O Sertão Alagoano esconde uma dura realidade, onde a seca e a fome não são apenas desafios passageiros, mas sim uma luta diária enfrentada pela população. Por lá, os rostos são marcados pelo descontentamento de um povo que só tem sua história lembrada como tema para telenovelas caricatas feitas apenas para lucrar em cima da dor do sertanejo ou em então durante períodos eleitorais. O projeto do Canal do Sertão foi uma ponta de esperança para quem mora na região.
Segundo a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), a região do Semiárido Alagoano é formada por trinta e oito municípios, dos quais vinte e seis estão localizados no Sertão e doze estão localizados no Agreste.
Dados do IBGE (2010) apontam que o Semiárido Alagoano possui uma área de aproximadamente 12.600 km², que representa 1,28% da área total do Semiárido Brasileiro. E grande parte dos habitantes desta região ,vivem em condições de vulnerabilidade econômica e social. Um problema que existe na vida dessas pessoas há várias gerações.
O CANAL DO SERTÃO
Foi então que buscando reduzir os impactos negativos da seca sobre a população Alagoana, o Governo do Estado, em 1992, optou pela construção de um canal que cortaria o sertão e parte do agreste alagoano, levando água do rio São Francisco até os municípios mais afetados.
Mais de 30 anos depois, a obra ainda não foi concluída, mas a promessa de um novo trecho foi anunciada em 2024, pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Com extensão projetada de 250 km, o canal começa no município de Delmiro Gouveia e está previsto para terminar em Arapiraca, beneficiando mais de 280 mil Alagoanos.
Ainda falta concluir 90,2 km da obra, mais especificamente o trecho de São José da Tapera até Arapiraca.
Ao logo deste processo, O Governo do Estado transferiu a administração do Canal do Sertão para a Secretaria de Estado de Governo (Segov) e para a Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal), por meio do Decreto Nº 94.190, publicado no Diário Oficial do Estado. Antes a função era da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH).
Os agricultores familiares, seriam o público mais beneficiado com o canal, já que uma das atividades ecônomicas de maior peso nesta região é a gricultura, principamalnte o plantio de feijão, milho e mandioca.
Mas a realidade de quem não tem boas condições financeiras e vive na região, é outra. A água chegou, mas ela ainda está longe de ser acessível.
No local é possível ver vários açudes de água, que chegam do Rio São Francisco. Mas mesmo com a abundância aparente, a água não é para todos.
Há casos de pessoas, inclusive crianças, que morreram ao cair dentro do Canal e não conseguiram se salvar, morrendo afogadas. Com frequência, agricultores encontram carcaças de cavalos e bois nas águas, comprometendo totalmente a qualidade da água para o consumo e o plantio.
Seu Sebastião é agricultor em Senador Rui Palmeira. As 61 anos de idade se vê angustiado com a falta de meios para conseguir cultivar.
"As dificuldades da gente é uma só. Não ter água. Aqui o solo é muito bom para plantar tudo, mas sem água não podemos fazer nada. Tem gente que manda colocar água com os meninos lá do Canal, mas nós aqui temos medo porque não é certo"
No projeto, o papel da Casal é captar a água bruta do rio, tratar ela para então revender para os concessionários e fornecer para todos os usuários da região.
Porém, os agricultores acabaram ficando reféns de esquemas ilícitos de pessoas que querem lucrar com o sofrimento deles. Os golpes são aplicados pelos próprios funcionários do canal, e acabam sendo a única opção de muitas pessoas daquela área.
Esses canos azuis que aparecem na imagem, são utilizados para roubarem água. De acordo com depoimentos, os materiais são da Casal, mas alguns funcionários da obra, cobram dos agricultores entre R$ 100 a R$ 200 reais e instalam os canos de forma precária, para puxar água do canal para os sítios.
"Os meninos tem colocado os canos pra gente irrigar a lavoura. Eu já fiz, mas depois mandei tirar porque a polícia tava passando aqui e fiquei com medo de ser preso. Pago R$ 1600 Reais, duas vezes por mês, para ter um caminhão inteiro de água e ai a gente se vira aqui", detalhou o agricultor Florisvaldo Edson Monteiro, de 70 anos, morador de Piranhas.
Quem não tem condições de pagar quantias altas para ter acesso à algo que na teoria deveria ser de graça, se vira como pode. Essa é a realidade do "Seu Mané de Pissa", ele mora somete há 1km de distância do Canal e mesmo assim enfrenta a escassez.
"Sem a água do Canal fica tudo muito difícil. A palma para o gado é mais fácil. Precisamos de pouca água para ela. Outra alternativa é o capim, que tanto serve para o gado quanto para as cabras. Fora isso é só prejuízos. A gente fica bem pertinho do Canal, mas nem eu tenho e muita gente também não tem dinheiro para puxar água. A gente vive como pode"
Eles também reclamam da má execução da obra, que aumenta ainda mais o sofrimento de uma vida que já é bastante castigada.
"Em alguns sítios a Casal colocou uma tubulação de 3/4 ao invés de canos de 60 centímetros. O Canal sozinho não atende em nada. Tem que entender que precisamos de água para nos manter e água para a lavoura e nossos animais. Não pode ser a mesma água. O que tem nos mantido vivos é o Exército com os carros-pipas. Quem tem um pouco mais de dinheiro compra a água que vem do Canal ou manda o pessoal da construtora colocar os canos 'pros' sítios. Mas, você sabe como é né?!", disse o agricultor Pedro Sebastião Cirilo, de 72 anos, morador de Piranhas.
Outro fator preocupante é o nível educacional da população local. A taxa média de analfabetismo na faixa etária de 15 anos ou mais dos municípios da região de influência do Canal do Sertão em 2010 foi de 34,4%, ficando muito acima das médias estadual, regional e nacional (IBGE, 2016).
VIDAS SECAS
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A vida difícil e praticamente invisível dessas pessoas, pode ser comparada ao que o escritor Alagoano conta em sua obra VIDAS SECAS. Sua primeira publicação foi em 1938, porém, continua bastante fiel à realidade.
Na obra, acompanhamos a história de uma família de retirantes fazendo o que podem, com o pouco que têm para sobreviver a seca no sertão. Os personagens buscam o que para muitos pode ser o básico, como algo para, matar a fome, água e uma cama para dormir.
Graciliano não retrata somente a seca do sertão em sua obra, mas também a seca da alma. Da alma do ser humano que é proibido de sonhar, que não se acha digno de ter o mínimo, que não se acha gente...
A obra é uma representação do nordestino de algumas regiões que vivem dessa forma até hoje. Alagoano, Graciliano se inspirou no que ele via ao seu redor para escrever este clássico.
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É desse jeito que os pequenos agricultores que deveriam ser beneficiados com o Canal do Sertão se encontram: Perdidos nas promessas que são feitas para eles, e na realidade que é mascarada para o resto da população.
Alguns deles esperaram a vida toda para ver esse sonho se tornar realidade, como o seu Severino Aparecido, de 80 anos de idade. Ele nasceu, cresceu e criou seus filhos em Senador Rui Palmeira, e ainda espera a água chegar.
"Nasci aqui e criei todos os meus oito filhos e sempre ouvi que iam botar água pra nós. Mas nada aconteceu. Este Canal é uma presepada. Já tirei animais e até gente morta dai de dentro. Essa água que vocês falam nunca chega e com esses políticos não chega mesmo".
A chuva chegou na região, e ajudou um pouco. A população conseguiu armazenar água para se manter por algum tempo, mas as condições climáticas não são favoráveis. Em junho, 29 dos 102 municípios alagoanos estão em situação de emergência decretado pela União em decorrência da prolongada estiagem. Os dados são do relatório do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil – Sinpdec.
O presidente Lula esteve na cidade de São José da Tapera, interior para assinar a ordem de serviço do trecho 5 do Canal do Sertão, que deve garantir abastecimento de água para famílias de Monteirópolis, Olho D’Água das Flores e Tapera.
Mas para Antônio Cosme dos Santos, o "Tonhão", de 68 anos, o início das obras é apenas mais uma promessa que não será cumprida.
"O nosso maior enfrentamento é acreditar nos políticos. Eles prometem que vão trazer a água e o que nos chegam são os carros-pipas. Hoje a maioria daqui não tem mais o que plantar como antes, quando podíamos plantar a verdagem (hortaliças). O feijão e a mandioca nem em todo canto dá. Criar gado é matar os coitados de sede e fome, porque sem água eles não sobrevivem. Aqui em casa eu paguei para colocar os canos que os meninos da construtora trouxeram."
Uma vida dura, sofrida, regada de promessas e esperanças perdidas. Sempre perseguindo um sonho que nunca vem, famílias que esperam a sonhada água para plantar, cuidar dos seus animais e ter suas necessidades básicas supridas. Uma realidade que é mascarada pelos órgão responsáveis pela obra do Canal do Sertão.
"Nossa realidade é esta ai. Não tem água do Canal pra ninguem que não tenha pago para o pessoal da empresa colocar daquele jeito. Mas aqui em casa eu tenho medo que a polícia descubra e leve os canos. Agora, por causa das chuvas, tamos com as cisternas cheias, mas quando a chuva for embora o sol vai voltar e a gente vai ter que pagar os carros-pipas. Não tem jeito. É isso e isso mesmo. Eu não seu o que o povo lá pra fala, mas aqui é assim", definiu o agricultor Márcio Rodrigues da Conceição, o seu "Tatá", de 66 anos e morador de Senador Rui Palmeira.
A equipe do 7segundos procurou o Governo do Estado e todos os órgãos responsáveis pela obra do Canal do Sertão para esclarecer os fatos apresentados, mas até o momento da conclusão desta matéria, não recebemos nenhuma resposta.
Meu Deus, se eu não sei rezar lhe peço o meu perdão
Só queria que chovesse aqui no meu sertão
Pra que o homem possa cultivar
(Lamento Sertanejo - Zezo)