
Há décadas a cena musical roqueira faz a cabeça de jovens da cidade de Arapiraca, no Agreste de Alagoas, formando vários talentosos músicos e bandas.
Autópsia, Alta Voltagem, Bona Fide, Senhora Rita, The Other Side, Metamorphose, Mopho, o alfabeto parece ter espaço suficiente para muitos nomes de bandas de rock formadas em Arapiraca surgidas ao longo das últimas quatro décadas, e elas souberam ocupar o espaço aberto pelos seus integrantes após eles serem “fisgados” pelo som da guitarra, teclado, baixo e bateria de bandas que fizeram sucesso pelo mundo e Brasil afora.
O baterista Wilson Silva, da banda Gato Negro, formada na primeira década dos anos 2000 e que se tornou conhecida muito alem dois limites de Arapiraca, contou que foi muito influenciado pelo som da banda Autópsya a, considerada uma das primeiras bandas de rock de Arapiraca, formada por Edjelson (ex-Calcinha Preta) na guitarra, Marcos no contrabaixo, Sandro, também na guitarra e Walter (da Eletrorádio Gomes) nos teclados, que ele mesmo construía e Charles na bateria eletrônica também montada pelo Walter.
“Era um teclado de apenas duas oitavas e para a bateria eletrônica, o Walter construiu baquetas utilizando dois fios vermelho e preto com duas antenas que batia numas plaquinhas de metal que ficavam em cima – eram os pads”, conta Wilson, afirmando ainda que a banda tinha duas músicas autorais.

Wilson tocando com a Gato Negro. Foto: reprodução/Internet
A Autópsya chegou a tocar no primeiro festival de rock de Arapiraca, promovido pelo artista plástico e fã de rock ‘n’ roll, Cícero Brito, no final dos anos 80.
“Era final de 88 ou 89, eu ainda nem tocava nessa época, mas já me interessava em participar daquilo que eu via no palco”, comentou Wilson.

Raro registro da banda Autópsya. Foto: reprodução de vídeo/internet

Voltamos a falar em Cícero Brito, que apesar de não ser músico, foi mais um arapiraquense mordido pelo “bichinho” do rock ‘n’roll em 1972 ao ouvir o álbum Machine Head do Deep Purple.
Cícero conta que na década de 1970 não tinha bandas de rock em Arapiraca, mas como um apaixonado pelo movimento, ele, além de se tornar um colecionador de discos (de rock), decidiu promover na década seguinte, junto com mais dois amigos, o primeiro festival de rock arapiraquense, por volta de 1987, intitulado Arapiraca In Rock, inspirado no I° Rock In Rio de 1985.
“Fomos atrás de patrocinadores e conseguimos alugar o som da Banda Folha Verde, do empresário, Jarbas Lúcio. O local dos shows foi o pátio do antigo Ceasa, que hoje é o Partage Arapiraca Shopping e as principais bandas participantes foram, Autópsya, de Arapiraca e Hospital de Almas, da capital, Maceió.
Cícero Brito e sua vasta coleção de CDs de rock. Foto: cortesia ao 7Segundos
Disposto a movimentar a cena roqueira em Arapiraca, em 1989, Cícero abriu o primeiro Bar de Rock da cidade, o “On The Rocks”, na rua Pedro Nunes de Albuquerque, Centro, que permaneceu em atividade por um ano.
Ele conta que alguns freqüentadores do bar, hoje são músicos bem sucedidos, dentre eles, o João Paulo (guitarrista das bandas Mopho e Alma de Borracha), Wilson Silva (baterista da Gato Negro e Casa da Mata) e Edjelson Brito (guitarrista da Calcinha Preta e Terapia).
Legado
Além do legado para a cena musical arapiraquense, Cícero Brito também inspirou a família. Breno Airan filho de Cícero Brito, também tornou-se um apaixonado pelo rock e virou músico. Breno é integrante de uma das bandas na nova geração em Arapiraca, que já completou agora em 2025, dez anos de estrada.
Estou me referindo à banda Casa da Mata, formada por Alan Lins (guitarra e voz), Ayrton Bispo (bateria), Breno Airan (baixo e voz) e Nikolas França (guitarras).
“Também foram membros do grupo o baterista Wilson Silva e Nardel Guedes, hoje respectivamente em atividades nas bandas Gato Negro e Mopho, duas referências pra nós, tanto os referidos músicos, como as bandas”, disse Breno.
Banda Casa da Mata. Foto: cortesia ao 7Segundos
Fazendo um som autoral, uma bandeira seguida desde a formação da banda, a Casa da Mata já tocou com várias outras bandas da cidade, como a Quiçaça e bandas consagradas como a Mopho, como também já abriu shows para bandas de fora, como o CPM22, por exemplo.
“Estamos sempre pintando e fincando a nossa bandeira da música autoral em nosso Estado por acharmos que Alagoas ainda é muito carente de si mesma e precisa se entender melhor, se conhecer, se reconhecer nas coisas que faz, e os artistas têm um papel importante nisso, disse Breno.
A Casa da Mata já lançou dois álbuns nessa década, produzidos de forma independente, que estão em todas as plataformas digitais: "Casa da Mata" (2017) e "II" (2022).
Cícero Brito com o filho mais velho, Breno. Foto: cortesia ao 7Segundos
Relação com o pai
Sobre a relação com o pai, Cícero Brito, Breno conta que sempre aprendeu com ele a gostar de rock
“Meu pai é um professor, literalmente. Tudo o que aprendi na minha ‘primeira infância do Rock’ foi através dele, gosto se herda também”, completou Breno.
O irmão mais novo de Breno, Victor Hugo, também se tornou músico e baixista, assim com Breno. Victor integra as bandas Capona e Manolation.
Brito ao lados dos filhos, Breno e Victor. Foto: cortesia o 7Segundos
Mais um caso de família
Essa história de gosto passado de “pai para filho” também inclui o músico Josimar Alves, baixista da banda RockPop 82.
Josimar é filho do guitarrista Jozão, que tocou na banda Alta Voltagem, uma das mais conhecidas de Arapiraca nos anos 80.
“A família é da Paraíba e a gente veio para Arapiraca em 1984, o meu pai influenciou muita gente aqui, muitos guitarristas, muita gente, porque ele foi o primeiro cara em Arapiraca a fazer performance enquanto tocava, ele subia na caixa de som, era cabeludo e gostava de deixar o clima do rock influenciar a sua presença no palco e por conta disso, influenciou muita gente aqui, eu conheço muita gente que começou a tocar guitarra depois de ver o meu pai”, disse Josimar

Jozão durante apresentação na Escola Municipal Hugo Lima, em 1987. Foto: reprodução de vídeo/internet
Com o tempo, a Alta Voltagem foi aos poucos, se transformando numa banda de baile e depois, virou uma banda de forró, mas o espírito roqueiro dos primórdios impregnou Josimar de vontade de tocar rock.
“Eu, pequeno, comecei a gostar de rock por causa dos discos do meu pai, eu lembro que ele tinha discos do Led Zepellin, Raul Seixas, ele viajava para ir tocar e u ficava em casa ouvindo os discos que ele guardava na estante”, contou.
Josimar chegou a tocar com pai na Alta Voltagem, mas já não era rock e por conta disso, quando saiu da banda, os donos de um bar de Arapiraca estavam com um projeto para colocar uma banda de rock se apresentando e aí, Josimar decidiu montar uma banda para ocupar aquele espaço, foi quando surgiu a RockPop82, que é formada por Ed Jairo (bateria), Josimar Alves (baixo e vocal), Cicah Jusce (guitarra solo) e Dudu Pessoa (vocal e guitarra base).

Banda RockPop82 - da esq. para a dir. > Ed Jairo, Cicah Jusce, Josimar Alves e Dudu Pessoa. Foto: reprodução/acervo da banda
“Queríamos fazer um som atraente para as pessoas e estamos aí, na cena, fazendo o que a gente gosta, tocando não somente nos bares, mas em vários eventos promovidos na cidade”, disse.

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The Other Side
Uma das bandas arapiraquenses mais lembradas quando se fala em rock ‘n’ roll é a The Other Side, liderada pelo músico e cantor Marcus Mausan, também considerado uma referência quando se fala em rock arapiraquense e em Alagoas.
“Comecei com uma banda de garagem de Arapiraca, por influência do pai, fundador do Moce (Movimento Cultural e Estudantil), que teve início nos anos 70, cresci no meio de artistas e durante a adolescência, me interessei por música e o rock foi o meu escape, digamos assim”, contou Mausan.
A partir daí, ele montou a banda The Other Side, que conquistou um público fiel que até hoje lembra e curte a banda, que teve dois álbuns lançados e se tornou conhecida também através dos fanzines e revistas do gênero em nível nacional, sendo pauta de matérias até em uma revista em Portugal.
Mausan cita um importante legado deixado pela banda, pois foi através da The Other Side que foi criado na cidade o Ara Metal Night – primeiro grande evento de rock de Arapiraca – um festival que durou vários anos foi propagado justamente pela banda The Other Side.
“A gente se orgulha muito de ter sido pioneiro nesse sentido,no Heavy Metal do Agreste e de Alagoas também porque a gente influenciou toda essa geração que existe hoje aí, devido a esse movimento que a gente ajudou a realizar”, explicou. -
Mascus Mausan explicou que a The Other Side teve que parar as atividades porque todos os integrantes se separaram e foram estudar e morar em diferentes cidades.
Mausan formou-se em Música pela Ufal (Universidade Federal de Alagoas), também apaixonou-se pelo lado erudito e lançou três álbuns solo, dando ênfase a esse estilo.
Após rodar boa parte do Brasil divulgando seu trabalho, inclusive o Paraguai, e também depois de passar uma temporada na Alemanha divulgando seu trabalho, Mausan decidiu morar em Maceió, onde leciona música e paralelamente a isso, se mantém se apresentando com a banda Mausan Rock Band e participando de festivais, como o Em Cantos, promovido pela Secult (Secretaria de Estado da Cultura) onde em 2024, ficou em primeiro lugar com a música Reflexão de uma Existência.
“Estamos na luta, sempre fazendo rock, estamos gravando um disco novo, eu com minha banda, sempre produzindo alguma coisa, na luta e na batalha artística”, afirmou.
Anos 80
Foi o gosto pelo rock nacional dos anos 80 que aproximou o então jovem guitarrista também arapiraquense, Cristiano Oliveira, deste gênero musical.
Cristiano começou a tocar guitarra em 1998 em bandas de baile, mas ao ouvir bandas como Engenheiros do Hawaii, Legião Urbana, Titãs, Kid Abelha, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, dentre outras, foi também impactado pelo som do movimento new wave que toou conta das FM´s na década anterior.
“Entrei na música profissionalmente através das bandas de baile, onde se toca de tudo um pouco, lá foi a minha escola”, disse.

Guitarrista Cristiano Oliveira. Foto: reprodução/acervo pessoal
Entre 2010 e 2012, quando começou a fazer parte de uma banda de Arapiraca chamada Senhora Rita, com repertório autoral, que também fez história em Alagoas, Cristiano tomou ainda mais gosto pelo rock.
“Comecei a fazer arranjos das músicas da banda, foi a minha primeira experiência totalmente rock, onde eu pude mostrar esse meu lado e conhecer mais sobre mim como músico, guitarrista e arranjador, foi a banda responsável por mostrar meu lado criativo mesmo, minha identidade musical”, contou.
Card de show da Senhora Rita com a banda de Marcus Mausan. Foto: cortesia ao 7Segundos
Logo em seguida, Cristiano participou da montagem da Bona Fide, uma banda cover de rock nacional.
“Foi quando aflorou aquele lado do músico de rock, aquela sensação de banda de garagem, aquele frescor volta de tocar o que realmente se quer”, disse o guitarrista, que também integrou uma banda cover da Pink Floyd, batizada de Dark Side, também conhecida na cena arapiraquense e alagoana, chegando até a abrir um show para o Bikini Cavadão”.
Toda essa experiência com o instrumento tornou Cristiano professor de guitarra em Arapiraca, atividade que ele exerce paralelamente às tocadas do dia a dia.
Rock Pró-Cultura
Inquietude, essa pode ser uma das palavras definir um personagem muito conhecido da cena musical arapiraquense e alagoana. E o que dizer de alguém que assume no sobrenome os títulos dos projetos que põe em prática?
Assim é o Júnior Pró-Cultura, que um dia já foi chamado de Júnior Metamorphose por causa da banda da qual fez parte (Metamorphose) de 2006 a 2018, quando a banda se dissolveu.
Formação da Metamorphose: Daniel (baixo), Ekinho (teclados), Junior Pró-Cultura (bateria) e Márcio Ricardo (guitarra e voz).
Atualmente, Júnior integra a banda Sideraltas.
Júnior Pró-Cultura (agachado) ao lado de sua atual banda, Sideraltas. Foto: cortesia ao 7Segundos
Júnior é baterista, mas a paixão pelo rock o tornou muito mais, ele se transformou num fomentador cultural, realizador de eventos voltados para o rock em Arapiraca, como o Rock Pró-Cultura.
Criado em julho de 2012, o projeto Rock Pró-Cultura existe até hoje. A idéia é celebrar o rock com bandas e nomes do rock nacional em shows de graça em praça pública em Arapiraca através de apoios de gestores públicos e de patrocínio.
No dia do rock, Júnior sempre traz para a Capital do Agreste algum nome mais conhecido da cena rock nacional. Em 2024, foi o cantor Supla quem pisou no palco do projeto em comemoração à data.
Card de divulgaçao do show em alusão ao Dia do Rock em 2024. Foto: cortesia ao 7Segundos
Para 2025, infelizmente, não haverá show programado para o dia 13 de julho devido aos recursos, ainda não liberados para o Projeto, afirma Júnior, que também produz e apresenta um programa chamado Janela do Rock, no canal 10 da TV Oops, em Arapiraca, desde março de 2018.
”Em 2024 fizemos o show do Supla e esse ano ainda não deu para fazer nada porque os recursos ainda não chegaram a tempo, mas se a verba sair até o final de julho a gente ainda pode fazer alguma coisa”, disse Júnior.
Certamente, quem é do rock, ainda espera muito por isso.