Empreendedorismo LGBT: jovens quebram barreiras do preconceito com a criação independente de brechós

Penélope Soares e Carolina Nobre contam um pouco sobre suas trajetórias no ramo, que tem crescido em Alagoas nos últimos anos referente à sustentabilidade, especialmente na internet

Por Jamerson Soares |

Devido à exclusão e à opressão em vagas de emprego, especificamente para pessoas trans e travestis, muitas pessoas decidem enfrentar a vida em sociedade tentando criar seu próprio negócio. Pequeno, mas ainda assim um empreendimento. Dentre esses pequenos negócios, que têm se firmado como uma das grandes e sustentáveis maneiras de vender peças de roupa nos últimos anos, está o brechó.

Para o assessor econômico do Instituto Fecomércio (Federação do Comércio do Estado de Alagoas), Francisco Rosário, o brechó é uma alternativa importante que está crescendo. Ele declarou que o maceioense vem perdendo o preconceito em adquirir itens de segunda mão.

"O brechó pode ser visto como um marco na cultura da sustentabilidade, pois você prorroga o uso da roupa, do calçado e do acessório quando você está enjoado. Inclusive, existe até brechó online. Então é um fenômeno que está se consolidando no Brasil", pontuou Rosário.

Dados disponibilizados pelo Fecomércio, por meio da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), revelam que houve um crescimento na criação de empresas no setor de vestuário em Alagoas. Em 2022, o Estado registrou um total de 50 empresas que confeccionam peças sob medida exceto roupas íntimas, enquanto que em 2023, o número saltou para 51.

Em 2022, Alagoas teve um total de 1.771 empresas de comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios. Em 2023, houve um total de 1.774. 

De acordo com o Data Sebrae, através de dados fornecidos pelo PNAD Contínuo, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Estado tem cerca de 330.224 empreendedores.

'A solução foi criar meu próprio negócio'

Os mercados brasileiro e alagoano de trabalho não são nada fáceis e inclusivos para quem é da comunidade LGBTQIA+. Segundo uma pesquisa da Pulses, em parceria com o coletivo Nhs Somos, menos de 10% dos colaboradores das empresas fazem parte de algum grupo minoritário.

Para quebrar algumas barreiras empregatícias e ser dona do seu próprio negócio, a curadora e garimpeira Penélope Soares, de 27 anos, teve que ralar para conseguir um pouco mais de autonomia. Ela fundou o Sun Clothings, brechó e loja colaborativa independente, que há quatro anos vem contribuindo para o cenário da moda alagoana.

"Eu sempre quis trabalhar com coisas da moda, tipo style, produção de peças também, essas coisas no geral. O início da Sun Clothings foi através de outros brechós, quando eu era convidada para ser modelo e acabava recebendo muitas peças, e assim foi acumulando no meu acervo", relatou Penélope.

A moda ganhou destaque em sua vida em meados de 2017, quando ela começou a conhecer com mais frequência o movimento drag, por meio de drag queens locais e nacionais, como Márcia Pantera e Robytt Moon. Para a empresária, o brechó surgiu na vida dela como uma solução para enfrentar as dificuldades.

"Um dos pontos importantes é que não existem espaços para corpos como o meu. Sendo uma travesti, as oportunidades são extremamente escassas. Tendo isso em mente, a solução foi criar o meu próprio negócio. O brechó surge para mim em diversos aspectos: o primeiro deles é a necessidade de manter um uso consciente e visando uma sustentabilidade do planeta, tornando uma experiência visual, olfativa e sensorial", declarou ela.

Segundo Penélope, a loja Sun Clothings funcionava inicialmente apenas de forma on-line, no Instagram @suncllothings, e em eventos presenciais esporádicos que aconteciam na cidade.

Em 2024, a curadora, além de vender na internet, conseguiu um espaço físico e agora também vende suas roupas dos estilos vintage e retrô em uma sala localizada no Gato Preto Studio, no bairro do Farol, em Maceió.

O brechó da Momo

  • Para Carolina Nobre, empresária e digital influencer de 28 anos, a moda entrou em sua vida de forma espontânea. Ela contou que todas as pessoas ao redor dela diziam que ela se vestia bem e de uma forma diferente do tradicional em Maceió.

    "Daí nasceu a necessidade de abrir a loja Cozzy, que tem o intuito de trazer essa força para a moda alagoana", disse a empresária.

    Carolina está há mais de um ano produzindo e se aperfeiçoando no ramo da moda com sua marca Cozzy. Em janeiro de 2025, ela decidiu investir no setor de brechós estreando seu novo projeto chamado "Brechó da Momo", com roupas novas e usadas.

    Segundo ela, "Momo" é um nome carinhoso que sua esposa, a influenciadora Gabô Pantaleão, criou para se referir a ela. "Nossos seguidores prontamente acolheram esse apelido e hoje é mais fácil alguém me chamar de momo, que de Carolina", brincou.

    A empresária explicou que o que a motivou a abrir o brechó foi a necessidade de fazer moda e fortalecer o mercado em Alagoas, como também levar para seus seguidores referências de looks, excelência, qualidade e preço justo.

  • "No Brechó da Momo as pessoas vão encontrar peças e marcas diversas, modernas e alternativas, como por exemplo peças que custaram mais de R$ 700, vendidas a valores acessíveis, tornando a moda mais acessível e sustentável."

    Empreender sendo uma pessoa LGTBQIA+, para ela, não é fácil. Porém, a influenciadora digital acredita que o talento e o esforço quebram qualquer barreira de preconceitos.

    "É muito importante que nós LGBTQIAPN+ estejamos ocupando mais espaços, não só na moda, mas em qualquer outra área, pois tudo a nós pertence. O setor da moda em Maceió tem crescido bastante e esse movimento é um gás para cada um de nós que trabalhamos com isso. Me sinto realizada e esperançosa por um cenário com mais visibilidade para tantos talentos incríveis aqui da nossa terra", concluiu.

    O Brechó da Momo contará com mais edições de forma presencial, além dos site, com uma equipe envolvida de aproximadamente 10 pessoas. A próxima edição será em abril deste ano e as informações serão divulgadas no Instagram @morenaanobre.

Peças que contam histórias

O estilista alagoano Jonhson Alves está no ramo da moda desde o ano de 2007. Sua marca de roupas surgiu em 2018 como Jonhson Cavalcante, e em 2023, mudou para o seu nome atual. Ele já trabalhou em diversas lojas e empresas renomadas, como a Magazine São Paulo, em Arapiraca e no estado de São Paulo. Participou de vários eventos de moda, como o Renda-se.

Johnson fez um parâmetro sobre os impactos da criação de brechós em Alagoas e no mundo. Para ele, o brechó é uma fonte de inspiração e é onde ele faz muitas pesquisas, tanto sobre materiais mais antigos quanto sobre materiais que ele pode reutilizar. Ele define o setor como algo que contribui tanto historicamente quanto de forma material, promovendo a sustentabilidade.

"O brechó tem essa função que é desenvolver uma perspectiva do presente, mas pensando no passado, tendo o passado como inspiração para a produção do presente. O brechó é um poço de informação. Ele tem várias coisas que contribuem muito para o mercado de moda."

"Quando você vai fazer pesquisa nesses locais, você vai ver histórias de vida. Você vai conhecer a tua cidade através de um brechó. E esse tipo de espaço tem a função social como também para a moda. Eu utilizo muito essas peças antigas para compor figurinos de personagens em filmes, por exemplo", declarou o estilista.

Ele também disse que pessoas da moda, que são da comunidade LGBT, têm conseguido alcançar altos patamares e ganhando força no setor de brechó, no que diz respeito ao reaproveitamento de peças.

"Hoje em dia eu vejo muito essa questão da sustentabilidade, do reaproveitamento de produtos, de peças e tudo. E essa nova geração LGBT é muito ligada ao meio ambiente e consegue reinventar roupas que muitas vezes são jogadas ou ignoradas. Eles conseguem aproveitar o melhor da costura dessas peças, fica algo muito mais elaborado. A comunidade LGBT vem com força total em relação a isso", concluiu.