Brasil

Justiça não vê uso de criança no tráfico como trabalho infantil

Estudo demonstra que decreto, que coloca jovens que trabalham para o tráfico de drogas como vítimas de trabalho infantil, não funciona na prática

Por 7Segundos com R7.com 22/06/2018 08h08
Justiça não vê uso de criança no tráfico como trabalho infantil
Adolescentes no tráfico são maioria. - Foto: Folhapress

O "gerente" é responsável por recolher o dinheiro de todas as bocas do mesmo dono e faz o chamado “fecha da semana”. Pelo serviço de contabilidade, o garoto recebe cerca de R$ 2.000. O vendedor das drogas ganha de 10% a 15% de comissão do valor vendido no dia. O "campana" tem a missão de guardar a liberdade do vendedor e o funcionamento da biqueira. O serviço rende até R$ 60 por 12 horas de trabalho.

As bocas de drogas têm também a figura do "abastece", que pode trabalhar em uma ou várias biqueiras. A ele é dada a função de guardar ou transportar a droga. O rendimento varia entre R$ 600 e R$ 1.000 por semana, dependendo do movimento da semana. Grande parte dessa mão de obra, utilizada pelo tráfico de drogas, tem menos de 18 anos.

Embora pareça ser vantajoso, o mercado movimentado pelo tráfico de drogas traz sérios impactos e impõe diversas situações de riscos às crianças e adolescentes utilizadas como mão de obra em biqueiras, como são conhecidos os pontos de venda de substâncias ilícitas.
Apesar disso, a Justiça brasileira não reconhece o tráfico de drogas como um tipo de trabalho infantil. Essa é uma das conclusões de uma pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) sobre mercados, famílias e redes de proteção social de adolescentes em conflito com a lei.

Infância perdida: crianças no tráfico

O estudo revelou que apesar de o País reconhecer um decreto que reconhece o tráfico de drogas envolvendo adolescentes como trabalho infantil, na prática, esses jovens não são vistos como vítimas dessa engrenagem. Pelo contrário: a maioria é tratada como infrator, sujeita a cumprir medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

“No Brasil há uma ambiguidade jurídica que faz com que esses adolescentes, mais tarde, sejam vistos como bandidos”, afirma Ana Paula Galdeano, socióloga e coordenadora do estudo. A pesquisa reconstruiu a trajetória de jovens de três regiões de São Paulo, Sapopemba, Vila Medeiros e Sé.

Vulneráveis

De acordo com as pesquisas, esses jovens vivem em regiões precárias e, em geral, são apreendidos pela polícia em locais próximos de suas casas. Ao trabalharem nas biqueiras se sujeitam tanto às penalidades impostas pelos donos das bocas quanto por policiais que fazem patrulhamento nas regiões.