Câncer colorretal: doença silenciosa desafia prevenção e ainda mata milhares no Brasil

Com relatos de especialistas e paciente alagoana, reportagem reforça importância da colonoscopia

Por Wanessa Santos |

A morte da cantora Preta Gil no último dia 20, em decorrência de um câncer, reacendeu o debate sobre um dos tipos mais comuns da doença em todo o mundo: o câncer de cólon e reto, ou colorretal. Apesar de também ser um dos tipos com maiores chances de cura, estima-se que cerca de 21.260 pessoas morreram no Brasil, vítimas do câncer de cólon e reto, no ano de 2021, segundo dados mais recentes do Instituto Nacional do Câncer (INCA) e do Ministério da Saúde (MS).

O câncer colorretal é um tumor maligno que se desenvolve no intestino grosso (cólon) ou no reto, geralmente a partir de pólipos, que são pequenas lesões benignas que podem se transformar em câncer com o tempo. Para evitar que a doença evolua e atinja o risco de morte, é importante que a população esteja atenta aos fatores de risco, além de manter os exames preventivos sempre em dia.

O caso de Preta Gil

A cantora, que faleceu nos Estados Unidos no último dia 20, aos 50 anos, travou uma longa batalha contra o câncer colorretal. Preta foi diagnosticada em janeiro de 2023, em fase inicial da doença, quando o tumor estava localizado apenas em uma região do corpo. Ela deu início ao tratamento no Brasil imediatamente após o diagnóstico, com quimioterapia e cirurgia para retirada do tumor e reconstrução intestinal.

Em dezembro do mesmo ano, Preta divulgou que havia sido curada do câncer e afirmou que seu corpo estaria livre de células cancerosas. Entretanto, em agosto de 2024, a doença ressurgiu já com metástases em múltiplas regiões: rim, peritônio, dois linfonodos e um nódulo no ureter.

Preta Gil lutou contra o câncer de colorretal desde 2023 - Foto: Reprodução/Instagram


O caso da cantora é considerado incomum, já que ela havia descoberto o tumor em estágio inicial, realizou o tratamento completo, com cirurgia, quimioterapia e reconstrução intestinal, e seguia em acompanhamento médico regular. Em geral, quando o câncer colorretal é diagnosticado precocemente e tratado de forma adequada, as chances de cura são altas, podendo ultrapassar 90%.

A reincidência, nesse caso, ocorreu de forma inesperada e agressiva, o que indica um comportamento biológico raro do tumor, possivelmente associado a fatores genéticos ou à presença de células malignas microscópicas que não foram detectadas nos exames.

Cuidado que vai além da técnica: o apoio emocional e físico ao paciente

  • A assistência prestada pela equipe de enfermagem também é peça-chave durante toda a jornada de tratamento. Segundo os profissionais Adson Fonseca e Lidiane Salvador, coordenador e enfermeira auditora da oncologia de um dos hospitais de referência em Alagoas, os impactos físicos mais comuns do câncer colorretal incluem náuseas, vômitos, perda de apetite, emagrecimento, fadiga e imunidade baixa — além da queda de cabelo, que costuma afetar profundamente a autoestima, sobretudo entre as mulheres. “A enfermagem atua não apenas na administração técnica dos medicamentos e no cuidado com os sintomas físicos, mas também no acolhimento integral ao paciente”, explicam.

    Ações como rodas de conversa, oficinas de maquiagem e atividades voltadas ao fortalecimento da autoestima são estratégias adotadas por equipes de enfermagem para ajudar o paciente a manter o equilíbrio emocional durante o tratamento. Esse suporte torna-se ainda mais relevante quando o paciente precisa enfrentar longos períodos de internação ou isolamento.

  • “O diagnóstico de câncer, por si só, costuma vir acompanhado de medo, ansiedade e, em alguns casos, depressão. Nesses momentos, a enfermagem integra uma equipe multidisciplinar, com médicos, psicólogos, assistentes sociais e familiares, para garantir um cuidado mais humanizado e eficiente”, ressaltam.

    De acordo com os profissionais, o apoio familiar e social é um fator determinante na resposta positiva ao tratamento. A presença constante de alguém próximo, seja familiar ou amigo, costuma despertar nos pacientes um desejo maior de lutar contra a doença. Por outro lado, a ausência desse apoio, somada à falta de acompanhamento emocional e à negligência dos sinais clínicos, pode comprometer significativamente a recuperação. “Acreditar que o diagnóstico é uma sentença final dificulta ainda mais o processo. O acompanhamento psicológico é indispensável”, concluem.

A redação do portal 7Segundos entrevistou a médica oncologista do Centro de Tratamento de Câncer MedRadius e responsável técnica do Centro de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA), Dra Alline de Carli, para entender os principais desafios relacionados ao câncer colorretal. Segundo ela, apesar dos avanços na medicina, muitos pacientes ainda recebem o diagnóstico em estágios avançados da doença, principalmente pela baixa adesão ao exame de colonoscopia — procedimento essencial para detectar precocemente o câncer ou até mesmo prevenir seu surgimento, ao identificar e tratar lesões precursoras, como os pólipos. “O exame é invasivo, exige preparo prévio, além de ainda carregar estigmas e dificuldades de acesso, o que afasta parte da população”, explica.

Dra. Alline De Carli, médica oncologista CRM 6383 | RQE 3089 - Foto: Assessoria

Dra. Alline também chama atenção para um grupo de risco que costuma ser negligenciado nas campanhas de prevenção: pessoas com histórico familiar de câncer colorretal ou de pólipos adenomatosos. “Esse público precisa iniciar o rastreamento mais cedo, muitas vezes antes dos 50 anos, o que nem sempre é informado com clareza. Além disso, fatores como dieta pobre em fibras, sedentarismo, tabagismo e consumo excessivo de álcool também elevam o risco”, aponta. Ela ressalta ainda a importância do rastreamento genético em casos de síndromes hereditárias, como a de Lynch e a polipose adenomatosa familiar.

Nos casos em que o tumor já está em estágio avançado, a médica afirma que a medicina moderna dispõe de tratamentos cada vez mais individualizados, com uso de quimioterapias, terapias-alvo e imunoterapias, que mesmo sem perspectiva de cura, têm oferecido ganhos significativos de sobrevida e qualidade de vida. “A oncologia tem evoluído com rapidez, trazendo mais possibilidades aos pacientes, inclusive em cenários antes considerados irreversíveis.”

Para além dos protocolos clínicos, ela destaca que o maior desafio no cuidado de pacientes com câncer avançado é equilibrar o tratamento com o bem-estar do paciente. “É uma linha tênue entre insistir nas terapias e saber o momento de priorizar cuidados paliativos. Lidar com o impacto emocional da doença exige escuta, acolhimento e uma atuação integral da equipe, que deve caminhar ao lado do paciente em todas as fases.”

Uma história de superação

A jornalista alagoana Edjane Mello viveu, ao longo de quase sete anos, uma longa e intensa batalha contra o câncer colorretal. O primeiro sinal que a levou a buscar ajuda médica foi a presença de sangue nas fezes, embora já sentisse dores abdominais anteriormente, sem fazer a associação com um possível quadro oncológico. Diagnosticada em 2015, ela passou por diversas etapas de tratamento, incluindo três cirurgias, sessões de quimioterapia e procedimentos como laparotomia exploratória e ablação percutânea, com recidivas da doença em diferentes momentos, até 2022.

Hoje, Edjane leva uma vida normal e acredita que sua cura foi resultado de uma junção de fatores que caminharam juntos. “Tive ao meu lado médicos comprometidos, uma equipe acolhedora e um complexo médico hospitalar, a MedRadius, com estrutura e tecnologia que me deram segurança durante todo o processo. Mas, acima de tudo, foi Jesus quem sustentou cada passo. Cuidar do espírito e da mente é uma parte que nos cabe, e renovar a mente pela Palavra de Deus foi decisivo para manter a fé viva, a esperança firme e a paz mesmo nos dias difíceis. A cura começa no espírito, se fortalece na mente ou alma, e se materializa no corpo”, afirma.

A jornalista alagoana Edjane Mello em sessões de quimioterapia feitas durante seu tratamento contra o câncer. / Foto: Arquivo pessoal

Casos como o dela evidenciam como a espiritualidade e a religiosidade podem atuar como aliadas importantes no enfrentamento do câncer, oferecendo conforto emocional, esperança e força para seguir com o tratamento. Ao ser questionada sobre o que diria a quem evita os exames preventivos, Edjane é enfática: “Nunca devemos negligenciar o autocuidado. Só conseguiremos cumprir e realizar nossos propósitos e sonhos se mantivermos o espírito, a mente e o corpo bem cuidados.”

Apesar de ser uma das formas mais comuns de câncer no Brasil e no mundo, o câncer colorretal também está entre os que apresentam maiores chances de cura quando diagnosticado precocemente. Por isso, especialistas reforçam a importância de quebrar o tabu em torno da colonoscopia, exame fundamental para o rastreamento da doença. Ainda visto com preconceito por parte da população, o procedimento é simples, seguro e pode salvar vidas.

A orientação médica é que adultos a partir dos 45 ou 50 anos, mesmo sem sintomas, realizem o exame periodicamente, especialmente aqueles com histórico familiar da doença. Além disso, manter uma alimentação equilibrada, praticar atividades físicas, evitar o tabagismo e o consumo excessivo de álcool são medidas que contribuem para a prevenção. O câncer colorretal tem cura, mas para isso é preciso vencer o medo, buscar informação e priorizar o autocuidado.