Arte e empreendedorismo: Mestre Irinéia imortaliza a ancestralidade quilombola em esculturas de barro

Patrimônio Vivo de Alagoas e Mestre artesã, Irinéia está entrelaçada com a história quilombola e recebe todos que vão à procura da sua arte com muita alegria e orgulho

Por Lane Gois |

Na pequena e histórica comunidade remanescente quilombola de Muquém, próxima ao lendário Quilombo dos Palmares, em União dos Palmares, reside uma mulher cuja arte transcende fronteiras e ecoa inspiração: Irinéia Rosa Nunes da Silva, ou Mestre Irinéia. Sua trajetória de vida é um verdadeiro testemunho de resiliência, criatividade e empreendedorismo, deixando marcas não apenas em Muquém, mas reverberando sua inspiração por todo o mundo.

A repórter do 7Segundos teve o privilégio de adentrar a vida desta notável empreendedora, reconhecida como um verdadeiro Patrimônio Vivo de Alagoas. Irinéia, com suas mãos habilidosas, transforma argila em obras de arte que capturam a essência da cultura local.

Em uma jornada pelas ensolaradas ruas de Alagoas, testemunhamos décadas de dedicação de Irinéia à sua arte, entrevistando-a, sua família e aqueles que foram tocados por seu trabalho. A cada história, cada peça moldada, desvendamos os desafios enfrentados e as alegrias encontradas em sua jornada como artesã.

Irinéia Rosa Nunes da Silva, nasceu no dia 7 de Janeiro de 1949, no povoado remanescente do Quilombo dos Palmares, povoado do Muquém. A Mestre Irinéia iniciou-se no trabalho com cerâmica ao produzir panelas de barro.

A ancestralidade de Dona Irinéia se manifesta em suas criações feitas com o barro vermelho local. Suas esculturas, como cabeças, figuras humanas e outras formas, contam histórias de episódios, lutas e triunfos vividos pelos habitantes de sua comunidade e do Quilombo de Palmares.

Um exemplo notável é sua escultura retratando pessoas sobre uma jaqueira, que se tornou emblemática. Esta árvore é agora um símbolo de memória, recordando uma enchente durante a qual Dona Irinéia e suas três irmãs passaram a noite sobre esta mesma árvore, aguardando a água baixar. 


A mestre casou-se com Antônio, carinhosamente conhecido como Toinho, essa união trouxe um novo fôlego para o trabalho de Dona Irinéia. Pouco a pouco, a cerâmica utilitária foi dando lugar às esculturas com as quais ganhou fama e reconhecimento. “Ele também mexia com barro quando era jovem. O pai de Toinho fazia telha e ele ajudava no acabamento. Depois que a gente se casou ele começou a ir buscar barro ali no barreiro e a gente começou a fazer algumas coisas além de panela e jarro. É que o povo encomendava mão de barro, cabeça e outras partes do corpo pra poder pagar promessa. E a gente fazia tudo”, diz Dona Irinéia. Assim já se vão mais de 35 anos de trabalho amassando e modelando o barro.

O amor desses artistas registrado ao meio das obras no ateliê - Foto- Lane Gois


Em 2004, Dona Irinéia ficou entre as dez finalistas do Prêmio Unesco de Artesanato da América Latina. Ao longo dos anos suas peças se tornaram cada vez mais conhecidas pelo Brasil. É comum encontrá-las em exposições em galerias em cidades como Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.

O reconhecimento de Irinéia vai além das fronteiras do país. Em 2015, esculturas da artesã foram levadas para Itália, a convite da Expo Milão, uma feira que reúne obras de arte de 140 países. Suas obras, como "O Beijo", tornaram-se verdadeiros símbolos do estado, e seu título de Patrimônio Vivo de Alagoas, conferido em 2005, é um testemunho do impacto que ela deixou em sua comunidade e além.

Emocionada, Irinéia compartilhou conosco a experiência de ver a réplica de sua obra, "O Beijo", instalada na orla da Lagoa da Anta, em Maceió. "Eu levei minha peça que tem em torno de 50 centímetros e o governo levou para São Paulo para restaurar, fomos convidados para ver, fiquei emocionada, o véio chorou e eu também não aguentei, foi muita gente visitar e não falta gente tirando fotos, muita gente não sabia que era de uma artesã de União, passaram a saber depois dessa obra em Maceió", compartilhou Irinéia.

"O Beijo" de Irinéia- Reprodução


Ao lado de seu esposo, o artesão Antônio Nunes, Irinéia enfrentou não apenas desafios artísticos, mas também uma batalha contra a Covid-19, da qual infelizmente Antônio não sobreviveu.

Além de seu marido, sua filha Mônica Nunes e sua irmã Eroina Rosa da Silva desempenham um papel fundamental na continuidade do legado. Juntas, elas moldam não apenas o barro, mas o futuro da arte popular brasileira.

Mônica Nunes, Eroina Rosa da Silva e Mestre Irinéia - Foto- Lane Gois

A artista e Patrimônio Vivo de Alagoas gentilmente abriu as portas de seu ateliê, revelando com um sorriso caloroso os detalhes, obras, títulos e reconhecimentos que adornam as paredes onde a magia da arte floresce.

Ateliê de Irinéia Rosa Nunes- Foto- Lane Gois

Irinéia compartilhou detalhes sobre um convite especial da TV Globo. Um jornalista viajou de São Paulo até União dos Palmares para convidá-la a participar de uma reportagem, exibindo suas obras nos estúdios da emissora em São Paulo, prevista para novembro deste ano. Além disso, ela nos apresentou com grande alegria um livro vindo do Rio de Janeiro, que conta toda a sua jornada, do início ao fim. Na sua loja, há vários exemplares disponíveis para venda, cada um ao preço de R$25.

Modelagens do barro- Foto- Lane Gois

Muquém


No quilombo Muquém, onde o rio Mundaú é tanto fonte de vida quanto de desafios, o trabalho com o barro é mais do que uma atividade artesanal. É uma tradição que une e sustenta a comunidade, uma herança cultural que Irinéia preserva com amor e dedicação. Lá vivem cerca de 500 pessoas que contam com um posto de saúde, uma escola e a casa de farinha, onde as mulheres se reúnem para moer a mandioca, alimento central na comunidade, assim como de tantos outros quilombos no nordeste.

No dia a dia do quilombo, o trabalho com o barro também preenche o tempo de muitas mulheres e alguns homens que se dedicam à produção de cerâmica, enquanto ensinam as crianças a mexer com a terra, produzindo pequenos bonecos. O barro e a farinha são os elementos que aproximam as mulheres, grandes responsáveis pela organização da comunidade. Como os homens saem para trabalhar com o plantio e o corte da cana de açúcar, nas grandes fazendas da região, as mulheres são as que cuidam do povoado.

Entrada do Quilombo Muquém em União dos Palmares-AL
Entrada do Quilombo Muquém em União dos Palmares- Foto- Lane Gois





Assim, a história de Irinéia Rosa Nunes da Silva é mais do que uma narrativa de sucesso artístico. É um conto de resiliência, determinação e amor pela cultura, uma história que ecoa além dos limites de Muquém, deixando um legado que será lembrado por gerações.

Programa Alagoas Feita à Mão: celebrando a arte popular e o talento dos artesãos locais


Para mostrar ao Brasil e ao mundo a riqueza da arte popular de Alagoas, o Programa Alagoas Feita à Mão foi criado em 2015 pelo Governo de Alagoas. Com o objetivo de revelar o talento de homens e mulheres que utilizam diferentes matérias-primas para produzir suas peças, o programa já cadastrou mais de 15 mil artesãos em seus 102 municípios.

Utilizando materiais como barro, madeira, ferro, tecidos, sementes e cascas, couro e fibras, os artistas alagoanos contam histórias, demonstram saberes ancestrais e comercializam seus produtos através de múltiplas plataformas. O mapeamento realizado pelo Programa é essencial para preservar o legado criativo, manter a identidade cultural e fomentar a arte popular no estado.

Os benefícios de se formalizar


Artesãos que se formalizam como pessoa jurídica ganham acesso a benefícios previdenciários e a linhas de crédito. Emitindo nota fiscal, podem vender seus produtos a lojas e ao governo. Formalizar-se permite direitos como aposentadoria, auxílio-doença e auxílio-maternidade.

Com a formalização, os artesãos podem emitir nota fiscal, abrindo caminho para fornecer produtos a lojas, grandes empresas e ao setor público. Além disso, ganham acesso a linhas de crédito vantajosas e podem participar de editais públicos que incentivam o artesanato. O Sebrae oferece cursos via WhatsApp para esclarecer a importância da formalização e orientar sobre o processo.

Durante a pandemia, governos lançaram editais e linhas de crédito que beneficiaram artesãos, mas apenas os formalizados puderam aproveitar essas oportunidades. A formalização traz benefícios que superam os custos tributários.

O Cadastro Único do Artesanato Brasileiro, criado pelo Governo Federal, instituiu a Carteira Nacional do Artesão e do Mestre Artesão, válidas por seis anos e reconhecidas nacionalmente. Informações e cadastro estão disponíveis no portal do Governo Federal (https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/artesanato/cadastro-1). No entanto, essas carteiras não substituem a formalização do profissional.

O Sebrae fornece materiais detalhando as diferenças entre associação e cooperativa, auxiliando na escolha do melhor caminho para uma atuação coletiva.

De acordo com a pesquisa Perfil do MEI (Sebrae, 2022), as mulheres representam 45% dos CNPJs ativos no Brasil como Microempreendedoras Individuais. Em reconhecimento ao papel significativo das mulheres na economia, o "Dia Nacional da Mulher Empresária" é celebrado em 17 de agosto.

A valorização do artesanato emergiu como uma das principais tendências de mercado nos últimos anos, refletindo uma redescoberta dos produtos feitos à mão e sua interconexão com setores como moda autoral e decoração. No Brasil, esse setor movimenta aproximadamente R$ 100 bilhões anualmente, equivalente a cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, contando com mais de 8,5 milhões de artesãos distribuídos por todo o país. Em Alagoas, o Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) já emitiu mais de 18 mil carteiras de artesão, destacando o estado como uma das principais referências em arte popular.


Placa entregue a Mestre Irinéa em valorização da sua arte - Foto- Lane Gois

Os benefícios garantidos pela Previdência Social para o MEI incluem aposentadoria por idade, salário-maternidade, pensão por morte, auxílio-reclusão e benefícios por incapacidade (temporária ou permanente), todos no valor do salário mínimo.