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Enquanto Trump promete muro, grupos lutam para integrar os dois lados da fronteira

Grupos lutam para romper isolamento que divide as comunidades de San Diego e Tijuana

Por UOL 04/11/2016 05h05
Enquanto Trump promete muro, grupos lutam para integrar os dois lados da fronteira
Do lado mexicano, mulher aguarda para falar com parente que está nos Estados Unidos - Foto: Getty Images

Enquanto o candidato republicano à presidência dos EUA, Donald Trump, eleva o tom contra os imigrantes e defende a todo custo sua proposta do muro entre os EUA e o México, grupos dos dois lados da fronteira lutam diariamente para romper o isolamento imposto pela barreira física que divide as comunidades de San Diego, do lado americano, e Tijuana, do mexicano.

Eles organizam aulas de ioga, jardinagem e até missas binacionais envolvendo comunidades dos dois lados do muro. O palco das atividades é simbólico: o Parque da Amizade, que fica na fronteira entre as duas cidades e historicamente é usado por famílias para o reencontro, ainda que elas não possam se tocar.

No campo mexicano, o parque é um espaço aberto à população 24 horas, 7 dias na semana; no americano, policiais da imigração permitem o acesso restrito a 25 pessoas por vez apenas aos finais de semana, entre 10h e 14h.

A ideia de um dos grupos, chamado Amigos do Parque da Amizade, é forçar o governo federal a manter o espaço aberto, já que eles ocuparam a área da fronteira imediata do parque (que é estadual) em 2009 e, desde então, dificultam cada vez mais o acesso da população a um dos poucos pontos no país em que famílias podem se ver.

John Fanestil, 65, é um pastor da Igreja Metodista que cresceu em San Diego e criou a Igreja da Fronteira em 2011, mas ele já promovia cultos diante do muro quando o parque era completamente aberto, sem o controle da patrulha fronteiriça. As cerimônias são realizadas dos dois lados e atraem um público fiel aos domingos do lado mexicano --do americano, poucas pessoas podem participar, até mesmo pelo limite imposto pelas autoridades ao local.

O pastor mexicano Guillermo Navarrete o apoia durante o culto, e é ele quem monta a infraestrutura completa para a cerimônia. Fanestil entra no espaço cercado apenas com um microfone sem fio, que é conectado a todo equipamento instalado no lado mexicano --absolutamente nenhum objeto pode passar de um lado para o outro da fronteira.

Em entrevista ao UOL, Fanestil contou que do lado americano participam, em média, cerca de cinco pessoas --fora os que visitam parentes e optam por se unir à oração em algum momento. Mas, do lado mexicano, a cada domingo algumas dezenas de pessoas participam da cerimônia.

"No lado mexicano, a maior parte das pessoas, cerca de 80% das que participam do culto, foi deportadas". estima Fanestil.

Entre os fiéis regulares estão um grupo de mães deportadas e outro de veteranos deportados, ambas entidades organizadas de Tijuana. "Mas costumam participar também outras pessoas que foram deportadas e abraçam a Igreja da Fronteira como um lar, uma forma de obter e prestar apoio uns aos outros", afirma o pastor americano.

"Alguns dos que estão no México ainda têm família do lado americano da fronteira. Para eles, participar do culto pode ser uma forma de estar ligado aos EUA, com as pessoas que foram deixadas para trás mesmo que só espiritualmente.".

O pastor conta que, de vez em quando, é possível ver algumas manifestações espontâneas entre os visitantes, como um recente aniversário.

"Uma das famílias estava lá porque a jovem, que vive nos EUA estava fazendo quinze anos, era uma debutante. Sua mãe havia sido deportada e estava no lado mexicano. No fim, quando estávamos fazendo a benção de encerramento, nos reunimos com elas e cantamos parabéns. Uma outra família que estava lá e não tinha relação nenhuma com a jovem veio, a abraçou, e cantou também. Sua mãe ficou muito emocionada, assim como toda a comunidade que se reuniu para celebrar o aniversário desta garota, que não pode celebrar com a mãe", relembrou Fanestil.


Antes de o governo federal isolar a área, o jardim binacional era cultivado dos dois lados da cerca, e as pessoas trabalhavam juntas, ao mesmo tempo. Ele fica em uma área em que nem mesmo os visitantes do parque podem circular --as visitas ao muro são feitas em uma faixa de terra bem pequena, onde o muro contém uma grade que permite somente que as pontas dos dedos das pessoas se toquem.

Para fazer a manutenção do jardim do lado americano, o americano Daniel Watman conta com a boa vontade dos patrulheiros da fronteira para entrar, muito de vez em quando, no espaço para cuidar das plantas.

Segundo Watman, a proposta do jardim era criar um espaço para que as pessoas fizessem amizades apesar do muro. "Você poderia passar o dia lá e trabalhar no jardim, conversar, ver as pessoas do outro lado, conhecê-las", conta Watman.

Segundo ele, no lado mexicano, o jardim é bem conhecido, já que está no caminho das pessoas para a praia, e é mantido pela comunidade até os dias de hoje, apesar do isolamento do lado americano.

"O conceito de criar mais muros e mais separação tem base na ideia de que o país precisa se proteger de pessoas más cruzando a fronteira, e isso não é correto", diz Watman. "Uma ideia melhor seria que as pessoas dos dois lados se entendessem e se conhecessem, que existisse menos separação. Acho que isso nos tornaria mais seguros. A separação criada com muros e policiamento na verdade cria uma situação mais perigosa quando as pessoas não se conhecem", completa.

Para o pastor americano, quem vive longe da fronteira não entende como é a realidade da região e que são comunidades muito ligadas, mesmo depois da construção do muro. Ele lembra que, todos os dias, milhares de mexicanos de Tijuana cruzam a fronteira legalmente para trabalhar em San Diego e voltam para suas casas, e que isso sempre foi parte da rotina da região.

"As pessoas que moram longe da fronteira só ficam sabendo de histórias horríveis de tráfico de drogas, criminalidade, violência, e têm a impressão de que a fronteira é um lugar muito perigoso. Mas na verdade não é. As cidades americanas da fronteira estão entre as mais seguras do país, frequento o parque há anos e nunca vi nenhum ato de violência", afirma Fanestil.

Ponto de reencontro controlado

Famílias de todos os Estados do EUA e do México viajam para San Diego e Tijuana com a esperança de rever os familiares do outro lado da cerca. As autoridades fazem uma fila e permitem apenas 25 pessoas na área controlada --alguém só entra quando outra pessoa sai. Por isso, as atividades destes grupos nesta área são mais difíceis de serem organizadas, já que eles dão prioridade aos reencontros das famílias.

"Algumas daquelas pessoas estão separadas há anos, décadas. Muitas vêm de longe, querem conversar com quem está do outro lado, e não participar das atividades. E respeitamos isso", diz Watman. Mas, segundo ele, estas atividades tem um objetivo muito maior: forçar o governo a manter a área aberta.

"As atividades visam ampliar a conexão com os dois lados separados pelo muro e ajudar estas famílias. São elas quem tiram vantagem de um acesso maior, de mais possibilidades. Trabalhamos pelo acesso de cada vez mais pessoas ao parque, e as atividades acabam ajudando", diz o organizador do jardim binacional.

A ONG californiana Border Angels, famosa por espalhar galões de água nas rotas mais usadas por imigrantes ilegais no deserto americano, conseguiu que as autoridades da fronteira abrissem pela quarta vez a chamada "porta da esperança" --a porta de manutenção da cerca-- para que as famílias possam se abraçar. O evento acontecerá no próximo dia 19 de novembro.

Os organizadores do Amigos do Parque da Amizade tentam, com uma petição, algo mais simples: apenas para que as pessoas possam se encontrar e se tocar na área em que a fronteira não possui a cerca, apenas vãos que permitem a passagem de um braço, por exemplo

O muro de Trump

A fronteira americana tem aproximadamente 3.100 km, dos quais cerca de 1.050 km possuem algum tipo de barreira física, como cercas, muros de concreto e outras estruturas construídas para impedir a travessia.

A proposta de Trump é fazer com que o México pague pelo muro nas áreas que ainda não possuem nenhum tipo de bloqueio. Segundo ele, a medida é necessária para impedir a imigração ilegal e mexicanos seriam criminosos, traficantes e estupradores.

Apesar disso, estudos mostram que o número de ilegais no país --11,1 milhões em 2014-- está estável desde a crise que atingiu os EUA, em 2009. Além disso, o número de imigrantes vindos do México caiu, enquanto o total de outras regiões do mundo aumentou.

Segundo estudo do Pew Research Center, o maior fluxo de ilegais vem, desde 2009, de países da América Central, Ásia e África Subsaariana. Entretanto, os mexicanos ainda representam mais da metade (52%) dos ilegais no país.

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A Califórnia é um dos Estados que apontaram estabilidade no número de imigrantes ilegais, e é hoje o Estado com a maior população sem documentos. De acordo com o estudo, os Estados que apresentaram crescimento são Massachusetts, Pensilvânia, Virgínia, Washington, Nova Jersey e Louisiana-- o único com aumento efetivo no número de mexicanos.

Outro detalhe é que nenhum Estado que registrou aumento na população ilegal está na área do muro prometido por Trump.

Hoje 27,3 milhões de eleitores têm origem latina nos EUA, metade deles é identificada como "millennials", nascidos depois dos anos 80. O Pew Research Center estima em suas pesquisas que metade dos eleitores latinos registrados (54%) acredita que o Partido Democrata estaria mais preocupado com a comunidade hispânica. Apenas 11% afirmam que o Partido Republicano se preocupa mais com os latinos.

Sete em cada dez eleitores registrados hispânicos planejam ir às urnas nesta eleição, e um em cada cinco votará pela primeira vez. Entre os republicanos latinos que apoiam Trump, 83% nasceu nos EUA. Entre os apoiadores latinos de Hillary, 64% nasceu em território americano.

Eleitores que acreditaram em mudança com Obama agora querem Trump 

Não demorou muito para Jack Morris se arrepender de ter votado no presidente Barack Obama. Alguns meses depois que Morris, um antigo republicano, votou pela primeira vez em um democrata, em 2008, soube que a empresa de tapetes em que ele trabalhava pretendia demitir 36 pessoas na Pensilvânia e mudar seu emprego para Maryland.

Ele foi para casa e lamentou a sua mulher que tinha feito um grande erro ao acreditar na mensagem de esperança e mudança de Obama. O presidente estava no cargo havia menos de seis meses e a decepção que pintaria os oito anos seguintes para Morris já se instalava.

"Eu simplesmente disse a minha mulher: 'Me f... Nunca deveria ter votado nele'", disse Morris, 46, que hoje apoia Donald Trump. "Eu corri o risco. Deixei meu partido para experimentar, e votei nele por mudanças. Não deu certo, e agora volto para meu partido."

Morris faz parte de um pequeno subgrupo de eleitores que apoiaram Obama em 2008 e agora preferem Trump, atraídos por sua promessa de sacudir a situação política e restaurar os empregos perdidos. Uma pesquisa da CBS News realizada no mês passado revelou que 7% dos prováveis eleitores que apoiaram Obama em 2012 agora apoiam Trump, um raio de esperança para um candidato que continua atrás na maioria das pesquisas e alienou muitos eleitores de centro.

Entrevistas com Morris e mais de uma dúzia de pessoas mostram um tema comum: a mensagem de mudança que as inspirou a votar em Obama hoje é personificada por Trump, que eles veem como um forasteiro ousado, sem conexões com os burocratas de Washington e os doadores ricos que financiam os candidatos democratas e republicanos.

Muitos dos entrevistados disseram que se sentem enganados pelo presidente e frustrados por suas circunstâncias pessoais. Segundo eles, Obama não fez o suficiente para criar empregos, impôs de forma injusta a Lei de Acesso à Saúde e prejudicou a reputação dos EUA na condução das relações internacionais. Alguns também se queixaram de que o primeiro presidente negro foi ineficaz em sua reação aos assassinatos com viés racial.

Susanne Murphy, 63, de Gettysburg, Pensilvânia, votou em Obama duas vezes, mas diz que agora apoia Trump. A Lei de Acesso à Saúde fez que ela e seu marido demitissem cinco empregados de sua empresa elétrica porque não podiam pagar os benefícios para eles, segundo disse. "Isso nos fez sentir fracassados", disse ela enquanto esperava o início de um comício com o governador de Indiana, Mike Pence, candidato a vice-presidente na chapa de Trump.

Murphy disse que Mike Huckabee, o ex-governador de Arkansas, seria sua primeira opção para presidente, mas ela gradualmente se aproximou de Trump. "Para mim, Donald Trump fala a verdade, as coisas como elas são", afirmou. "Ele quer unir este país. Ele quer cuidar dos EUA primeiro."

Gary Kerns, 42, também de Gettysburg, disse que ficou impressionado com Trump há muito tempo e chamou a si mesmo de "eleitor maria-vai-com-as-outras" --que é atraído pelos candidatos mais populares. Em 2008, Kerns votou em Obama porque se interessou pelos discursos do jovem e carismático senador.

"Obama era uma brasa", disse ele. "Ele tinha pique, e eu fui apanhado. Eu o adorava."

Hoje Kerns, um republicano registrado, vê uma energia semelhante à de Obama em Trump. "Vamos em frente com o mais quente", disse ele.

Trump atraiu até alguns eleitores negros que foram inspirados pela candidatura de Obama em 2008, mas desde então se decepcionaram.

Chuck Linton, 69, de Baltimore, um militar veterano de guerra aposentado, descreveu Obama como "condescendente" e disse que, como homem negro, ele estava cansado de ouvir os democratas lhe dizerem como deve votar.

"Você já viu alguém que fala tão bem e o faz sentir que está a seu favor, mas na verdade não está?", perguntou ele. "Esse é Obama."

Linton, um antigo democrata, disse que pretendia votar em Trump porque acredita que o empresário vai trabalhar para conter a violência em lugares como Baltimore, onde, segundo Linton, várias pessoas que ele conhece perderam seres queridos para a violência armada.

"O que temos a perder? Essa é uma pergunta muito boa", disse ele, repetindo a indagação feita frequentemente por Trump em discursos aos negros. "Que diferença faz se você experimentar algo diferente? Ele está absolutamente certo. Precisamos tentar algo diferente."

Para outros, foram as posições de Obama sobre questões de justiça racial que os fizeram recuar de seu apoio.

Meg Amamolo, 57, votou em Obama em 2008 e 2012 e ficou entusiasmada, como mulher negra, em votar para colocar um negro na Casa Branca. Mas ela ficou especialmente frustrada em 2012 quando Obama opinou sobre a morte a tiros de Trayvon Martin, 17, por um vigilante de bairro voluntário em Sanford, Flórida. "Se eu tivesse um filho, seria parecido com Trayvon", disse Obama.

Enquanto muitos elogiaram Obama por simpatizar com a família do adolescente, Amamolo achou que o presidente estava assumindo posições injustamente e sinalizando para os filhos dela que sofreriam discriminação por serem negros.

"A coisa toda era fazer os meninos negros perceberem que o país não os quer", disse ela. "Os americanos negros estão sendo vitimizados pelos democratas para que consigam votos, mas nada está mudando."

Laverne Gore, 58, uma eleitora republicana registrada de Cleveland (Ohio), pensa que Obama não fez o bastante para ajudar os negros depois que ela votou nele com entusiasmo em 2008.

Gore disse que chorou quando Obama foi declarado vencedor, mas logo perdeu a fé em seu governo porque ele se concentrou mais nos direitos gays e na imigração do que nas preocupações dos negros.

"Eu fiquei esperando e rezando para que ele me mostrasse que eu importava, meus filhos importavam, meus vizinhos que são negros importavam", disse Gore. "Mas isso não aconteceu."

Para outros ex-apoiadores de Obama, a atração por Trump é mais visceral.

"Ele é um bilionário de colarinho azul", disse James Bates, 37, um vendedor que mora em Cleveland, sobre o candidato republicano.

Bates disse achar que poderia ter uma conversa amigável com Trump, e que por causa da riqueza do candidato ele não ficará endividado com ninguém caso vença.

"Assim como votei em Obama em 2008 vou votar agora em Donald Trump", disse Bates. "Ele é a única pessoa que pode entrar, acredito, e realmente estourar o establishment de Washington."

"Acredito 110% que Donald Trump defende o eleitorado americano", acrescentou. "Não os interesses especiais de Washington. Nem seus próprios interesses. É pelo povo."

Morris também acredita que Trump pode melhorar sua vida.

Seis meses depois que aceitou viajar diariamente três horas para Baltimore para continuar trabalhando na fábrica de tapetes, a companhia se mudou de novo, para a Geórgia. Em vez de reformular sua vida, ele desistiu do emprego de US$ 125 mil anuais.

Agora, segundo disse, consegue sobreviver com sua mulher e três filhos ganhando US$ 72 mil em manutenção de prédios de apartamento. Morris disse esperar que Trump cumpra sua promessa de recuperar os empregos bem remunerados.

"Ele não vai aguentar merda de ninguém", disse Morris sobre o republicano. "Ele não vai me prometer mudança e depois não cumprir."