Melissa Beatriz Santos Souza, de 12 anos, passou por um período dramático e preocupante em dezembro de 2023, quando recebeu o diagnóstico de leucemia em Maceió. A mãe dela, Josiane de Souza Luna, de 49 anos, e o pai José Luiz dos Santos, não imaginaram que a filha precisaria de doação de algo que pode salvar vidas: a medula óssea, um tecido líquido que tem a função de produzir as células sanguíneas e, por sua vez, contribuir para o melhor funcionamento do organismo humano.
"Eu não consigo expressar em palavras o que foi viver tudo isso. Ter que falar para ela o que estava acontecendo e dizer que seria um período difícil e longo de tratamento, que o cabelo iria cair, que ela não poderia ir à escola e nem fazer as coisas que gosta", disse Josiane.
Para ela, saber que Mel, como é chamada por familiares e amigos, precisaria passar por um transplante trouxe para família muita angústia, pois sendo filha única, o mais viável seria buscar o doador no banco de doadores voluntários. "Entre irmãos as chances de compatibilidade são de 25%, mas no caso de um doador não aparentado as chances são de 1 a cada 200 mil."
Segundo dados do Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome), 74.677 novos cadastros foram realizados no primeiro semestre de 2024, o que representa um aumento de mais de 16 mil doações em relação ao ano anterior, quando o total era de 58.308 pessoas. A maioria das doações foi feita por mulheres.
Em Alagoas, de janeiro a julho deste ano, 64.613 doadores se cadastraram para serem doadores; 650 pacientes buscam de doador não aparentado; 269 pacientes alagoanos estão inscritos no Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea (Rareme); e 219 transplantes de medula foram realizados. Os dados são do Hemocentro de Alagoas (Hemoal)
"Doar medula óssea é um ato nobre que salva vidas e qualquer um pode um dia precisar, seja familiar, amigo ou até mesmo a própria pessoa que não desenvolveu um desejo de doar. Somente através da doação é que pode haver uma cura e tratamento para cerca de 80 doenças relacionadas ao sangue", explicou a psicóloga coordenadora do setor de Captação de Doadores voluntários de Sangue e Medula Óssea, Selma Cerqueira.
Doar medula óssea é um ato nobre que salva vidas e qualquer um pode um dia precisar, seja familiar, amigo ou até mesmo a própria pessoa que não desenvolveu um desejo de doar.
Josiane contou à reportagem que três meses antes de receber o diagnóstico, Melissa tinha feito exames periódicos e tudo estava normal, até que no dia 21 de novembro de 2023, Mel passou mal durante uma apresentação de ginástica artística na escola. A adolescente sentiu cansaço e não falou para os pais, que pensaram que ela estava com crise de ansiedade.
"Combinamos de mudar a rotina e levá-la a consulta médica assim que terminasse o ano letivo. No fundo eu já sentia no meu coração que havia algo difícil por vir, mas no início a gente não quer aceitar. Ela passou dias mais tranquila e no dia 01 de dezembro teve uma outra crise de falta de ar menos intensa e iniciou febre no dia 02", relatou.
Três dias depois, Melissa começou a ter crises de falta de ar, uma após a outra. No dia seguinte, foi realizado um exame para verificar o que estava acontecendo e, no final de tarde, a família da menina recebeu a notícia de que Mel estava com leucemia, um câncer que se origina nas células da medula óssea. "Na hora que a médica nos deu a notícia perdemos o chão. Foi desesperador. Mas precisávamos ficar firme por ela", afirmou Josiane.
A adolescente teve febre, ficou muito pálida e foi internada na UTI. Os médicos descobriram que essa sensação febril foi devido a uma pneumonia causada pela doença.
"Foram 33 dias no hospital nessa primeira internação, mais da metade deles na UTI. Mais exames foram realizados e descobrimos que era uma leucemia sinfoide aguda de célular T, uma doença rara e que o caso dela tinha indicação direta de transplante na primeira remissão."
Melissa iniciou, então, um tratamento quimioterápico, e em dezembro do mesmo ano, o sangue dela foi colhido para o fator HLA, que é um teste de compatibilidade. O resultado saiu no dia 17 de janeiro de 2024 e dois dias depois Mel foi inscrita no Rereme.
Campanha e o dia que nasceu de novo
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"Mesmo em meio a toda tempestade que estávamos vivendo me veio uma força absurda para lutar pela vida da minha filha", enfatizou Josiane, que também comentou que na véspera da coleta do exame, ela chorou muito e ficou com a angústia de saber o doador compatível seria encontrado ou não.
Foi feita uma campanha no Instagram com a ajuda de amigos da família para conseguir doadores voluntários, não só para Melissa, mas também para todos que estavam precisando. A ação foi crescendo, a rede de apoio também e as portas se abriram. Josiane, que é professora, contou que muitas pessoas começaram a se cadastrar no Redome, inclusive ex-alunos, alunos, amigos, conhecidos e desconhecidos.
"Foi uma corrente linda. Fizemos três ações: a primeira teve 53 cadastros, a segunda teve 89 e a terceira, 98. Paralelamente a isso, Mel seguia o tratamento quimioterápico. As vezes no ambulatório, as vezes internada", disse.
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Em fevereiro, a família de Melissa recebeu a informação de que tinham encontrado um doador compatível, e só no final de março, a doadora, que é de outro país, estava pronta para salvar vida da adolescente.
O transplante aconteceu no dia 13 de junho em Recife, e após dias no hospital, Melissa teve alta. Nos primeiros 100 dias depois do transplante, a adolescente também iniciou o desmame do imunosupressor.
"São muitos passos ainda. Ela precisará ser acompanhada por 5 anos e só então será considerada curada. Hoje ela está em remissão, não há doença no organismo. Mas precisaremos conviver com a sombra de que ela pode voltar. Só que nossa fé nos diz que ela já está curada. Deus a curou. Ano que vem voltará a vida dela, a escola, ao convívio social. Um doador de medula é um anjo a serviço de Deus", concluiu Josiane.
'É uma chance de dar esperança para quem tanto precisa'
O servidor público Raphael de Oliveira, de 33 anos, é maceioense e doa sangue há 15 anos, mas só soube do cadastro para ser doador de medula óssea aos 24. Ele contou que se cadastrou em uma unidade do Hemoal em 2015 e acredita que doar é uma oportunidade única para salvar vidas.
"Fiz o cadastro e fiquei na esperança de um dia ser útil para salvar alguém. É uma chance de dar esperança para quem tanto precisa, considero um milagre", celebrou Raphael.
Ele contou que após o cadastro, a equipe do Redome entrou em contato com ele em 2021, para informar a compatibilidade com um paciente e perguntar se ele estava disposto a realizar a doação. "Aceitei o convite e fiz a doação. Fui até Natal (RN) para realizar o procedimento, tudo pago pelo Governo Federal. Foi tudo tranquilo e indolor, tive alta no dia posterior ao procedimento", relatou.
A doação de Raphael serviu para salvar uma paciente de Foz de Iguaçu, município do Paraná, mas devido ao sigilo de 18 meses, ele só pôde conhecer a pessoa em 2023.
"A receptora é uma linda menina, chamada Alice, uma criança cheia de vida, um verdadeiro milagre. Infelizmente, não nos conhecemos pessoalmente, mas temos contato através de redes sociais."
Saiba como doar
Segundo a diretora do Hemoal, dra. Verônica de Limas Guedes, as deficiências que ocorrem na medula óssea causam inúmeras doenças que levam a sintomas de anemias e isso pode acarretar problemas sérios.
"Além de anemias, as plaquetas baixas, imunidade baixa, podendo ocasionar infeções, sangramentos, fraquezas, cansaço. Quando as células da medula óssea se transformam em um clone maligno, os indivíduos desenvolverão as leucemias agudas ou crônicas e, com isso, poderão vir a necessitar do transplante de medula óssea", explicou a médica.
Para fazer a doação de medula, é preciso ter entre 18 e 35 anos de idade, portar um documento de identificação original e oficial com foto, além de não ter doença autoimune ou doenças transmitidas pelo sangue. O cadastro é realizado nas unidades do Hemoal em Maceió ou em Arapiraca, de segunda a sexta-feira, das 7h às 17h.
"O voluntário receberá todos os esclarecimentos no Serviço Social e, em seguida, irá preencher uma ficha com informações pessoais (é necessário apresentar o documento de identidade) e assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Na sequência, será coletada uma pequena quantidade de sangue (10ml) do candidato a doador para análise por exame de histocompatibilidade. Os dados pessoais e o tipo de HLA serão incluídos no Redome", disse a assistente social do Hemoal, Natasha Conceição de Souza.