Estupro de adolescente expõe vulnerabilidade de jovens conectados e o erro de culpabilizar as mães

Especialista alagoano reforça a importância de familiares e cuidadores manterem supervisão constante, além de diálogos abertos sobre os riscos existentes na web

Por Wanessa Santos |

Um caso recente de estupro envolvendo um adolescente de 13 anos, autista, e um professor de geografia em Maceió reacendeu o debate sobre proteção e privacidade de jovens que, hoje em dia, já nascem conectados. O crime expôs a vulnerabilidade de crianças e adolescentes no ambiente virtual, uma vez que o contato entre o abusador e a vítima ocorreu por meio de redes sociais. Além disso, trouxe à tona a permanente culpabilização que, principalmente, as mães sofrem diante desses casos.

Logo após o crime, ainda muito abalada, a própria mãe da vítima teria confundido os termos "aplicativo de relacionamento" e "aplicativo de mensagens" ao conceder uma entrevista a emissora de TV local. Uma enxurrada de acusações e deduções tomaram conta de comentários de todas as publicações sobre o caso. 

Em entrevista coletiva concedida pela delegada responsável pelas investigações do crime, Thalita Aquino, foi esclarecido que a comunicação entre vítima e acusado vinha ocorrendo há alguns meses por meio de redes sociais comuns, e não em aplicativos de namoro. Segundo a delegada, foi a partir dessas conversas que ambos marcaram o encontro no última dia 15 deste mês, dia em que o estupro aconteceu.

Adolescente autista, de 13 anos, entra no carro do homem que teria cometido a violência sexual contra o menor / Foto: Reprodução / Vídeo


Sobre os desdobramentos desse caso, a Polícia Civil informou que o suspeito está preso e que a investigação segue em andamento. A mãe da vítima e o próprio adolescente serão ouvidos de maneira assistida, para evitar revitimização. Os peritos também analisam os telefones do acusado e do jovem; e aguardam o laudo do exame que deve comprovar a conjunção carnal. Até o momento, não foi confirmado se o investigado atuava como professor do adolescente. Isso também deverá ser apurado pela polícia.

A dor da família e o posicionamento do advogado

Procurada pela reportagem, a mãe do adolescente afirmou que não pretende conceder novas entrevistas em razão do abalo emocional que enfrenta desde o crime. Em mensagem enviada, ela resumiu:

Não estamos bem. Eu precisei de atendimento médico por ainda estar em choque. Estou abalada.”

A mãe preferiu disponibilizar o contato do advogado Ronald Pinheiro Rodrigues, que acompanha o caso e reforçou que o processo corre sob segredo de justiça. Em nota, ele destacou que todas as medidas cabíveis já estão sendo tomadas.

“Adotaremos todas as providências necessárias para que este caso não fique impune, inclusive assistindo ao Ministério Público em tudo o que for necessário. O processo tramita em segredo de justiça, por esse motivo não é possível divulgar mais detalhes neste momento. Além das medidas penais, onde buscaremos assegurar que o responsável permaneça preso ao longo de toda a instrução processual, também ingressaremos com ações cíveis e medidas administrativas, para que o acusado seja responsabilizado em virtude de sua condição de docente. Nosso compromisso é garantir que a justiça seja feita de forma integral e exemplar.”

Vigilância x privacidade — e por que nem sempre a culpa é da mãe

  • Vigiar crianças e adolescentes em ambiente virtual é uma tarefa complexa, especialmente porque há um empasse delicado entre dar privacidade aos jovens e, ao mesmo tempo, protege-los de possíveis riscos que a internet traz. Sobre isso, a redação do portal 7Segundos entrevistou o psicólogo e professor universitário Edvan Filho (CRP-15/5269).

    O especialista esclarece que é importante compreender que privacidade não significa ausência de cuidado. “A privacidade é um direito da criança e do adolescente, mas ela não pode ser confundida com ausência de cuidado. A função dos pais é proteger. Supervisionar o uso da internet não é invasão de privacidade, mas sim um ato de responsabilidade” disse.

    Segundo ele, a diferença está na forma como essa supervisão ocorre. “A invasão acontece quando se rompe a confiança sem diálogo, enquanto a proteção envolve transparência, limites claros e acompanhamento proporcional à idade e à maturidade do jovem.”

  • Em muitos casos, mesmo quando os pais realizam a devida vistoria nos aparelhos dos filhos, o aliciamento pode ocorrer. É essencial frisar que predadores como os pedófilos tendem a dominar a arte da manipulação e podem, sem sombra de dúvidas, instigar a vítima a eliminar provas que os revelem.

    Quando a sociedade, ao tomar conhecimento de um crime tão grave como o estupro de vulnerável, transfere a responsabilidade para a família, em especial para as mães, além de não contribuir para a ampliação responsável do debate, ainda provoca mais dor e sofrimento às vítimas.

    No caso específico ocorrido em Maceió, a mãe do adolescente estava em uma clínica acompanhando os outros quatro filhos, todos também autistas, quando o crime aconteceu. O menino que sofreu o abuso havia ficado em casa sob os cuidados de uma vizinha. Ainda assim, a mãe foi alvo de críticas nas redes sociais, como se tivesse sido negligente. Importante frisar que, mesmo que estivesse em outro contexto, em uma atividade de lazer, por exemplo, a culpabilização da mãe não deve acontecer: a responsabilidade nunca é da família, mas do agressor que manipula e comete, de fato, o crime.

Riscos digitais: grooming e danos emocionais

Além da exposição a conteúdos impróprios, crianças e adolescentes podem ser vítimas de um processo conhecido como grooming, quando um abusador cria um vínculo emocional com a vítima até conseguir explorá-la. O psicólogo e professor universitário Edvan Filho alerta que esse tipo de manipulação pode acontecer mesmo quando há algum grau de supervisão dos pais.

“O que chamamos de grooming é um processo de manipulação em que o abusador cria um vínculo emocional com a vítima até conseguir explorá-la. Além disso, mesmo sem contato físico, o ambiente virtual pode gerar danos emocionais profundos. Há a queda na autoestima, sentimentos de culpa, vergonha e até dificuldade em confiar em outras pessoas no futuro. Tudo isso pode deixar marcas psicológicas de longo prazo”, revela o especialista.

Psicólogo e professor universitário Edvan Filho (CRP-15/5269)


Para o psicólogo, a principal ferramenta de prevenção é o diálogo constante entre pais e filhos, criando um ambiente em que o jovem se sinta seguro para relatar situações estranhas ou suspeitas.

Autismo e vulnerabilidade no ambiente digital

Se a internet já apresenta riscos para qualquer criança ou adolescente, no caso de pessoas no espectro autista o cuidado precisa ser ainda maior. Isso porque, segundo especialistas, essas crianças e jovens podem ter mais dificuldade em perceber que estão sendo aliciadas, tornando-as alvos fáceis para predadores virtuais.

O psicólogo Edvan Filho reforça a importância da presença ativa da família nesses casos. “No caso de crianças e adolescentes autistas, a vigilância e o acompanhamento dos pais são ainda mais importantes. Pessoas no espectro autista podem ter maior dificuldade em compreender intenções implícitas, ironias ou sinais de manipulação, o que as torna mais vulneráveis a situações de risco no ambiente digital. Por isso, a supervisão não é invasão de privacidade: é cuidado e segurança”, diz o especialista.

Família conta como matem segurança de filho autista e da filha adolescente

Na prática, o cuidado digital envolve vigilância atenta e diálogo aberto. A mãe Pâmela Stéphanie da Silva Alves, que tem uma filha neurotípica de 13 anos e um filho autista de 9 anos (nível 1 de suporte), conta que busca sempre esse equilíbrio dentro de casa.

“Infelizmente, como sabemos, esse é um território bastante perigoso, que exige muito cuidado. Por outro lado, também representa uma oportunidade de aprendizado. O maior desafio é encontrar o equilíbrio. Sempre procuro manter uma conversa aberta e sincera com nossos filhos para que qualquer curiosidade que eles venham a ter, eles nos procurem.”

Ela explica que, até agora, não enfrentou situações graves, mas mesmo nos jogos online mantém atenção redobrada. “Graças a Deus, até agora não tive nenhum susto, mesmo ele usando bastante o meio virtual. No entanto, a atenção dele está mais voltada para os jogos, e sempre desativamos o chat, que é o verdadeiro perigo nesse ambiente”, conta Pâmela.

É fundamental monitorar as atividades dos jovens na internet, e manter diálogos abertos sobre os riscos / Foto: Reprodução


O caso recente em Maceió, segundo Pâmela, foi um alerta para todas as famílias. “As crianças, de modo geral, possuem sua ingenuidade e, claro, no caso do autismo, esse cuidado deve ser ainda maior. Nesse aspecto, somos bastante rígidos: apenas familiares próximos têm contato direto com nosso filho, e isso também se estende à nossa filha maior”, explica a mãe do pequeno Enzo.

A experiência da família reforça o que especialistas apontam: o ambiente virtual pode ser espaço de aprendizado e conexão, mas também de grandes riscos. O equilíbrio entre privacidade e proteção continua sendo o maior desafio. No fim, mais do que vigiar, o papel da família é estar presente, orientar e criar vínculos de confiança, fatores que podem ser decisivos para evitar que crimes como este se repitam.