Economia

Encher o tanque de gasolina compromete mais de 50% da renda média do maceioense

O economista e professor da Ufal, Cícero Péricles, estima que o valor dos combustíveis deve aumentar ainda mais até o final do ano

Por 7Segundos 04/06/2022 08h08
Encher o tanque de gasolina compromete mais de 50% da renda média do maceioense
Professor Cícero Péricles de Carvalho - Foto: Assessoria

Após consecutivos aumentos no valor da gasolina, a última média registrada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em Maceió foi de R$ 7,16, no balanço divulgado no último sábado (28). Enquanto isso, a renda média do maceioense foi estipulada em R$ 746,11, segundo o boletim "Desigualdade nas Metrópoles" do segundo trimestre do ano passado.

De acordo com esses números [os mais recentes disponíveis até o fechamento da matéria] e comparado com a capacidade média de um tanque de gasolina [55 litros], encher o tanque na capital alagoana custa R$ 393,80. Esta quantia representa 52,7% do valor médio mensal e 32,4% do salário mínimo atual, de R$ 1.212.

Erroneamente culpado, o valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) segue congelado até o final de junho, em um esforço conjunto das unidades federativas de tentar conter os aumentos da Petrobras, que se baseia [desde 2016] em uma política de paridade de importação (PPI). Ou seja, o preço tem como base o custo do produto importado trazido ao país.

Neste meio tempo, tramita no Senado um projeto de Lei no Senado para limitar a alíquota do ICMS de combustíveis e energia. Na última segunda-feira (30), o presidente da casa, Rodrigo Pacheco (PSD), afirmou que a votação ocorrerá direto no plenário, sem passar pelas comissões, acelerando o trâmite.

Em contrapartida, a própria Petrobras reconheceu que os maiores preços de venda foram, em parte, responsáveis pelo lucro líquido de R$ 106,7 bilhões que a estatal de capital misto obteve em 2021. A critério de comparação, no primeiro ano da pandemia da Covid-19, 2020, o saldo foi de R$ 7,1 bilhões. O desempenho foi 15 vezes maior.

Com esse cenário montado, o portal 7Segundos conversou com o economista e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Cícero Péricles, para analisar a atual situação econômica e como adequar o orçamento para manter um veículo.

Em meio aos aumentos, não só do combustível, mas também de outros itens essenciais [alimentação, por exemplo], como o maceioense pode tentar adaptar o orçamento na hora de abastecer?
"Nestes dois últimos anos, o consumidor já vem fazendo adaptação do orçamento familiar ao consumo de combustível, tanto da gasolina como do etanol. Esse processo de adequação foi muito forte no primeiro ano da pandemia, em 2020, quando o isolamento social permitiu essa maior flexibilidade. Uns foram reduzindo o consumo, utilizando menos seus automóveis; outros utilizando meios alternativos como os transportes por aplicativos ou mesmo transporte coletivo urbano, como os ônibus. Somente os estratos menores dos consumidores, os de renda média ou alta, mantiveram o ritmo anterior."

Já que encher o tanque se torna praticamente inviável com um salário mínimo, seria vantajoso parcelar a compra no crédito? Mesmo que fosse abastecer apenas o necessário
"Para quem tem renda menor que dois salários mínimos, o automóvel não é o seu transporte principal. Existem as opções mais acessíveis, como as motos e mesmo as bicicletas. O número de motocicletas, em Alagoas, cresceu muito e seu número é quase o mesmo que o de automóveis: 400 mil. As vantagens são muitas. Menor custo quando compra. O preço relativo é muito mais em conta que o de um automóvel, o preço da motocicleta, que caiu muito nas duas últimas décadas. A oferta de muitos modelos ajuda a definir a compra. Consome menos combustível. Um litro de gasolina numa moto rende 4 vezes o de um automóvel. Compensa trocar o ônibus ou mesmo o carro pela moto. A manutenção mais barata, as revisões e reparos, assim como o pagamento dos impostos, são menores. A moto tem agilidade no trânsito pesado das cidades e facilidades no estacionamento, por ser menor, e a revenda é mais vantajosa. Mas, neste momento, a razão principal é a busca da moto para trabalho. As motos, sabemos, são instrumento de trabalho de milhares de alagoanos que utilizam para entrega, para o delivery; mototáxis para transporte popular; e motos para a locomoção de trabalhadores de setores como construção civil, comércio e serviços."

Além da política de preços da Petrobras [de equiparação com o mercado internacional] e da guerra na Ucrânia, quais fatores contribuem para o aumento da gasolina no país?
"A política de preços da Petrobras é o centro desse problema. É um mecanismo que somente favorece aos investidores privados na empresa. O Brasil produz petróleo, mas indexa os preços dos derivados ao preço internacional do barril que, hoje, está em 115 dólares; quando estava em menos de 80 dólares em novembro do ano passado. A guerra contribuiu para aumentar o preço do barril, mas a recuperação econômica pós-pandemia dos países industrializados, aumentando a demanda de petróleo, também colabora fortemente para esta elevação."

O quanto o cenário econômico vai ser importante nas eleições deste ano? Visto que muitos adeptos do atual presidente acreditam que a culpa é do ICMS dos estados.
"O problema econômico central da economia brasileira, desde 2015, é que o país não cresce o necessário para levantar as empresas e a renda, para gerar dinâmica e retomar as taxas alcançadas antes. Crescimento baixo é a marca da economia nestes últimos sete anos. Neste momento, na atual conjuntura, vivemos a combinação de desemprego alto, inflação elevada, nível recorde de endividamento e queda da renda média da população, que está levando ao empobrecimento do universo consumidor. Essa combinação é quem vai decidir a eleição."

Com o ICMS congelado até o final de junho e o preço dos combustíveis cada vez mais instável [e com várias trocas de comando na Petrobras], fica mais claro que o imposto não tem um impacto tão grande quanto propagado. Qual o impacto real no valor final repassado aos consumidores? Se não houvesse congelamento seria tão diferente assim?
"O debate sobre a alíquota do ICMS é mais político que econômico. A equipe econômica federal tenta transferir para a guerra da Ucrânia, para os governadores e para outras dificuldades externas a responsabilidade que é da Petrobras, que detém o poder de definir o preço dos derivados. Acredito que o próximo governo, independente de quem vença, deverá enfrentar essa questão de outra maneira. A perspectiva é de mais aumentos até o final do ano e esta conta alimenta a inflação e não fecha para a maioria dos bolsos brasileiros, com ou sem automóvel."

O que impede que o salário mínimo necessário [de R$ 6.754,33 em abril], calculado pelo DIEESE, seja implantado no Brasil?
"Três razões muito fortes: primeiro o impacto que teria nas empresas de pequeno porte, nas micro e pequenas empresas que não suportariam pagar um salário cinco vezes maior, ou seja, saltar dos atuais 1.200 reais para 6.700 necessários, segundo o DIEESE. Segundo é que as prefeituras, principalmente as das pequenas localidades não têm receita própria para cobrir esse aumento. Terceiro é o caixa da previdência social, hoje deficitário. O salário mínimo é a forma de pagamento a 80% dos pensionistas e aposentados do INSS. Uma alteração muito forte para cima seria insuportável para a previdência. Daí que o acordo entre governo, movimento sindical e patronato, vigente até três anos atrás, de recuperação gradual do salário foi a solução bem sucedida encontrada para a elevação da renda de quem tem neste valor a referência de salário ou renda. Uma solução, infelizmente, abandonada pelo governo atual."