Crime sexual em escola de música: como eram as aulas e o que diz a defesa após condenação

Amilton Marques foi condenado em primeira instância por estupro de vulnerável; ele ainda pode recorrer

Por Wanessa Santos | 7Segundos

Dezessete anos, oito meses e quinze dias de reclusão. Essa foi a pena que o professor de música, Amilton Marques, recebeu após ser condenado em primeira instância pela 14ª Vara Criminal da Capital pelo crime de estupro de vulnerável. A sentença, dada no último dia 9, chamou atenção da sociedade alagoana, principalmente dos pais que tinham seus filhos matriculados na escola de música do réu. O professor ainda pode recorrer da decisão.

Diante da repercussão do caso, muito se especula sobre como era a dinâmica das aulas na escola de música, qual a reação dos outros professores e da direção da escola ao receber a notícia da prisão do professor, e, ainda, o que diz a defesa após a recente condenação em primeira instância. Nessa reportagem, o 7Segundos traz todas essas informações, com exclusividade.

O processo tramita em segredo de justiça. A pena, aplicada pelo juiz de direito Kleber Borba, deverá ser cumprida, inicialmente, em regime fechado, visto que estupro de vulnerável é um dos crimes que a lei define como hediondo. Segundo as acusações, Amilton Marques teria abusado sexualmente de, pelo menos, duas alunas, uma de oito anos e outra de apenas seis anos de idade.

A prisão

A prisão
do réu ocorreu em abril deste ano. Na época, a delegada responsável pelas investigações, Bárbara Arraes, teria divulgado que o indiciamento teria ocorrido somente com relação a denúncia da criança mais nova, a de seis anos. A delegada confirmou que a Polícia Civil (PC) teria conseguido provas do crime contra essa criança.

Em depoimento, à época, uma das vítimas relatou que o professor de música era “muito carinhoso”, e a beijava o tempo inteiro, e em diversas partes do corpo, até mesmo quando ela estava gripada. Diante disso, a menina disse que se sentia sufocada. Já a mãe da criança contou que o professor também costumava fazer joguinhos com a sua filha, além de oferecer um tablet para que a menina assistisse desenhos sentada em seu colo. O réu teria negado todas as acusações, afirmando se tratar de um comportamento de carinho e cuidado, apenas.

A tipificação do crime

Estupro de vulnerável – Art. 217-A do Código Penal. Em poucas palavras, é o estupro de pessoas menores de 14 anos, portadores de enfermidade ou deficiência mental, ou cuja capacidade de resistência é reduzida. Pelo Código Penal, estupro de vulnerável é um tipo penal específico para crimes de estupro contra vítimas de até 13 anos de idade e pessoas incapazes de consentir. Mas o que, hoje, seria considerado um crime de estupro?

Hoje o Código Penal define estupro como o ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Ou seja, é entendido como “estupro” mesmo os atos em que não houver a penetração.



Rotina das aulas

Na escola de música, que fica localizada no bairro Jacintinho, em Maceió, as crianças tinham aulas de forma individual, como geralmente acontece em sessões terapêuticas para pacientes autistas, por exemplo. Dessa forma, os pais das crianças que estão dentro do espectro – público que correspondia a boa parte dos alunos do local – não estranhavam a dinâmica das aulas. A existência das câmeras de monitoramento também dava a sensação de segurança.


Relatos dos pais dão conta de que as câmeras não funcionavam mais há algum tempo. Uma das famílias, que tinha sua filha, autista, matriculada na escola de música no ano de 2021, cedeu para a reportagem do 7Segundos as imagens gravadas por eles das aulas da criança, na época com sete anos, durante as aulas de música com Amilton. O aplicativo instalado no celular dos pais permitia que as imagens fossem vistas e, também, gravadas.


Em geral, cada criança tinha uma aula por semana. Cada aula tinha uma hora de duração. Durante esse tempo, Amilton ia trocando de sala, levando a criança para vários ambientes, onde o aluno ou aluna poderia explorar diversos instrumentos musicais diferentes.


Reação de funcionários da escola


Fora o próprio dono do local, a escola de música contava com outros professores e professoras que também davam aulas para as crianças. Um(a) ex-funcionário(a) do estabelecimento, que não terá a sua identidade revelada, contou, com exclusividade ao 7Segundos, como foi recebida a notícia da prisão do professor e proprietário da escola.

“Pra mim foi surpresa total. Mas, depois que explodiu a bomba, houve comentários de que já sabiam e já tinham escutado falar sobre casos da mesma natureza sobre ele”, revelou.

A pessoa disse, ainda, que quando soube da prisão, pediu demissão no mesmo dia, junto com outros três professores. O(a) ex-funcionário(a) contou, também, o espanto que teve com a reação da direção da escola de música, após a prisão do professor: “Eu fiquei em choque com o recado que foi colocado no grupo dos professores quando tudo aconteceu!”

A mensagem, enviada pela esposa do professor de música no grupo de professores do estabelecimento, tratava o ocorrido com pouquíssima gravidade, e a maior preocupação era com a continuidade das aulas e a manutenção da escola de música. Leia a transcrição da mensagem a seguir:

“Olá professores, bom dia! Como todos sabem do acontecido, é um momento delicado, mas, às atividades precisão (sic) continuar. Diante disso precisamos reunir todos os professores ainda hoje, aqui na sede da escola! Qual o melhor horário, final da tarde ou início da noite? Lembrando que é de fundamental importância a presença de todos.”





A reportagem do 7Segundos entrou em contato com a escola de música para saber se havia o interesse por parte dela em falar sobre o assunto, porém, a única resposta que tivemos foi uma mensagem automática programada no aplicativo de mensagens.

Não é incomum que, diante de um relato de abuso sexual feito por uma criança tão nova, a vítima seja desacreditada e sua fala seja invalidada por argumentos de que “não foi bem assim”, ou “eu estava apenas brincando”.

Isso ocorre porque a maioria dos abusadores dessas crianças são, na verdade, pessoas muito próximas a ela, como familiares, amigos da família e até mesmo professores. De acordo com um boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, divulgado em maio de 2023, familiares e conhecidos são responsáveis por 68% dos casos de violência sexual contra crianças de 0 a 9 anos no Brasil.

Em Alagoas, segundo o Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, lançado na última terça-feira (13) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), cerca de 958 estupros contra crianças e adolescentes foram registrados somente no ano de 2023. Quando se pensa nos casos subnotificados, aqueles que não chegam ao conhecimento das autoridades policiais, esse número fica ainda maior.

Um dos fatos que chama a atenção, nesse caso do professor de música de Maceió, é a existência de várias crianças, meninos e meninas, ex-alunos, autistas. Essas crianças, em muitos casos, não possuem a habilidade da comunicação bem desenvolvida. Razão, inclusive, para que as famílias busquem aulas de música ou musicoterapia para elas, visto que a música é uma excelente ferramenta para trabalhar a aquisição da habilidade da fala nessas crianças.

Nas redes sociais da escola de música é possível ver que existe uma preocupação em demonstrar que o local tem experiência e bons resultados com os alunos que tinham Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Entretanto, embora a musicalização seja uma excelente atividade para qualquer criança, as que possuem ou não TEA, há uma diferença importante de finalidade entre a musicalização, que era oferecida na escola de música em questão, e a musicoterapia, que recentemente foi incluída no Rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) como sendo uma das terapias indicadas para o tratamento do autismo.

Enquanto a musicalização tem como finalidade desenvolver o conhecimento musical (ensinar música), na musicoterapia, o objetivo é o trabalho com a criança para a aquisição de habilidades que, eventualmente, ela ainda não tenha.

Alice Luna, psicóloga, psicopedagoga e musicoterapeuta há quase 10 anos, conta que há muita confusão, ainda, com relação a essas duas atividades. Segundo ela, a musicoterapia para a criança que tem indicação clínica para essa esse tipo de tratamento, jamais pode ser substituída por uma atividade de musicalização.





Ela explica, ainda, que o profissional que tem a vontade de atuar como musicoterapeuta precisa se graduar ou se especializar na área. Ou seja, não basta somente saber tocar alguns instrumentos musicais. É importante, também, entender a função de terapeuta.

A defesa

  • Como já foi dito no início dessa reportagem, o processo envolvendo o professor de música Amilton Marques, corre em segredo de justiça. Além disso, a condenação ainda pode ser modificada, visto que a defesa ainda pode recorrer.

    A reportagem do 7Segundos entrou em contato com um dos advogados de Amilton Marques, para saber como foi recebida a notícia da condenação em primeira instância e se a defesa pretende recorrer.


  • Em resposta, o Dr. Cícero Pedroza, informou que está patrocinando a defesa de Amilton Marques, juntamente com a Dra. Minghan Chen Lima Pedroza.Ele disse que a sentença condenatória foi uma surpresa pois eles esperavam que ela fosse absolutória. O advogado disse, ainda, que respeita a decisão de primeiro grau, mas que irão recorrer para o tribunal local.O Dr Cícero Pedrosa afirma que o professor de música é inocente e que seguirão em busca da justiça e do melhor direito. Ele conclui dizendo que, a defesa acredita no poder judiciário e que em breve tudo será esclarecido.