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Taxa de mortes por policiais em Alagoas é de 2,9 para cada 100 mil habitantes

Por UOL - Folha de São Paulo 28/10/2016 06h06
Taxa de mortes por policiais em Alagoas é de 2,9 para cada 100 mil habitantes
Quase três pessoas são mortas por policiais a cada dia em Alagoas - Foto: Divulgação

O jornal Folha de São Paulo teve acesso aos dados que constam no 10º Anuário de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de SSP, ONG que reúne especialistas do setor, com base em dados de 2015.

Em Alagoas, a média de mortes provocadas por policiais foi de quase três para 100 mil habitantes. Levando em consideração os 3,35 milhões de habitantes de todo o estado, houve aproximadamente 97 mortes provocadas por policiais no estado.

Entre 2014 e 2015, apesar de ter havido uma pequena queda de 1,2% (de 59.086 para 58.383) no total de mortes violentas no país –considerada como sinal de estabilização do indicativo–, as vítimas da violência policial cresceram 6,3%, para 3.345. Já o número de policiais mortos diminuiu 3,9%: foram 393 mortos em 2015.

"Falta hoje uma política de Estado que combata a violência", aponta a socióloga Samira Bueno, diretora executiva do fórum. "Os Estados precisam fazer o controle de armas, e as polícias Militar e Civil devem ter um sistema de metas de redução de homicídios compartilhado."

Para Renato Sérgio de Lima, sociólogo e diretor-presidente da ONG, "o Brasil precisa discutir o modelo de uso da força de suas polícias". "A razão de existência das polícias é o uso da força, mas tem de ser controlado e gradual."

Segundo a pesquisadora Tânia Pinc, major da reserva da Polícia Militar de São Paulo, "os discursos do Executivo e do Judiciário estimulam ações letais abusivas porque sugerem que o que se espera do policial é que mate o criminoso". "É uma covardia porque quem assume essa morte depois é o soldado e sua família, e não essas instituições."

Esta prática tem respaldo social: metade dos brasileiros concorda com a frase "bandido bom é bandido morto".

Para o deputado estadual Álvaro Camilo (PSD), ex-comandante da PM paulista, no entanto, a explicação é outra: "O aumento de sensação de impunidade levou os infratores a serem mais audazes, o que aumenta o confronto com a polícia, logo, a letalidade".

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POLICIAIS MORTOS

Policiais morrem três vezes mais em folga do que em serviço, segundo dados do anuário. De acordo com especialistas no tema, isso se deve a múltiplos fatores: os chamados bicos, o porte de arma e suposto envolvimento em atividades criminosas.

"Discutimos pouco essas mortes porque é um tabu falar daquilo que o policial está fazendo fora do serviço e qual é a responsabilidade do Estado nisso", sugere Lima.

Ele se refere ao chamado bico, atividade ilegal exercida pelo policial em seu horário de folga, em geral no setor da segurança privada.

"Por terem salários inadequados, os policiais se lançam nesta atividade, diferente do seu ofício regular, quando raramente são surpreendidos ou emboscados", explica o consultor José Vicente da Silva, coronel reformado da PM.

Para Pinc, outro fator decisivo neste dado se deve ao fato de policiais andarem armados mesmo quando estão de folga. "Isso é uma cultura. Mas, fora de serviço, ele é vulnerável como qualquer pessoa. E, se ele está armado, a tendência é reagir."

MORTES VIOLENTAS

As mortes violentas intencionais tiveram maior taxa de crescimento no Rio Grande do Norte: 39,1%. Foram 48,6 pessoas a cada 100 mil habitantes em 2015. A taxa só é menor que a de Sergipe (57,3) e Alagoas (50,8).

Para Bueno, a explicação está na melhoria do registro de informações e na onda de violência que atingiu o RN, por exemplo –o Estado chegou a decretar calamidade pública.

"TENHO ÓDIO DA POLÍCIA", DIZ MÃE DE JOVEM MORTO NA GRANDE SP

O pai de Regina era policial. O filho foi morto por um.

Quando criança, Regina Simão, 50, sentia orgulho do pai, tenente da Rota, a tropa de elite da PM de São Paulo. "Para nós, polícia era tudo."

Em abril de 2014, essa percepção mudou radicalmente. Seu filho, Rafael Simão Sarchi, um jovem de 21 anos, foi morto com cerca de dez tiros quando caminhava na calçada a duas quadras de casa, em Mogi das Cruzes, na Grande SP. "Em menos de cinco minutos ele estaria em casa."

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No ano passado, dois policiais, Fernando Cardoso Prado de Oliveira e Vanderlei Messias Barros, foram presos acusados da autoria de uma série de assassinatos, inclusive uma chacina, sempre de homens jovens ou adolescentes em Mogi, entre 2013 e 2015. O filho de Regina teria sido morto por Cardoso.

Rafael trabalhava como cobrador de lotação com seu pai, que é motorista, e queria estudar educação física. Deixou duas filhas, que agora têm seis e três anos.

"Hoje eu tenho ódio da polícia. Não tenho mais confiança", diz Regina. Quando ela e um grupo de mães de filhos assassinados nos ataques vão ao fórum acompanhar os casos, conta, "os policiais sempre ficam olhando".

"É um olhar tipo 'vai ver que o filho dela era traficante'. Se os meninos fizeram ou deixaram de fazer, isso quem tinha que julgar era a Justiça. Nada justifica o que esse monstro fez. Não é tirando a vida de alguém", afirma.

"Eu vou comer e penso no meu filho. Vou comprar uma roupa e me lembro dele. O quarto dele está do mesmo jeito que ele deixou -só tive coragem de dar a cama. Você nunca mais volta ao normal."

Ataques como esses não são contabilizados pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo como letalidade policial -entram no número geral de homicídios cometidos no Estado. Estão, portanto, fora da média nacional diária de nove assassinatos cometidos por policiais.

No caso dos ataques de Mogi, foram ao menos dez vítimas em sete ações diferentes entre 2013 e 2015, segundo o delegado local Rubens José Ângelo. Os crimes aconteciam sempre fora do horário de trabalho dos policiais, que atacavam de carro ou de moto, diz o delegado.

Paulo Cesar Pinto, advogado de Cardoso, diz que o cliente "não participou dos crimes" e é acusado porque "atuava muito na região prendendo traficantes". Cláudio Pereira, que representa Messias, também diz que ele é inocente. O policial sofreu um AVC na prisão e está internado em São Paulo.

PARA MULHER DE POLICIAL MORTO EM ASSALTO, NÃO EXISTE PM DE FOLGA

"Ele não reagiu. Fez sua função. Polícia é polícia 24 horas por dia. Não existe folga de PM", diz Érica dos Santos Morais, 37, mulher do cabo Sérgio Augusto Morais, morto aos 46 anos, no mês passado.

Era uma sexta à noite, às 21h, e ele jantava numa lanchonete no Jardins (região oeste de São Paulo) com um colega. Estava de folga, sem farda. Dois assaltantes anunciaram um assalto. Morais reagiu, e foi atingido com uma bala no peito por um dos criminosos, que fugiram.

Em 2015, 103 policiais morreram em confrontos durante o expediente no Brasil e quase o triplo, 290, foram mortos fora do serviço. A soma dos números mostra que, em média, um policial foi morto por dia no ano passado.

Para Érica, é covardia "pegar policial de folga e não fardado". "Ele foi um policial. Morreu na função."

Eles se casaram quando ela tinha 16 anos. Moradores de Guarulhos (Grande SP), se conheceram num churrasco de amigos. Juntos, tiveram três filhos –de 18, 16 e 10 anos.

"Por causa da violência, nossos filhos ficaram sem pai. Nada vai pagar a vidadele", diz ela. "Não pode ser que a média seja um policial morto por dia. Morrem mais. Quando fui dar entrada na minha pensão, havia mais 12 mulheres de policiais mortos ali."

Como "mulher de militar", afirma Érica, ela sempre teve medo "de que ele não voltasse para casa". "Agora me sinto podre, quase sem sobrevivência", diz, lembrando dos 22 anos que viveram juntos -"ele não se negava a ajudar ninguém. Não existia a palavra 'não' para ele".

"Mulher de polícia não tem paz. Filho de polícia não tem paz. Mulher e filho de polícia são mulher e filho de polícia 24 horas por dia. Agora esperamos a Justiça." (JG)