegar até aqui, e também não foi um caminho solitário, apesar de em alguns momentos a solidão ter sido necessária. Foi uma conquista coletiva, de todas aquelas pessoas que sempre estiveram comigo, apoiando e dando a maior força, pesquisando e debatendo a geografia, acreditando e sonhando junto comigo. Essa vitória é de todos nós", celebrou o mais novo doutor arapiraquense.

No País, a proporção de pessoas com doutorado é de 0,2% da população. A média dos países, em torno de 35, que compõem a OCDE é de 1,1%. O arapiraquense Paul Clívilan faz parte hoje desse percentual de 0,2% de brasileiros doutores e por uma universidade pública.

“Graças as bolsas da FAPESP eu pude fazer estágio de mestrado em Portugal, na Universidade de Lisboa e de doutorado na Universidade de Valladolid, na Espanha, onde tive a oportunidade de ampliar meus conhecimentos e conversar com pesquisadores de vários países do mundo”, disse ele.

Rede pública de ensino: do básico ao doutorado

Aluno de escolas públicas em Arapiraca, a principal cidade do interior de Alagoas, Paul Clívilan conseguiu ingressar na Universidade Estadual de Alagoas (Uneal) no curso de Geografia e concluiu o Doutorado pela USP, a instituição mais prestigiada do Brasil e uma das 100 melhores do mundo, indicada pelo World University Rankings.

“Na USP eu fiz parte do Laboratório de Geografia Política e Planejamento Territorial e Ambiental, o Laboplan, que teve como um dos fundadores o geógrafo nordestino Milton Santos, e destaco a importância das agências de fomento à pesquisa e às universidades públicas e gratuitas. Foi assim que eu ingressei e conquistei esse sonho”, avaliou Paul Clívilan. O convite da defesa do Doutorado foi colocado como um aviso no mural da USP, mas para ele foi como se fosse um troféu. 


Suas origens o fortaleceram para chegar onde chegou e quer ir mais além com a transformação dos estudos. Até hoje sua mãe, Josinete Mércia Santos, trabalha como feirante, vendendo frutas e verduras na feira de Arapiraca. Hoje, ela se dedica a venda de bolos, salgados, bolachas, queijos e outros produtos na feira também. Esta foto abaixo, mostra Paul Clívilan trabalhando na barraca da mãe.

O pai, José Firmino Filho foi cobrador de ônibus e depois trabalhou como motorista de empresa, levando feirantes para as feiras livres das cidades alagoanas. E, por fim, como caminhoneiro.

Paul Clívilan foi criado também pela madrasta Andreia Maria de Souza Firmino. E dos avós, o carinho por seu Francisco Celestino e Maria Lelula, e Edite Caetano e seu Manoel Firmino. “A minha família sempre esteve ao meu lado e eles me apoiaram nos meus sonhos e lutaram junto comigo, o que eu só tenho a agradecê-los”, descreveu.

Paul Clívilan vai passar o final do ano, Natal e Revéillon, com a família e voltará para São Paulo de onde seguirá para trabalhar, temporariamente como professor substituto na Universidade Federal da Grande Dourados, no estado do Mato Grosso do Sul.

“Meu sonho mesmo é passar em um concurso público no ensino superior e enquanto não vem vou buscando outros caminhos, mas pretendo voltar para Alagoas, para o Nordeste, aqui no país em qualquer outra região e se surgir oportunidade em outro país eu vou embora”, desafiou-se o arapiraquense Paul Clívilan.

Os caminhos para o ensino superior

O menino que se criou pelas ruas, becos e vielas do bairro Batingas e estou na Escola de Ensino Fundamental Manoel Humberto da Costa. Cresceu e sempre participou das atividades juninas do bairro e só parou para cursar o mestrado pela USP em 2012.

“Meus primeiros passos para eu ingressar no ensino superior foram dados nas escolas Padre Jefferson, ensino fundamental, Lions e Quintela Cavalcante, ensino médio e em 2007 consegui a aprovação para o curso de Licenciatura em Geografia na Universidade Estadual de Alagoas”, declarou Paul Clívila.

Foi lá na Uneal que ele conheceu o professor Dr. Antônio Alfredo Teles de Carvalho, coordenador do Núcleo de Estudos Josué de Castro, passando a frequentar e desenvolvendo pesquisas sob a orientação do professor. Com este incentivo, o menino de Arapiraca conseguiu sua primeira bolsa de iniciação científica pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL), o que o fez ter gosto pela pesquisa e contribuiu para ele pagar e concluir os estudos na universidade.

“Foi na Uneal que eu tracei meu caminho para seguir os estudos e em julho de 2012 segui para São Paulo cursar o mestrado no programa de pós-gradução em Geografia Humana pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP”, relatou o arapiraquense.

Entre pedras e trabalhos científicos no caminho


Porém, os caminhos trilhados não foram só flores. O primeiro ano em São Paulo foi uma prova de fogo. Sem bolsa de estudos, sem dinheiro, sem emprego e moradia certa. Sem desistir, Paul Clívilan conseguiu uma bolsa com moradia na residência universitária, em 2013, no conhecido CRUSP (Conjunto Residencial da USP).

“Recebi seis meses de auxílio alimentação até a contemplação da bolsa de pesquisa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, a FAPESP, para pesquisara sobre o desenvolvimento econômico de dois centros regionais do Agreste nordestino”, afirmou ele.

Claro que esses estudos contemplaram a Feira Livre, de Arapiraca, sua terra natal, e a de Itabaiana, em Sergipe. A pesquisa resultou em sua dissertação de mestrado defendida em dezembro de 2015.

Para se sustentar entre mestrado e doutorado, Paul Clívilan teve que trabalhar por dois anos como professor substituto da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), no Campus Sertão em Delmiro Gouveia. “Esse foi um momento muito importante para a minha formação como docente”, reconheceu o professor de Arapiraca. 

"Essa história do meu ex-aluno de Batingas é um momento gratificante para todos nós que contribuímos para que um filho de um feirante pudesse chegar no topo dos estudos, onde poucos conseguem trilhar por não ter chances nem incentivos do próprio governo, mas que tem a força de sua própria família, amigos e professores como eu", declarou a ex-professora e advogada Luciana dos Anjos.