Cena Underground e a expressão artística LGBTQIAPN+ em Alagoas

Movimento virou espaço de resistência que usa a arte como ferramenta para reivindicar identidade e dar visibilidade em um contexto de marginalização

Por Mackson Douglas |

A Cultura Underground surgiu no final dos anos 1960 nos Estados Unidos, em meio às correntes contestatórias da contracultura, um movimento que buscava questionar e desafiar a cultura predominante, refletindo a insatisfação com valores sociais, políticos e econômicos da época, promovendo a liberdade de expressão e a busca por novas formas de arte.

O movimento cultural tinha como objetivo romper tabus e confrontar regras que dominavam a sociedade, promovendo a liberdade de pensamento e a diversidade de ideias. O termo "underground", que significa "subterrâneo" em inglês, refere-se a produtos e manifestações culturais que se distanciam dos padrões convencionais do mercado.

Também conhecido como Cena Underground, o movimento engloba diversas formas de expressão artística, como música, artes plásticas e literatura, associadas à cultura urbana contemporânea. Esse conceito abrange toda a produção cultural que possui características que se distanciam do mainstream, buscando sempre a autenticidade e a inovação, muitas vezes desafiando padrões e promovendo a diversidade de vozes e estilos.

Proporcionando um espaço seguro para vozes frequentemente marginalizadas, a cena desempenha um papel importante na inovação e na evolução cultural, antecipando e moldando novas tendências no mercado. Isso fica evidente na expressão "deixou o underground", que se refere a artistas e/ou movimentos que, após ganhar visibilidade, acabam por integrar o mainstream.

Diversidade Alagoana: como o underground reflete a pluralidade cultural do estado

Em Alagoas, a Cultura Underground se revela como uma mistura dinâmica de vozes e ritmos que, em conjunto, formam uma identidade forte e autêntica. A comunidade LGBTQIAPN+, presente e ativa nesse cenário, traz uma riqueza de experiências e perspectivas que enriquecem ainda mais a diversidade do estado. Cada artista, com sua individualidade, não apenas reflete essa pluralidade, mas também cria novas oportunidades para narrativas e expressões culturais emergentes, celebrando a liberdade de ser e se expressar.

Essa cena, embora desafiadora, é mais uma prova da criatividade e da força da comunidade LGBTQIAPN+ alagoana que, com resistência e ousadia, se mobiliza para ocupar espaços que celebram a diversidade.

Evento “Carnaground” promovido pela Substation entre 1998 e 1999 no extinto Jaraguá Art Estudo e na antiga Aeroporco — Foto: Acervo


Produtores têm promovido eventos inovadores, sempre com o objetivo de fortalecer laços e visibilizar questões importantes. Essa luta por representatividade e inclusão é uma fonte de inspiração e empoderamento, mostrando que, apesar dos desafios, a união e a criatividade podem transformar a realidade local.

Os eventos produzidos por produtores LGBTQIAPN+ possuem trajetórias únicas e não apenas refletem a pluralidade cultural de Alagoas, mas também contribuem para o fortalecimento de uma cena que desafia as adversidades e busca mais reconhecimento, promovendo uma alternativa que atrai uma diversidade de públicos que se conectam por meio da arte, música e performance.

Com o incentivo à participação da comunidade LGBTQIAPN+ — que carece de eventos locais —, os produtores ajudam a criar um ambiente mais inclusivo e acolhedor, onde a criatividade se manifesta e novas vozes ganham espaço, fortalecendo e destacando, cada vez mais, a importância da diversidade na construção da identidade alagoana.

Substation e o Underground: a festa que une a diversidade ao som alternativo em Maceió

  • Uma das festas eletrônicas LGBTQIAPN+ que mais se destaca em Maceió é a Substation. Criada em 1996, a festa é marcada pelo seu compromisso com a representatividade. Desde o início, o casting de artistas foi sempre composto por pessoas da própria comunidade.

  • De acordo com o idealizador e produtor Bacana Music, o evento não tinha a intenção de abordar questões sociopolíticas de forma tão centralizada. O processo foi espontâneo e nasceu de maneira orgânica, sem pressões externas, mas com uma característica clara e fundamental: a identidade LGBTQIAPN+.

“A gente não tinha esse foco sócio-político que hoje em dia vemos como uma necessidade prioritária. Foi muito orgânico mesmo. Aconteceu de forma natural. Nos posicionamos como uma produtora LGBTQIAPN+, produzida por pessoas da comunidade. Então isso em si já traz uma referência e uma identidade nossa para o projeto e para que pessoas LGBTs se sintam seguras nesse espaço”, contou.

DJ Bacana Music durante apresentação no evento Innovation em janeiro deste ano — Foto: Arquivo pessoal


O idealizador também ressalta que o principal aspecto que torna a Substation um espaço seguro para a comunidade é o fato de os participantes se sentirem representados, desde os organizadores até os artistas que se apresentam no evento. Ao abordar a questão da segurança, ele defende um posicionamento firme contra o preconceito, a violência e a exclusão, buscando promover um ambiente mais inclusivo e acolhedor.

“A característica que mais se destaca no projeto é o fato de ele ser idealizado por pessoas LGBTQIAPN+, o que traz uma sensação de segurança. Isso acontece porque estamos constantemente pensando na nossa proteção, no discurso, no cuidado e no posicionamento sócio-político, considerando que vivemos em uma sociedade onde, muitas vezes, nossas identidades e existências são desrespeitadas, marginalizadas ou invisibilizadas", afirmou.

Nos anos 90, uma década marcada pelo domínio do rock e pela ascensão da música eletrônica, o Bacana Music lembrou a insegurança inicial ao tentar misturar esses dois universos tão distintos. Havia o receio de que a fusão entre o rock alternativo e a eletrônica não fosse bem recebida, mas, na prática, essa experimentação teve um impacto positivo e inesperado, unindo públicos de ambos os gêneros de forma surpreendente.

"A ideia que tivemos foi criar um ambiente com uma pegada de rock mais autoral e alternativo, com influências de punk e outras vertentes que, de alguma maneira, poderiam enriquecer a experiência. A mistura parecia um risco, mas para surpresa de todos, deu certo. Com o tempo, a Substation provou ser muito mais do que um simples evento de música eletrônica; ela se tornou um espaço inclusivo e seguro, onde a diversidade de públicos não só era respeitada, mas verdadeiramente celebrada”, relembrou.

Quanto à questão do coronelismo e autoritarismo, presentes em Maceió, Bacana reconhece a presença desse fenômeno na cidade, mas afirma que, apesar das dificuldades, nunca enfrentou grandes ataques à Substation. O evento sempre foi legalizado, com alvarás em dia, e ele teve a preocupação constante de garantir a segurança dos participantes, evitando qualquer incidente que pudesse comprometer a festa.

“O coronelismo em Maceió é forte, mas ele chegava até a porta do evento e voltava para trás. Fomos alvos de autoritarismo, principalmente por parte de pessoas influentes que não queriam que a Substation acontecesse, o que nos levou a sair do local original sem explicações. Após dez anos na CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos), começamos a realizar a festa em outros locais. Apesar disso, superamos os desafios e, com o apoio das pessoas certas, conseguimos nos fortalecer contra essa realidade”, relatou o idealizador do evento.

Edições da Substation realizadas na CBTU, no Centro de Maceió — Foto: Acervo


Apesar das dificuldades, o evento tem sido mantido gratuitamente nos últimos anos, criando uma atmosfera acolhedora e de energia positiva. O Bacana destaca que, ao longo dos 28 anos de existência da Substation, nunca houve incidentes graves, como brigas ou problemas com a polícia, o que ele considera uma raridade nos dias de hoje.

Ele acredita que o sucesso do projeto está ligado ao acolhimento genuíno e ao trabalho em equipe, com todos os envolvidos transmitindo essa energia de forma espontânea e natural, sem a necessidade de forçar nada. Esse compromisso com a autenticidade se reflete em cada aspecto da condução do evento, o que contribui para que seja amplamente aceito e respeitado pela comunidade LGBTQIAPN+ de Maceió.

“Nosso ambiente acolhedor e a energia positiva que circula entre os participantes são frutos de um esforço coletivo, autêntico e compartilhado, onde todos se dedicam à missão de acolher e fortalecer uns aos outros. A união da comunidade, seja por meio de movimentos, espaços ou redes de apoio, tem um poder transformador, capaz de fortalecer a luta por um futuro em que todos possam existir livremente, sem medo de ser quem realmente são”, concluiu Bacana Music.

A reflexão sobre o aspecto político da Substation em uma cidade marcada pelo coronelismo é essencial. Criar e manter um evento, embora muitas vezes feito com o intuito de promover a união e o bem-estar, é, na prática, uma ação política. Mesmo sem ter essa intenção explícita, ao organizar uma festa como essa, o coletivo de produtores toma uma posição no mundo, influenciando a realidade social e política ao redor.

Em consequência disso, o evento se torna um ato de força e afirmação, que remete às raízes da Cultura Underground, onde a subversão e a busca por espaços de liberdade sempre foram ferramentas de transformação social. A Substation não é apenas um encontro, mas um território de resistência e identidade, que contribui para a construção de um espaço mais inclusivo e consciente.