Recente decisão do STF tira de muitos brasileiros a chance de lutar pela vida

Advogados especialistas em Direito da Saúde falam ao 7Segundos sobre determinação que impossibilita a obtenção medicamentos por meio da Justiça

Por Wanessa Santos |

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe muita preocupação e revolta para a população de todo o país, na última semana. De acordo com a nova determinação, medicamentos não ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) não poderão mais ser obtidos por via judicial. A medida preocupa não somente pacientes que buscam a justiça para obtenção de medicações de alto custo, como advogados que atuam nessas causas.

Em Alagoas, o vereador Leonardo Dias (PL) teceu duras críticas a decisão do STF, em um pronunciamento na Câmara dos Vereadores. Para Dias, as novas regras podem impactar gravemente a saúde da população, em especial, aqueles pacientes com doenças raras que dependem da Justiça e do SUS para continuar sobrevivendo.

Essa semana, em uma tabelinha feita com o STF, o governo Lula retirou das famílias que possuem crianças com doença rara o direito de sonhar com as medicações para tratar suas doenças

Para explicar melhor sobre o assunto, a reportagem do portal 7Segundos conversou com dois advogados especialistas em Direito da Saúde. O Dr Márcio Morais, que advoga na causa há mais de três anos; e o Dr Natan Moreira, advogado Familiarista e que esteve à frente da ação que conseguiu, em abril deste ano, a medicação Zolgensma – o remédio mais caro do mundo – para a pequena Maria Helena, de apenas 1 ano.

Ambos os advogados especialistas falam da complexidade do tema e em como a recente decisão pode prejudicar a população. Para o Dr Natan Moreira, a decisão do STF, apesar de ter como objetivo trazer argumentos sobre a sustentabilidade do SUS, ela, na verdade, estabelece barreiras que podem prejudicar o acesso de pacientes a tratamentos essenciais.

Dr Natan Moreira / Foto: Instagram

Moreira explica que, ao exigir que o medicamento solicitado não tenha alternativa terapêutica no SUS e que sua eficácia e segurança sejam comprovadas por evidências robustas, a Corte ignora uma realidade complexa. "Para doenças raras, muitos tratamentos inovadores não possuem estudos tradicionais, como ensaios clínicos randomizados, justamente por se tratarem de populações pequenas e específicas". 

A decisão do STF diz que a concessão judicial até poderá ocorrer para medicamentos que estejam registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e não incorporados ao SUS, desde que sejam comprovados seis requisitos de forma cumulativa. Ou seja, se não cumprir apenas um destes requisitos, em tese, já não há possibilidade de obtenção. São eles:

- Que o remédio seja negado pelo órgão público responsável;

- Que a decisão da Conitec pela não-inclusão do medicamento nas listas do SUS seja ilegal, que não haja pedido de inclusão ou que haja demora excessiva na sua análise;

- Que não haja outro medicamento disponível nas listas do SUS capaz de substituir o solicitado;

- Que haja evidência científica sobre segurança e eficácia do remédio;

- Que o remédio seja indispensável para o tratamento da doença;

- Que o solicitante não tenha condições financeiras para comprar o remédio.

Sobre o Zolgensma, medicação que custa, em média R$7,6 milhões, o Dr. Natan esclareceu que, embora ela esteja incorporada ao SUS, ela não está disponível para qualquer situação, e a recente decisão do STF pode dificultar mais ainda a aquisição desse remédio em ações na justiça.

“Embora o Zolgensma agora esteja disponível no SUS, ele será fornecido conforme critérios específicos. Para crianças que não se encaixem nesses requisitos, o acesso judicial ainda pode ser uma alternativa, mas a recente decisão do STF pode complicar tais ações”, explica o especialista.

Para familiares de crianças portadoras de doenças raras, como é o caso da Atrofia Muscular Espinhal (AME), tais requisitos exigidos, agora, pela justiça, podem tornar o sonho de salvar as vidas de suas crianças algo ainda mais difícil de alcançar.

Pequena Maria Helena, atualmente, após ter conseguido medicação através da justiça / Foto: Cortesia

AME no Brasil

  • Segundo a Academia Brasileira de Neurologia (ABN), estima-se que a incidência seja de uma pessoa com AME para cada 10 mil nascidos. No Brasil, são muitas crianças com essa doença considerada rara. Marcela informou que, na Bahia, são entre 7 e 8 crianças nascidas com a doença, por ano. No Brasil, o número se aproxima de 50 a 60 novas crianças a cada ano. “É um número alto para uma doença tão complexa”. Já de acordo com a Associação Brasileira de Amiotrofia Espinhal (Abrame), o país tem hoje cerca de 300 novos casos de AME por ano.



  • A AME é uma doença genética rara que causa a destruição progressiva das células nervosas do cérebro e da medula espinhal. A condição neuromuscular é considerada rara e hereditária. Acontece pela pela ausência de uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, ou que leva à fraqueza e perda progressiva de movimentos. Estima-se que a AME atinja entre um e dois casos a cada 100 mil pessoas em diversos países, incluindo o Brasil. Isso significa que há centenas de crianças brasileiras afetadas pela AME.

Em entrevista ao Portal 7Segundos, o advogado especialista em Direito da Saúde, Dr Márcio Morais, explicou alguns pontos deste assunto que afeta as vidas de todos os brasileiros.

Márcio Morais, advogado especialista em Direito da Saúde

7Segundos:

Primeiramente, Dr Márcio, o que seriam esses medicamentos “fora do SUS”, os quais os brasileiros não mais terão possibilidade de acesso via justiça segundo a recente decisão do STF?

Márcio Morais:


Os medicamentos fora do SUS que são aqueles que não estão em lista de distribuição como aqueles contidos na relação de nacional de medicamentos essenciais (RENAME). Esses são apenas um dos casos de não fornecimento.

A situação é bem pior porque o Poder Público também não vai custear o medicamento que está fora de lista de componentes básicos, os off label sem protocolo de tratamento, os sem registro na ANVISA e aqueles que muito embora tenham protocolos de tratamento, mas que a pessoa precisa usar para outra finalidade. Podemos observar que é uma situação complexa porque atinge diretamente a saúde de grande parte das pessoas que precisam da assistência do Estado.

7Segundos:


Como uma decisão como essa deverá afetar a população em geral que, muitas vezes, recorre à justiça para obter medicações de altíssimo custo para continuar sobrevivendo?

Márcio Morais:


Essa decisão ou esse entendimento recente da Justiça torna ainda mais difícil o acesso à saúde pública porque serão necessários critérios ainda mais rígidos para o recebimento de um medicamento na via judicial.

Então, vamos imaginar que uma pessoa precisa de um medicamento que tenha comprovação científica para sua enfermidade, mas que ela não receberá a medicação porque o Estado não incorporou ao SUS por questões burocráticas, por demora excessiva nos protocolos. Essa pessoa terá que provar na via judicial, além de outros requisitos, que houve essa falha do Estado. Isso sem dúvida dificulta a de que precisa do medicamento.

7Segundos:


“A concessão judicial até poderá ocorrer para medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e não incorporados ao SUS desde que sejam comprovados seis requisitos de forma cumulativa”. Dr, ao seu ver foi ampliada, mais ainda, a burocracia para o acesso à saúde dos brasileiros, após essa decisão?

Márcio Morais:


Já existia um criterioso processo para a Justiça fornecer os medicamentos ou tratamentos. Agora só se tornou ainda mais difícil. Em outro exemplo, vamos pensar que uma pessoa com câncer terá que demonstrar segurança do medicamento, eficácia, ausência de substituto incorporado, ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática, meta-análise? Daí você pode ver que o que foi fixado pelo STF atinge toda sociedade – paciente, médico, advocacia, judiciário...

Morais explica que a decisão é recente, e que é necessário observar como os tribunais irão atuar de agora em diante em casos com ações judiciais para obtenção de medicamentos e tratamentos de saúde. “O básico (da nova medida) a gente sabe, mas na prática, o que é que vai acontecer, ainda não. É muito cedo. As primeiras decisões estão saindo agora”, concluiu.