Diagnóstico de autismo em adultos quebra ciclo de incompreensão

Especialista discute impacto positivo na qualidade de vida dessas pessoas

Por Wanessa Santos |

Muito se fala, hoje em dia, sobre tratamentos, direitos, políticas públicas, respeito e diagnóstico de crianças e jovens que possuem o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Entretanto, como se sabe, o autismo é uma condição permanente, que irá acompanhar o indivíduo durante toda a sua vida. Sendo assim, muitos adultos e idosos acabam não tendo a chance de serem diagnosticados corretamente durante a infância, o que acarreta em uma série de problemas no decorrer de toda a vida dessas pessoas.

A Comissão de Direitos Humanos (CDH) aprovou na última quarta-feira (10) o projeto de lei (PL) 4540/2023 que incentiva o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) em pessoas adultas e idosas. A iniciativa foi do deputado Zé Haroldo Cathedral (PSD-RR). A proposição contou com o voto favorável do relator, senador Romário (PL-RJ). O texto segue para a Comissão de Assuntos Sociais (CAS).

A notícia traz esperança para inúmeras pessoas que nunca conseguiram entender a razão de se sentirem diferentes ou o porquê de terem certas dificuldades para executar atividades do dia a dia consideradas comuns para a maioria. O autismo é um transtorno caracterizado por prejuízos sociais, comportamentais e de comunicação, tudo isso ocorrendo de maneira e em proporções diferentes em cada indivíduo.

Mesmo com muitos avanços nas políticas públicas, amplos debates na sociedade e melhorias no campo médico que, hoje, ajudam no entendimento e, consequentemente, no diagnóstico precoce de muitas crianças com TEA, ainda assim, não é uma tarefa fácil para os médicos especialistas. Isso porque o autismo não se identifica por meio de nenhum tipo de exame. O diagnóstico é essencialmente clínico, feito a partir das observações da criança, entrevistas com os pais e aplicação de instrumentos específicos.

Agora, se para crianças, onde já há tantos avanços, o diagnóstico ainda é difícil muitas vezes, imagine em casos onde os pacientes já são adultos e até mesmo idosos.

Famosos diagnosticados

No ano passado, o Brasil se surpreendeu com a notícia de que uma famosa atriz global é autista. Letícia Sabatela, em entrevista ao Fantástico, da Rede Globo, contou que recebeu o diagnóstico de TEA aos 52 anos.

O relato da atriz pontuou diversos aspectos que indivíduos autistas, mesmo os de nível 1 de suporte, como é o caso da atriz, passam durante a vida, simplesmente por serem autistas – e não saber. “Quando eu tinha nove anos, todas as meninas do colégio pararam de falar comigo por causa do meu jeito, eu não entendia por quê”, disse Letícia.


Outra questão levantada pela atriz foi sobre sensibilidade sensorial, muito comum em diversas crianças diagnosticadas com autismo. Ela contou que possui uma hipersensibilidade sensorial, principalmente auditiva. Ao ouvir muito barulho, ela chega a passar mal. “Parece uma agressão”, explicou.

Outro famoso ator de Hollywood, Anthony Hopkins, vencedor de dois Oscars e reconhecido por diversos papéis icônicos no cinema, também revelou o diagnóstico tardio de autismo. Hopkins teve o diagnóstico de autismo já idoso, por volta dos 70 anos. Foi a esposa do ator quem o incentivou a pesquisar mais sobre o TEA e entender que algumas das suas características poderiam ser sinais de uma pessoa atípica.


Quando o diagnóstico foi aberto ao público, ele contou que sempre teve dificuldades de se encaixar em algum grupo e foi um adolescente muito solitário. Além de atuar, ele também é um pintor extremamente talentoso, compartilhando suas obras em suas redes sociais.

Dra Louise Rocha, médica psiquiatra - Foto: Reprodução/Instagram




Mas um diagnóstico em indivíduos adultos, que, mesmo com dificuldades, conseguiram avançar em suas respectivas vidas, é realmente útil? A resposta é sim. Em entrevista a redação do portal 7Segundos, a médica psiquiatra Louise Rocha, explica a importância desse diagnóstico e os desafios dos profissionais em conseguir avaliar esses pacientes.

A médica conta que na fase adulta, indivíduos autistas podem desenvolver habilidades de mascaramento para se ajustarem socialmente, e que isso pode disfarçar seus traços autistas, tornando o diagnóstico ainda mais difícil. Outra questão também é com relação à aceitação do diagnóstico, que pode variar entre os indivíduos. Para alguns, segundo a especialista, o diagnóstico traz um grande alívio, pois finalmente encontram uma explicação para suas experiências e comportamentos. Para outros, pode ser de mais difícil aceitação devido ao estigma ainda presente em relação ao autismo.


Diagnóstico x Qualidade de Vida



Mesmo alguns conseguindo “passar despercebidos” entre os demais, autistas adultos e idosos sem diagnósticos precisam, não somente de respostas, mas também de auxílio. A médica especialista explica que apesar de a maioria desses indivíduos estar inserida no grupo classificado como nível 1 de suporte – quando necessitam de pouca ajuda para realizar atividades do seu dia a dia – autistas diagnosticados na fase adulta ou na terceira idade podem estar em qualquer nível de suporte, não apenas no nível 1. Os níveis de suporte no espectro autista variam de 1 a 3, com o nível 1 necessitando de menos suporte e o nível 3 necessitando de suporte substancial.


Importância do Tratamento



A Dra Louise revela que mesmo para aqueles no nível 1 de suporte, a intervenção terapêutica é valiosa. Ela explica que o tratamento pode incluir terapia comportamental, terapia ocupacional e terapia de fala e linguagem, todas elas bastante comuns nas intervenções conhecidas de crianças e jovens dentro do espectro. Essas terapias podem ajudar a melhorar habilidades sociais, habilidades de comunicação e a capacidade de gerenciar atividades cotidianas e o estresse de adultos e idosos autistas.

Já em relação ao tratamento com medicação, a especialista conta que não é necessária para todos, mas pode ser considerado se existirem condições comórbidas, como ansiedade, depressão ou TDAH, que são relativamente comuns entre pessoas com autismo. “A medicação pode ajudar a gerenciar esses sintomas, mas deve ser prescrita e monitorada por um médico experiente”, explica.

Características do TEA em adultos:

  • A psiquiatra enfatiza que as características do transtorno podem variar amplamente de pessoa para pessoa, mas geralmente incluem:

    - Dificuldades na Comunicação Social: Dificuldades em interpretar sinais sociais, expressões faciais e linguagem corporal. Pode haver uma tendência a interpretar a comunicação de maneira literal;

    - Padrões Repetitivos de Comportamento: Interesses restritos e repetitivos em determinados temas, atividades ou objetos. Pode haver rituais ou rotinas que são rigorosamente seguidos;

    - Dificuldades na Interação Social: Dificuldade em iniciar e manter conversas, compreender normas sociais não verbais (como manter contato visual) e desenvolver amizades de maneira típica;

    - Sensibilidades Sensoriais: Sensibilidade aumentada ou diminuída a estímulos sensoriais como luz, som, texturas, etc;

  • - Dificuldades de Compreensão e Expressão Emocional: Pode haver uma tendência a expressar emoções de forma intensa ou de maneira inesperada;

    - Inteligência Variada: O autismo pode ocorrer em pessoas com uma ampla variedade de habilidades intelectuais, desde deficiência intelectual até altas habilidades;

    - Mascaramento Social: Muitos adultos com autismo desenvolvem estratégias de mascaramento para se adaptarem socialmente, o que pode mascarar os sintomas do TEA em determinadas situações;

    - Dificuldades de Transição e Flexibilidade: Pode haver dificuldades em lidar com mudanças na rotina ou expectativas não explícitas. Flexibilidade cognitiva e adaptação a novas situações podem ser desafiadoras.

    A especialista conclui dizendo que essas características podem se manifestar de maneira diferente em cada indivíduo e podem variar em intensidade ao longo da vida.

Censo da Pessoa com Deficiência

Em Alagoas, a Secretaria da Cidadania e da Pessoa com Deficiência (Secdef), no intuito de obter dados sobre a população com deficiência no estado, disponibiliza, desde o ano passado – 2023, o censo virtual para que a população responda às questões de maneira fácil e rápida.

O objetivo da pesquisa é levantar o maior número possível de informações relativos às pessoas com deficiência em Alagoas. São esses dados que vão dar ao Governo do Estado o subsídio para a elaboração de políticas públicas efetivas para essa parcela da população.

Censo da Pessoa com Deficiência disponível no site da Secdef - Foto: Ascom Secdef


Vanessa Menezes, pedagoga e gerente de Políticas Temáticas e Pessoas com Transtorno do Espectro Autista da Secdef, esclarece que é importante que todos preencham, pois somente assim será possível estabelecer melhorias na oferta de serviços, capacitação de pessoal da área de saúde, e políticas públicas, em geral, voltadas para todo o público de pessoas com deficiência (PCDs).

A pesquisa pode ser respondida através de formulário online disponível no site da Secdef. O questionário é acessível em Libras, compatível com softwares leitores de tela utilizados por pessoas com deficiência visual, e pode ser preenchido pela própria pessoa com deficiência ou por seus representantes legais, desde que as informações fornecidas sejam referentes à pessoa com deficiência.

O acesso ao formulário do censo estadual da pessoa com deficiência é possível por meio do endereço: https://censo.pcd.al.gov.br .