Vítimas de feminicídio seguem sendo culpabilizadas pelas próprias mortes

Comentários nas redes sociais tendem a proteger assassinos e responsabilizar vítimas em casos de violência

Por Erick Balbino/7Segundos |

No último mês, o brutal assassinato de Rayane Conceição Silva, de apenas 22 anos, no Povoado Alto do Tamanduá, zona rural de Poço das Trincheiras, chocou Alagoas e o Brasil. Ela foi morta pelo próprio namorado, um jovem de 24 anos, após ele vê-la dançando com outro homem em uma festa. O caso aponta a gravidade da violência de gênero no país, ao mesmo tempo que revela uma preocupante tendência de culpabilização da vítima nas redes sociais.

Segundo informações, Rayane estava no bar com seu namorado quando decidiu dançar com um amigo. Após o evento, o casal deixou o local, mas o homem retornou alterado e com marcas de sangue pelo corpo, afirmando que Rayane havia sido assassinada. Em seguida, ele fugiu do local. Imagens divulgadas por presentes mostram o suspeito gritando para que a jovem se levantasse, enquanto pessoas ao redor afirmavam que ela já estava morta e que ele era o responsável pelo crime.

O corpo de Rayane foi encontrado em frente ao bar, com sinais de violência e um ferimento no pescoço causado por um objeto contundente. 

A tragédia de Rayane evidencia a violência letal contra as mulheres e também a cultura de culpabilização da vítima amplamente disseminada nas redes sociais. Comentários em portais de notícias locais, como o Portal 7Segundos, refletem um preocupante machismo, que responsabiliza a vítima por sua própria morte. Exemplos incluem: "Qual o motivo dela dançar com outro na frente do marido?" e "Não respeitou o marido, aí se lascou".

Estes comentários ocorrem apesar das campanhas de combate à violência doméstica e à cultura machista. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam que, em 2022, uma mulher foi morta a cada seis horas no país. No total, foram 1.437 vítimas de feminicídio, um aumento de 6,5% em relação a 2021. Especialistas apontam que a crença de que as mulheres são subalternas aos homens e que suas vontades são menos relevantes contribui para esse alarmante índice.

"Ainda há muitos crimes devido à cultura machista e sexista que existe no país, que coloca o sexo feminino como um ser inferior, que não tem direito a ter suas próprias vontades e que está submissa à vontade do homem, devendo sempre fazer o que ele quer", explica Deíse Camargo Maito, professora de Direito da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).

A CULTURA MACHISTA COLOCA O SEXO FEMININO COMO UM SER INFERIOR

O anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que, em sete de cada dez feminicídios, a vítima foi morta dentro de casa, frequentemente pelo parceiro (53,6%) ou ex-parceiro (19,4%). "O agressor não aceita o término da relação ou a autonomia da mulher. Por isso, a maioria dos feminicídios é cometida por alguém muito íntimo", diz Maito. Este padrão de violência é muitas vezes confundido pela vítima, pois o agressor pode apresentar comportamentos normais e carinhosos, intercalados com momentos de violência.

Juliana Fontana Moyses, mestre em Direito pela USP e doutoranda em Direitos Humanos, destaca que o ciclo de violência pode se agravar, culminando em feminicídio. "O agressor se desculpa após atos violentos, criando um ciclo que pode piorar com o tempo", afirma Moyses.

Entre as vítimas de feminicídio, 71,9% tinham entre 18 e 44 anos, com a maior concentração na faixa de 18 a 24 anos. "Essas jovens, no início da vida, têm menos conhecimento de que estão sofrendo violência, o que dificulta a busca por ajuda", explica Maito.

O caso de Raiane Conceição Silva é um doloroso lembrete da necessidade urgente de combater a cultura de culpabilização da vítima e intensificar os esforços para erradicar a violência contra as mulheres. A sociedade deve se unir para proteger as vítimas e punir os culpados, promovendo um ambiente de respeito e igualdade para todos.

FEMINICIDA PRESO

  • O assassino de Rayane foi preso na última quinta-feira (11), graças ao trabalho da Delegacia Regional de Santana do Ipanema. Em depoimento, o homem admitiu ter sido o responsável pela facada que tirou a vida da namorada, mas alegou que o alvo dele seria outro homem.

    A versão dele é considerada contraditória para a polícia. Segundo a delegada Daniella Andrade, os relatos de diversas testemunhas ouvidas não citam a presença de uma terceira pessoa no local do crime.

  • Em seu depoimento à polícia, o suspeito confessou não ter gostado de ver sua namorada dançando com outros dois homens na festa e, por este motivo, resolveu deixar o local com ela.

    Ele contou ainda que, do lado de fora, pegou uma faca e teria tentado acertar um golpe em um dos homens com quem Rayane havia dançado, mas ao invés de atingi-lo, teria acertado a facada na jovem, que morreu logo em seguida, antes mesmo de receber atendimento médico.

FERRAMENTA ONLINE FACILITA SOLICITAÇÃO DE MEDIDA PROTETIVA EM CASO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM AL

Crimes como o feminicídio da jovem Rayane desafiam as forças de segurança e demandam cada vez mais atenção da Justiça alagoana. Os casos de violência contra a mulher são uma constante nos relatórios diários da Polícia Militar.

Dentre os principais recursos de proteção disponível às vítimas, estão as medidas protetivas. Com base na Lei Maria da Penha, a medida protetiva ajuda a restringir a aproximação do agressor.

Em Alagoas, o Tribunal de Justiça lançou, em 2022, uma ferramenta on-line que facilita que mulheres vítimas de violência doméstica denunciem e solicitem medidas protetivas sem sair de casa.

Batizada de Ártemis, a ferramenta pula algumas etapas que, muitas vezes, tendem a desencorajar as denúncias, como enfatiza o desembargador Tutmés Airan.

“O canal habitual é a mulher se dirigir até uma delegacia, prestar queixa, dizer que foi agredida e pedir proteção. Esse caminho, no entanto, tem alguns obstáculos. Nem todo mundo gosta de ir à delegacia e nem sempre as condições estão colocadas para que a mulher se desloque de sua casa. Agora, basta preencher um formulário, que a denúncia será transformada em petição inicial. Essa petição é cadastrada no sistema e enviada para o juiz, que tem até 48h para se pronunciar”, explicou o magistrado.

COMO ACESSAR A FERRAMENTA

A plataforma da Ártemis é simples de ser usada. É só acessar o site https://artemis.tjal.jus.br, em seguida clicar em Solicite Sua Proteção e seguir o passo a passo.

Após o preenchimento do formulário com os dados solicitados, o sistema gera um pedido de medida protetiva. Esse pedido é enviado ao juiz com segurança e sigilo. Ele avaliará o caso e julgar as medidas a serem tomadas para assegurar a proteção da vítima.

A resposta do pedido ao juiz será informada por e-mail ou telefone informado no formulário. Caso haja determinação de medidas protetivas, será informado à solicitante o número do processo para que possa acompanhar o andamento.

QUANDO SOLICITAR

Em caso de:

> Violência física: se foi agredida com tapas, socos, pontapés e/ou outros;
> Violência psicológica: se recebeu ameaças (verbais, com faca, armas e outros objetos; está sendo perseguida, teve fotos e vídeos íntimos divulgados);
> Violência sexual: foi obrigada a ter relações sexuais;
> Violência moral: sofreu humilhação publicamente, comentários ofensivos ou exposição da vida íntima do casal para outros;
> Violência patrimonial: teve objetos quebrados, dinheiro ou documentos retirados.

ONDE BUSCAR AJUDA

> Ligue 190 em caso de emergência
> (82) 2126-9650 / (82) 99157-3023 para ser acolhida na Casa da Mulher Alagoana;
> (82) 2126-9666 para falar com a Polícia Civil
> (82) 2126-9671 / (82) 2126-9662 / (82) 2126-9682 para falar com o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;
> (82) 98833-2914 para falar com a Defensoria Pública;
> (82) 2122-3642 para falar com o Ministério Público;
> (82) 3315-1740/ 3315-2653 / (82) 98867-6434 para falar com o Centro Especializada de Atendimento à Mulher;
> (82) 99149-7490 para o Centro de Defesa dos Direitos da Mulher;
> (82) 99630-1008 para falar com a Associação AME.