Crime x transtornos mentais: para onde vão os pacientes psiquiátricos após o fechamento dos manicômios judiciários?

O prazo para o fechamento dessas unidades vai ate o dia 28 de agosto

Por Wanessa Santos |

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Resolução 487/2023, decidiu que os estados e municípios deverão fechar os manicômios judiciários – alas ou instituições congêneres de custódia e tratamento psiquiátrico, em todo o país. A decisão segue a Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/2001) e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. O prazo para o fechamento dessas unidades vai até o dia 28 de agosto.

Alagoas já está atuando para cumprir a determinação. De acordo com o juiz Yulli Roter Maia, encarregado de coordenar os trabalhos de fechamento dos Centros Psiquiátricos Judiciários (CPJ) em Alagoas, a previsão é de que, na data estabelecida, Alagoas já tenha conseguido realizar todas as desinstitucionalizações dos pacientes que estão sob a custódia do CPJ.

A lei de 2001 determina que as pessoas com transtorno mental (ou qualquer forma de deficiência psicossocial) sejam atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive as pessoas que estão em conflito com a lei. Sendo assim, não haverão mais os chamados manicômios judiciários. A supervisora de Atenção Psicossocial da Secretaria de Estado de Saúde (Sesau), psicóloga Tereza Cristina Moura Tenório, explica como isso deverá ocorrer: “A ideia é desinstitucionalizar essas pessoas para que sejam atendidas na Rede de Atenção Psicossocial (Raps), vinculada ao SUS [Sistema Único de Saúde]”, conta.

Para que essa ação ocorra de forma coordenada e integrada entre todos os atores responsáveis pelo cumprimento dessa determinação, foi criado, em junho de 2023, um grupo de trabalho composto por integrantes do Ministério Público do Estado (MPE), Defensorias Públicas do Estado (DPE) e da União (DPU), Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e Universidade Estadual de Ciências da Saúde (Uncisal) e outra secretarias: o Grupo Interestadual de Trabalho Interdisciplinar de Atenção à Saúde Mental (Gitis).

De acordo com o juiz Yulli Maia, o Getis tem o objetivo de propor ações para desinstitucionalização e atenção integral às pessoas com transtorno mental e qualquer forma de deficiência psicossocial em conflito com a lei no estado de Alagoas.

“Trata-se de um Grupo de Trabalho Interinstitucional de Saúde composto por representantes das áreas técnicas do Poder Executivo Estadual responsáveis em executar políticas públicas sociais, entidades voltadas a proteção de direitos coletivos (Ministério Publico Estadual, Defensoria Publica Estadual e Direitos Humanos), Órgãos de Controle Social. Objetivo do Gitis é assegurar a Assistência Integral a Saúde de Pessoas com Transtorno Mental em Conflito com a lei”, define Maia.

Desinstitucionalização dos pacientes

Para que ocorra o encerramento das atividades dos chamados manicômios judiciários, não basta somente promover o esvaziamento do CPJ. A desinstitucionalização desses pacientes consiste em um trabalho cuidadoso que promove a reinserção de cada um deles na rede de saúde, na rede de assistência, e no território, pra que ele seja reintegrado no seu contexto social e comunitário. Isso vem acontecendo de forma gradativa, por meio de audiências.

“As audiências de desinstitucionalização estão acontecendo de forma mensal, então nós tivemos agora, acho que semana retrasada, mais uma audiência de desinstitucionalização. Eu acredito que, nesse dia, receberam o alvará de soltura em torno de uns oito pacientes”, explica Yulli.

Mensalmente tem sido feita em torno de uma desinstitucionalização de cerca 10 pacientes. A perspectiva é de que, até agosto, que é o prazo final estabelecido pelo CNJ, Alagoas já tenha conseguido desinstitucionalizar todos os pacientes psiquiátricos que possuem conflito com a lei.

De acordo com a Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social (Seris), atualmente o estado de Alagoas conta com um total de 68 pacientes nessa condição, sendo 66 homens e duas mulheres.


A redação do 7Segundos entrevistou a advogada criminalista, pós-graduada em Ciências Criminais e secretária adjunta da Comissão do Tribunal do Júri da OAB/AL, Rayanne Albuquerque, sobre o assunto. Para ela, há uma preocupação no sentido de efetivo cumprimento da Resolução do CNJ, visto que, na sua visão, o tratamento ambulatorial é escasso em Alagoas, tanto para os pacientes quanto para os familiares que convivem com eles.

Advogada Rayanne Albuquerque
Rayanne Albuquerque, advogada criminalista especialista em Ciências Criminais





7Segundos:
Esses indivíduos, quando cometem um crime, recebem uma condenação? Como funciona a aplicação da lei nesses casos com pacientes psiquiátricos?

Rayanne Albuquerque:
São isentos de pena por serem inimputáveis, porque é uma causa de excludente de culpabilidade. Recebem uma medida de segurança que seria justamente uma internação no manicômio.

7Segundos:
Com a resolução do CNJ essas pessoas, então, ficarão "livres"?

Rayanne Albuquerque:
Como se fosse uma prisão domiciliar. Tratamento em casa por uma equipe técnica de profissionais habilitados, “monitorados".

7Segundos:
Como advogada especialista na área criminal, qual a sua opinião sobre essa resolução do CNJ?

Rayanne Albuquerque:

Se a prática funcionasse como a teoria viveríamos em um paraíso. Mas, infelizmente, o tratamento ambulatorial é escasso, tanto para os pacientes quanto para os familiares com quem convivem. Triste realidade.

7Segundos:

Você já atendeu algum caso que envolvia um indivíduo nessas condições (paciente psiquiátrico)?

Rayanne Albuquerque:

Já tive vários casos. Inclusive fazia atendimento no CPJ (Centro Psiquiátrico Judiciário) que era uma unidade dentro do sistema prisional. Então acompanhava de perto o quanto era difícil o tratamento e também as condições psíquicas dos familiares, para saber apoiar, pois 90% são pessoas pobres, leigas e analfabetas.

7Segundos:

A resolução extingue o CPJ, e obriga os estados e municípios a atender estas pessoas por meio do SUS. Mas, como fica a questão do risco para a população? Diante de uma questão onde são pessoas que precisam de tratamento, mas que, também, infringiram a lei?

Rayanne Albuquerque:

Se o tratamento funcionasse, de fato, não haveria risco algum. Mas levando em consideração que não funcionam, infelizmente há risco principalmente pra os familiares. Tive um caso de um pai que estuprou a filha. O advogado dele pediu incidente de insanidade mental, o que no final, foi constada doença mental . Qual a medida? Tratamento ambulatorial pela resolução do CNJ, prisão domiciliar. Onde? Na mesa casa que reside a vítima. Percebe que caso a caso as coisas dificultam?

A advogada Rayanne Albuquerque finalizou contando que no Brasil, o estado do Goiás é uma referência nesse quesito, tendo extinguido os manicômios judiciais antes mesmo da resolução do CNJ. É considerado um modelo na questão de tratamento para quem sofre com transtornos mentais e cometem crimes. A perspectiva é de que Alagoas consiga acompanhar o exemplo de Goiás.