A jovem Jamille Brito, de 23 anos, abriu a câmera do celular e filmou o outro lado da rua, onde um bar tinha aberto há cerca de um mês. Ela postou o vídeo gravado no TikTok e escreveu: "Abriu uma chopperia na frente da minha casa. Faz um mês e hoje não deu ninguém. O dono fica de um lado pro outro, estou angustiada por ver isso e não fazer nada. Vamos ajudar, gente."
A postagem foi num domingo e, na semana seguinte, o Downtown Gastrobar foi tomado por uma multidão. Jamille não tinha milhares de seguidores, mas, mesmo assim, o vídeo chegou a atingir mais de 11 milhões de visualizações. O empreendedor, Vitor Mandala, contou em entrevistas que chegou a ganhar em um dia o que planejava faturar em um ano*.
O caso, que ocorreu em Manaus, no mês de maio, pode até ser visto como um ponto fora da curva, mas o criador de conteúdo e dono da página Saboreando Maceió, Ayrton Cavalcante, viu acontecer — em proporções menores — em vários dos estabelecimentos que recomendou através de vídeos curtos.
São tomadas rápidas, que focam no ponto das carnes ou na cremosidade dos queijos, com narrações sobre textura, sabor e, claro, informações sobre preços. A página dele funciona como um guia gastronômico da capital alagoana, com recomendações através de parcerias pagas e outras não.
“Tem estabelecimentos que o estoque não aguenta. Nem sempre precisa me contratar. Me interesso pelo produto, pela história e vou lá divulgar. Muitas vezes, estabelecimentos que nem tem Instagram. Não sabem o que está acontecendo e porque, de repente, tantas pessoas apareceram”.
O Saboreando está em quase todas as redes do tipo: TikTok, Kwai e Reels — a plataforma de vídeos curtos do Instagram. Além desses, há também o Shorts, recurso de vídeos curtos criado dentro do Youtube; e até o Linkedin, rede social que tem como foco relacionamentos profissionais, começou a testar a implantação de uma funcionalidade parecida.
Dados do DataReportal, do início de 2024, apontam que o Brasil é terceiro país que mais consome TikTok em todo mundo, com 98,6 milhões de usuários ativos. Mas não se trata dos vídeos curtos por si só. A combinação entre ferramentas rápidas de edição e o algoritmo de recomendação fez o aplicativo mudar a forma de consumo de conteúdo em todo mundo.
Analista do Sebrae Alagoas, Thayná Brito, explica que a ideia de o TikTok ser uma rede apenas de dancinhas e vídeos engraçados ficou para trás, e que dados mostram a presença de usuários de todas as idades. De acordo com ela, o algoritmo favorece descobertas. “Mesmo que você não tenha muitos seguidores, se você fizer um conteúdo muito interessante, que case bem com a plataforma, você consegue alcançar muitas pessoas. E isso é excelente para pequenos negócios que estão começando”.
Não precisa fazer graça
A empreendedora Clarissa Barbosa, proprietária de uma loja de joias afetivas que leva seu nome, quis contar uma história e acabou atingindo quase 800 mil pessoas, ou, para ser mais preciso, 798 mil visualizações em um vídeo publicado no TikTok.
A empresa nasceu no ano de 2021. Ela conta que largou o emprego em uma multinacional para cuidar dos pais idosos. Clarissa procurou algo para trabalhar de casa e, justamente assistindo vídeos, descobriu as peças de resina.
“Quando descobri que era possível eternizar coisas tão pessoais, senti algo diferente no coração e resolvi me especializar em joias afetivas. São joias feitas com leite materno, cabelo, dente de leite, pelo de pet e tudo aquilo que é importante ao coração e as pessoas desejam eternizar. Deixar para sempre nas joias que carregam as lembranças das pessoas que amam e dos momentos de alegria vividos”.
Um dia, ela posicionou a câmera em frente a mesa de trabalho e gravou em Time Lapse todo o processo de confecção de uma dessas lembranças eternizadas. Ela criou dois pingentes, para duas clientes que são irmãs, feitos com os fios de cabelo da mãe delas, que faleceu durante a pandemia de Covid-19.
Clarissa postou o vídeo e contou a história no TikTok, e atingiu 34 mil curtidas, mais de 480 comentários, além de 1.639 contas terem o salvado. “Todos nós já perdemos alguém muito querido e acredito que aquele vídeo tocou o coração das pessoas porque fala de saudade e amor”.
Era a terceira vez que ela tentava dar uma chance para a plataforma, após tentativas frustradas. Depois do vídeo, a conta foi de nove seguidores a mais de dois mil em apenas dois dias. “No final de semana em que isso aconteceu, eu recebi mais de 200 mensagens de pessoas interessadas em conhecer meu trabalho e eternizar suas histórias”.
A loja passou por consultorias no Sebrae Alagoas e, por meio de uma das analistas, Clarissa soube do concurso “TikTok me fez empreender”. Uma parceria entre o TikTok e o Sebrae Nacional que iria distribuir R$ 1,5 milhão em prêmios para 300 empreendedores que apresentassem histórias inspiradoras. Bastava postar um vídeo público de até 10 minutos na plataforma, com as hashtags #TikTokmefezempreender e/ou #EmpreendanoTikTok.
Mesmo com a experiência de já ter viralizado, ela pensou em não participar porque achava que precisava ser ainda mais ativa na plataforma. Clarissa resolveu esquecer o medo, se inscreveu e ganhou.
No vídeo selecionado pelo concurso, ela conta sobre o dia em que viralizou e as dificuldades de empreender sozinha. “Eu tomo conta de todos os aspectos da empresa; desde o atendimento ao cliente, a criação do produto, a embalagem, o envio, toda a parte burocrática por trás das câmeras que ninguém vê, e principalmente das redes sociais. Mas o TikTok torna tudo isso mais leve e mais dinâmico quando ele ajuda a espalhar nossa arte para muitas pessoas”.
Uma pesquisa do Sebrae mostrou que sete em cada 10 pequenos negócios brasileiros têm perfis nas redes sociais; ou seja, 73% deles usam algum tipo de perfil nas redes sociais. Só que apenas 3% deles estão no TikTok.
A analista do Sebrae, Thayná Brito, atribui a lacuna à vergonha que empreendedores têm em se gravar, bem como à falsa ideia de que precisam fazer algo engraçado.
“Quando a gente usa o exemplo desses perfis de indicação, perfis de dicas, a maioria não faz vídeo humor, não são esquetes engraçadas. São vídeos de alto engajamento porque se conectam com o público, tem um tema, um assunto interessante e são úteis”.
O Google da Geração Z
Piter Costa, dono de um dos maiores perfis de indicação e turismo do país, o Maceió Alagoas, com mais 1,4 milhão de seguidores só no Instagram, explica que as redes sociais têm papel de destaque nas decisões das pessoas. “Na decisão de escolha de destino, de local pra comer, de hospedagem. As pessoas estão ali pra ver a experiência vivida por uma pessoa”.
E ele entendeu isso muito bem. A página nasceu da vontade do criador de conteúdo divulgar seu trabalho com fotografia. O Maceió Alagoas cresceu junto com o Instagram e acompanhou quando o consumo foi tomado pelos Reels. Hoje, a página funciona como um guia repleto de vídeos imersivos de praias, piscinas naturais, hospedagens, passeios turísticos e do, agora popular, “banho de lua”.
Trata-se de um passeio de jangada, com a maré baixa, nas piscinas naturais do mar da praia de Ponta Verde. Só que durante a noite. E “banho de lua” é como o empresário nomeou o passeio oferecido pela agência de turismo dele, a Maceió Alagoas Pass.
O vídeo sobre o passeio, com imagens convidativas do mar verde, cristalino e iluminado pela lua, atingiu mais de 400 mil visualizações na conta dele no TikTok. “A gente leva a experiência mais perto do consumidor. Ele vai estar comigo quando eu estiver na hospedagem, vendo tudo de dentro. Se ele abrir o Google, vai ter algumas fotos, algumas imagens. Mas é totalmente diferente de eu estar ali, narrando e mostrando tudo”.
E falando nisso, o TikTok também é o novo Google, pelos menos para os mais jovens. Uma pesquisa da Adobe mostrou que 64% da Geração Z, que nasceu entre os anos 90 e 2010, prefere fazer pesquisas na plataforma chinesa, ao invés do Google.
“Ao invés de pesquisar no Google sobre os melhores restaurantes de Maceió, eu posso entrar no TikTok e abrir um vídeo de um minuto que vai me dizer os preços, me mostrar o local e os melhores pratos. De uma forma rápida, interessante, interativa e sem precisar ler um texto”, explica Thayná Brito, analista do Sebrae.
Para ela, empreender no TikTok é concorrer com o mundo todo e, ao mesmo tempo, ter a oportunidade de acertar todos os mercados. “Hoje, é muito mais fácil enviar o produto para o país inteiro. E a rede social é ideal para alcançar esse público”.
Piter Costa conta que apenas 21% dos mais de 1,4 milhão de seguidores do Maceió Alagoas são, de fato, da capital. O resto é de fora. “Não deixa de ter o público local apaixonado pela cidade, né? Mas a maioria é turista. Os que estão chegando e os que estão com intenção de vir. Por isso, meu fluxo de entrada e saída de seguidores é muito grande. Tem dias que perco oito mil seguidores, mas ganho dez”.
A Associação de Bares e Restaurantes de Alagoas (Abrasel/Alagoas) também está de olho em como o tema tem impactado o setor gastronômico e de turismo. “Os vídeos curtos são a nova sensação dentro do Marketing Digital. A gente tem acompanhado de perto. O setor de bares e restaurantes tem usado bastante a ferramenta que potencializa o trabalho do setor e o turismo como um todo”, afirmou o presidente Marcus Batalha.
Anúncios e promoção no TikTok
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Para além dos conteúdos orgânicos, como o que foi feito pela empreendedora Clarissa Barbosa, o TikTok também disponibiliza uma área paga para gerenciar anúncios.
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Através do TikTok Business, é possível atingir públicos específicos, assim como as plataformas do Facebook e do Instagram.
Conte uma história e passe uma mensagem
Taynara Almeida, de 26 anos, é a típica jovem viciada em TikTok. Ela conta que abre o aplicativo assim que acorda, quando chega do trabalho à noite e ainda no trabalho, se tiver um tempo livre. Os principais nichos de consumo dela são conteúdos de beleza — maquiagem, perfumaria, skincare — e o lado fitness do TikTok, “me inspira a me manter motivada”. Os dois lados a influenciam a comprar.
“Acho bonito em uma pessoa, acho que em mim também ficaria bem. Vou pela massa também, já que é muito difícil ver algo em apenas um vídeo. Sou totalmente influenciada pelo visual.”
Profissional filmmaker, Betto, se especializou em vídeos curtos e trabalha, principalmente, com empresas pequenas. Para ele, é importante entender qual a mensagem do negócio e fazer com que os seguidores criem um senso de comunidade.
Quatro dos seus clientes são cafeterias e passam mensagens diferentes por meio dos vídeos. “Uma delas a proposta é lembrar dos momentos de respiro que o café pode proporcionar, não é necessariamente a venda. Uma outra traz uma experiência mais física, no local. É sobre ir no lugar e comer um bolo no fim da tarde”.
Betto explica que alguns vídeos que parecem simples foram cuidadosamente pensados e roteirizados. Ele conta que boa parte do que aprendeu sobre o TikTok foi na própria plataforma; e que os empreendedores devem usá-la como ferramenta de aprendizado.
“Uma vez fui chamado pelo TikTok para uma entrevista. Eles me disseram que fui selecionado justamente pelas buscas que fazia, queriam entender como a ferramenta poderia melhorar. A entrevistadora me disse que a plataforma era, principalmente, de Educação”.
Com os conhecimentos passados pelos entrevistados, a reportagem do 7Segundos resolveu ir a campo e descobrir se conseguiria ou não fazer um TikTok. Confira o resultado: