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'Até o câmera chorou': doc alerta para violência 15 anos após caso Nardoni

O assassinato, de março de 2008, ganhou repercussão nacional de forma praticamente imediata

Por Splash Uol 16/08/2023 08h08
'Até o câmera chorou': doc alerta para violência 15 anos após caso Nardoni
Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni aparecem no documentário 'Isabella: O Caso Nardoni' - Foto: Netflix/Divulgação

Um elemento fundamental para se entender a grandiosidade do que representa o caso Isabella Nardoni na memória coletiva brasileira é o papel da mídia. Quando a menina de 5 anos foi atirada da janela do apartamento do pai e da madrasta, em 29 de março de 2008, a história ganhou repercussão nacional de forma praticamente imediata, e tanta presença de câmeras e repórteres teve lá sua influência no decorrer das investigações.

Agora, pouco mais de 15 anos depois do assassinato, um novo documentário da Netflix busca trazer luz a questões não respondidas naquela época e provocar novas reflexões a respeito do crime que chocou o Brasil.

Em "Isabella: O Caso Nardoni", Claudio Manoel e Micael Langer assumem a direção, reprisando uma parceria de outros três documentários: "Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei" (2008), "Meu Amigo Bussunda" (2021) e "Chacrinha - Eu Vim para Confundir e Não Para Explicar" (2021). Desta vez, os dois precisaram recalibrar as emoções e o olhar, considerando que se trata de um tema diametralmente distante dos projetos anteriores.

"Tratamos como uma história importante para o país, assim como em Simonal, Bussunda e Chacrinha", explica Micael. "A diferença fundamental é que nos outros eram trabalhos mais biográficos, e aqui fizemos um recorte histórico de um momento em que o país entrou em transe e foi sequestrado por essa narrativa que não saía dos noticiários."

O documentário, que conta com depoimentos inéditos da mãe e dos avós de Isabella, refaz os passos da investigação e da perícia que averiguou as inconsistências nos depoimentos de Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni, e também mostra a evolução da presença da história nas páginas de jornais e noticiários de TV ou programas de variedade.

Desta forma, a imprensa se torna praticamente um terceiro personagem na narrativa, e o documentário jamais perde de vista o quanto a presença constante da mídia foi essencial para as proporções tomadas pela história ao longo das investigações e do julgamento. Hoje, a cobertura do caso Isabella está registrada de forma indelével na memória recente do jornalismo brasileiro, tanto suas partes boas quanto aquelas mais questionáveis.

"É uma história que também já tem um distanciamento em que cabe tanto revisitar como apresentar para as pessoas que não tiveram contato, porque é uma história com carga humana para todos os lados", explica Claudio Manoel. "Há muita coisa para revisitar, da necessidade do retroalimentado da mídia com a plateia, o desejo das pessoas por justiça diante das próprias coisas humanas e também diante das nossas estatísticas. Isso, e o mar de impunidade e pouca punição, tornam essa história muito forte", reflete o ex-Casseta.

Com depoimentos de criminalistas como Ilana Casoy, que acompanhou todos os desdobramentos e o julgamento, o documentário mostra como, muitas vezes, a imprensa cruzou barreiras delimitadas pela polícia para mostrar tudo de perto —como a reconstituição do crime no apartamento na zona norte de São Paulo. Isso é um dos traços que fez o caso se tornar praticamente parte da família de muitas pessoas. A entrada do Fórum de Santana, onde houve o julgamento, foi tomada por civis ávidos por descobrir qual seria o veredito, enquanto o próprio promotor do caso se tornou uma espécie de celebridade em programas de TV.

Essa relação simbiótica entre o trabalho da imprensa e o trabalho da polícia é levantada pelo documentário em pontos éticos, para fazer um balanço e olhar com um certo distanciamento o vivido naquela época. É interessante como o material rebate os argumentos de quem foi contra e a favor deste "frisson" e aponta inconsistências da própria acusação, e deixa para o espectador a missão de tirar disso alguma conclusão.

"A gente quis ficar o mais imparcial possível, mas também não tivemos a intenção de descredibilizar a investigação. Pelo contrário, são pessoas de muito gabarito. Fizemos um intensivão de polícia científica para entender como eles chegaram aos pontos de virada da história", contextualiza Micael.

"Isso realmente foi um ponto de virada na história desse tipo de atividade, não só em São Paulo, mas no Brasil como um todo. São Paulo sendo a ponta de lança no ponto de vista tecnológico." - Micael Langer, sobre a perícia e as investigações do caso Isabella Nardoni

'Até o câmera chorou'

Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella Nardoni
Cortesia Netflix



Hoje casada e mãe de mais dois filhos, Ana Carolina Oliveira fala sobre a dor que sentiu e ainda sente, e são dela os momentos mais emocionantes do documentário. Para os diretores, o mais difícil era conter a emoção acompanhando os depoimentos.

"Até o câmera chorou. Tínhamos o dilema de estar ali, vendo aquilo acontecer na nossa frente, mas precisávamos manter", conta Langer. "Você não pode se deixar levar pela emoção num momento em que uma mãe, mesmo 15 anos depois, está ali remoendo aquela dor. É muito difícil, mas é o trabalho."

O diretor completa reforçando que lançar este material tem uma função dupla de manter a memória viva e provocar uma reflexão.

"São pessoas que passaram pelo que passaram e conseguiram se reconstruir. Somos um país muito violento, com lares muito violentos. Então, temos a intenção da memória e também do alerta. Muita gente nos perguntou por que fomos fazer esse caso. E a minha resposta era: 'Por que não?'. Ele tem um peso para trazer discussões e mobilizar as nossas agonias", contextualiza Langer.

"É bonito ver que são pessoas que poderiam ter sido derrotadas por essa tragédia, com toda a razão", reflete Claudio. "E ninguém poderia falar nada. Mas você vê o que elas conseguem dentro dessa reconstrução, como proposta de vida, a maternidade novamente, a lembrança com carinho, mas que não paralisou na mágoa. Isso é muito bacana de ver."

"A gente voltava do trabalho meio abalado, então tem essa carga que, ao mesmo tempo, precisamos transmitir com delicadeza e respeito para poder também ser um objeto que as pessoas vejam a importância e a carga dessa emoção." - Claudio Manoel, sobre o impacto de dirigir o documentário