Política

Lula teve 40% dos vetos derrubados no primeiro ano; Bolsonaro, 10%

Por 7Segundos com Gabriella Soares, Congresso em Foco 23/02/2024 21h09
Lula teve 40% dos vetos derrubados no primeiro ano; Bolsonaro, 10%
Presidente Lula e Arthur Lira, Presidente da Câmara - Foto: Jefferson Rudy / Agência Senado

A estratégia de distribuir ministérios entre partidos políticos para construir uma base parlamentar não garantiu vida fácil ao presidente Lula no Congresso em 2023. Ele teve, proporcionalmente, quatro vezes mais decisões derrubadas pelos parlamentares do que o seu antecessor, Jair Bolsonaro em 2019. Em seu primeiro ano de governo, Bolsonaro não negociou cargos com legendas, prática que só veio a adotar em 2020, quando virou alvo de uma enxurrada de pedidos de impeachment na Câmara.

Levantamento exclusivo do Congresso em Foco revela que deputados e senadores reverteram 91 trechos de vetos presidenciais no ano passado. Desses, 41 estão relacionados ao chamado marco temporal das terras indígenas. Outros 104 trechos rejeitados pelo petista foram ratificados pelo Congresso Nacional. Ou seja, só 46,43% das decisões de Lula apreciadas foram mantidas.

No primeiro ano do governo Bolsonaro, os parlamentares derrubaram somente 57 dos 511 trechos vetados pelo então presidente – ou 10,04% dos vetos analisados.

O maior revés de Lula se deu na votação dos vetos ao marco temporal para demarcação das terras indígenas. Em outubro, o presidente vetou integralmente a tese, que limita a demarcação de terras indígenas às áreas ocupadas pelos povos nativos até a promulgação da Constituição de 1988.

Como metodologia, o Congresso em Foco considerou os vetos analisados até o fim dos anos legislativos de 2019 e 2023. Como cada veto pode conter um número diferente de trechos vetados, foi contabilizado cada trecho e a decisão dos parlamentares sobre cada um deles, de acordo com dados de votação oficiais do Congresso Nacional.

Em 2023, Lula fez um total de 49 vetos em projetos de lei em um total de 818 trechos vetados. Desses, somente 29 vetos (224 trechos) foram analisados pelo Congresso até o momento.

Já Bolsonaro utilizou mais o recurso em mais leis aprovadas pelo Congresso, e fez 62 vetos somente em 2019, mas contabilizou menos trechos vetados: 640. Desses, 44 vetos, ou seja, 568 trechos, foram analisados.

Congresso à direita

Especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco indicam diferentes possibilidades para explicar a diferença entre os primeiros anos de Lula e Bolsonaro. O primeiro deles é o perfil do Congresso, mais conservador do que a presidência petista.

“Temos que aceitar uma dose de conflito. O conflito não é algo inerentemente negativo, ele faz parte. É normal. O Congresso está mais à direita e o presidente, mais à esquerda”, afirma o cientista político Ricardo de João Braga, um dos coordenadores do Congresso em Foco Análise, responsável pelo Painel do Poder.

Essa análise encontra eco entre congressistas governistas ouvidos pelo Congresso em Foco. Para eles, houve dificuldade para avançar em negociações com certos grupos porque a eleição de 2022 foi apertada e muitos parlamentares continuaram com uma posição mais fechada para o diálogo.

Há também a visão, entre governistas, de que o Congresso se acostumou a ter mais poderes do que o normal, tendência que teria sido reforçada durante os governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro. Para alguns parlamentares, durante quase oito anos o Congresso Nacional teve mais espaço para tomar decisões no país.

Mais ministérios que votos

Já para o cientista político Carlos Pereira, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o perfil do Congresso não teve uma alteração tão significativa nos últimos anos. Na avaliação dele, um dos principais pontos é que a base de apoio a Lula é muito diversa e a distribuição de poder muitas vezes não corresponde com os votos que cada ala pode entregar.

“O presidente Lula montou uma coalizão muito grande, mas muito heterogênea, com partidos que vão da extrema esquerda, como o Psol, passando pelo centro, como o MDB, até partidos de direita, agora com o Republicanos, que até pouco tempo era fiel escudeiro do Bolsonaro”, disse Pereira.

Para ele, o gerenciamento dessa coalizão é complexo e fica mais difícil com o compartilhamento de poder feito pelo governo Lula. Segundo o cientista político, alguns partidos são recompensados com um espaço maior do que os votos que entregam, como o próprio PT.

Em setembro do ano passado, o presidente Lula ampliou de 37 para 38 o número de ministérios, com a criação da pasta das Micro e Pequenas Empresas. Foi o caminho encontrado por ele para acomodar o Republicanos e o PP na Esplanada dos Ministérios, aumentando de nove para 11 o número de partidos políticos contemplados com cargos de primeiro escalão. Juntos, esses partidos somam 389 deputados e 65 senadores.

Bolsonaro começou seu governo com 22 ministros, dos quais apenas cinco eram filiados a partidos políticos. Com exceção do seu partido à época, o PSL, nenhuma sigla fazia parte oficialmente do governo. Com discurso de ataque às instituições, Bolsonaro tentava negociar com bancadas temáticas, como a ruralista e a evangélica, seus principais sustentáculos. A estratégia se mostrou arriscada e ele teve de revê-la em 2020, quando se viu obrigado a negociar com o Centrão, grupo de parlamentares de partidos de direita e centro-direita, para aprovar propostas e escapar de um eventual processo de impeachment.

Economia e ideologia

Outro ponto para contextualizar a diferença entre os resultados de Lula e Bolsonaro, segundo os especialistas, é a análise dos temas alvo de vetos no primeiro ano dos dois presidentes. O governo petista teve mais temas que podiam ser interpretados de acordo com uma perspectiva ideológica, como o marco temporal e saúde mental de policiais, por exemplo.

“Nas questões ideológicas, o governo Lula é minoritário, enquanto que na pauta econômica ele já tem negociado mais. É difícil fazer compensações em pautas ideológicas”, diz Ricardo de João Braga.

Bolsonaro, por outro lado, teve muitos vetos em projetos que não causam tantas discordâncias, como a carteira de trabalho eletrônica e a regulamentação da profissão de cuidador. Os temas mais complexos do governo Bolsonaro contavam ainda com um Congresso “mais à direita”, assim como a própria gestão do Executivo.

“No momento em que o chefe do Executivo desconsidera a preferência mediana do Legislativo, ou seja atua sem perceber o que o Legislativo toleraria, aumentam as chances de o Executivo se dar mal. Ou pelo menos vai aumentar os custos de gerência”, diz Carlos Pereira. Segundo ele, as pautas controvérsias aumentam ainda mais a chance de derrotas em um cenário como o de Lula, com a bancada do PT não sendo a maior do Congresso.

Articulação política

Parlamentares ouvidos pelo Congresso em Foco dizem que o governo buscou o diálogo em seu primeiro ano. Mas também indica o que consideram erros de articulação, como, por exemplo, o que foi feito com a desoneração da folha de pagamentos. Lula vetou integralmente a proposta aprovada pelos parlamentares que beneficiava com regime tributário diferenciado 17 setores. Dias após a derrubada do veto, o governo editou uma medida provisória estabelecendo a reoneração gradual desses segmentos, o que provocou dura reação do Congresso.

Integrantes da oposição alegam que o governo tentou ignorar a decisão do Parlamento em diferentes momentos. Essa visão, aliada com a perspectiva de que o Judiciário invadiu prerrogativas do Legislativo, também teria contribuído para um ambiente mais difícil para a articulação do governo em 2023, segundo eles.

Por outro lado, há governistas que acham necessário que o governo passe a exigir mais fidelidade dos partidos com ministérios. A leitura é de que essas siglas não podem manter poder se parte de seus integrantes no Congresso atua contra interesses da administração Lula.

A articulação no Congresso é centrada no ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e no líder do Governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP). Também entram nas conversas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e os líderes do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e na Câmara, José Guimarães (PT-CE).