
O Outubro Rosa, mundialmente conhecido pela campanha de conscientização sobre o câncer de mama, ganha uma dimensão essencialmente diversa e inclusiva ao longo dos anos. Tradicionalmente focado na mulher cisgênero, o movimento tem se expandido para contemplar todas as pessoas que possuem tecido mamário e, portanto, estão sujeitas aos riscos da doença. Neste cenário, a população transgênero, muitas vezes invisibilizada nas diretrizes de saúde, emerge como um grupo que exige atenção especializada e acolhimento nos programas de rastreio.
A necessidade de um olhar ampliado é urgente, dado que o câncer de mama é a neoplasia mais comum e a principal causa de morte por câncer entre as mulheres no Brasil. Para a população Trans, o risco é influenciado por fatores como o uso de terapia hormonal e a realização ou não de procedimentos cirúrgicos, como a mastectomia masculinizadora. A desinformação, o estigma e a falta de preparo dos serviços de saúde tornam o acesso a exames cruciais como a mamografia ainda mais complexo e, por vezes, traumático.
É nesse contexto de busca por equidade e informação de qualidade que profissionais de saúde, como a médica radiologista arapiraquense Camila Lima, têm desempenhado um papel fundamental. Em um esforço de conscientização, a especialista alagoana utiliza sua plataforma para desmistificar o tema e levar importantes esclarecimentos sobre o rastreio do câncer de mama para a população Trans, reforçando que a prevenção é um direito e uma necessidade de todos.

Mulheres Trans: A influência da hormonização no risco e o protocolo de rastreamento
O rastreamento do câncer de mama em mulheres transgênero (pessoas que foram designadas como sexo masculino ao nascer, mas se identificam como mulheres) é uma pauta crucial, diretamente ligada à terapia hormonal feminilizante, que tipicamente inclui estrogênio e, por vezes, progesterona. O uso de estrogênio, embora essencial para a transição, é um fator que aumenta o risco de desenvolvimento de tecido mamário e, consequentemente, do câncer, embora esse risco permaneça menor do que o das mulheres cisgênero.
As diretrizes médicas atuais, muitas vezes alinhadas a padrões internacionais e ajustadas ao contexto brasileiro, sugerem um protocolo específico para esse grupo. O rastreamento mamográfico para mulheres trans geralmente é indicado após um período de uso da terapia hormonal. Há recomendações que indicam que a mamografia pode ser apropriada a partir dos 40 anos, se o uso de hormônios se estender por cinco anos ou mais, desde que não haja risco adicional de alto risco. No caso de risco acima da média identificado, o rastreamento pode ser antecipado.

Homens Trans: Mastectomia e a manutenção da vigilância
Para os homens transgênero (pessoas que foram designadas como sexo feminino ao nascer, mas se identificam como homens) e pessoas não-binárias com tecido mamário residual, o rastreamento também possui particularidades. A terapia com testosterona, embora diminua o risco, não o elimina totalmente, e a principal variável é a realização da mastectomia masculinizadora.
Se a mastectomia for completa (retirada total do tecido mamário), o rastreamento mamográfico rotineiro não é usualmente necessário, visto que o risco de câncer de mama é reduzido em cerca de 80% a 90%. No entanto, se o procedimento for parcial ou se o homem trans não tiver se submetido à cirurgia, o tecido mamário remanescente ainda representa um risco. Nestes casos, o rastreamento pode ser indicado a partir dos 40 anos, se não houver risco adicional identificado, ou pode ser antecipado para os 25-30 anos se houver risco acima da média e tecido mamário persistente.

Médica radiologista Camila Lopes
Desafios do acesso à saúde pública
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A médica radiologista Camila Lima, em sua abordagem educativa, enfatiza que o ponto central para o rastreio da população Trans é a presença e a qualidade do tecido mamário, bem como o histórico de hormonioterapia. Ela reforça a necessidade de uma avaliação individualizada, que considere o tempo de exposição hormonal e os fatores de risco particulares de cada pessoa, independentemente da identidade de gênero. O diagnóstico precoce, como para qualquer outra população, aumenta significativamente as chances de cura.
A especialista de Arapiraca salienta que a inclusão do nome social nos cadastros e prontuários é um passo fundamental para um atendimento mais digno. O acolhimento humanizado, que respeita a identidade de gênero e a expressão de cada indivíduo, é o primeiro passo para garantir que pessoas Trans sintam-se seguras e confortáveis para buscar os serviços de saúde e realizar os exames preventivos de rotina. A qualificação dos profissionais de saúde é uma etapa crucial desse processo.
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A médica Camila Lima reforça a importância da atenção personalizada: “O rastreio em pessoas Trans é um tema de extrema relevância, e a gente precisa avaliar cada caso de forma individualizada, considerando a história do paciente, o tipo de cirurgia realizada e o tempo de uso de hormônios para indicar o exame correto no tempo certo.”
A importância do exame de imagem, especialmente a mamografia e a ultrassonografia, na detecção precoce de alterações, é o ponto de convergência do rastreio. A dra. Camila Lima, radiologista, atua na linha de frente do diagnóstico, reforçando a relevância de laudos médicos que considerem o histórico completo do paciente Trans para uma interpretação acurada dos achados.
Avanços e barreiras no acesso da população trans aos serviços gratuitos de saúde
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem o desafio e o dever de garantir o acesso universal e igualitário à saúde, incluindo a população Trans. A Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Portaria nº 2.836/2011) e a redefinição e ampliação do Processo Transexualizador (Portaria nº 2.803/2013) são marcos importantes. Tais medidas visam combater a invisibilidade e a discriminação, garantindo o direito ao uso do nome social e a serviços específicos, como a hormonização e cirurgias de modificação corporal e genital. Contudo, o acesso integral ainda enfrenta sérios desafios.

Apesar das normativas, barreiras institucionais e o despreparo profissional persistem. Estudos e levantamentos indicam que a população trans continua sendo uma das mais distanciadas dos serviços de saúde. Relatos de falta de acolhimento, preconceito, e a recusa no uso do nome social por parte de profissionais de saúde operam como grandes obstáculos.
Além disso, a concentração regional dos serviços especializados do Processo Transexualizador, majoritariamente no Sul e Sudeste, acentua a desigualdade de acesso para pessoas que vivem em outras regiões do país. É vital que as unidades de atenção primária estejam aptas a realizar o acolhimento inicial e o rastreamento de forma sensível e informada, integrando de fato essa população aos programas de prevenção, como o Outubro Rosa.