
A exploração predatória de sal-gema, levada à frente por anos a fio pela Braskem, afundou cinco bairros de Maceió e deixou marcas estruturais naquela que um dia foi a casa de milhares de maceioenses. Apesar de estar situada na área de risco atingida pelo desastre, a Igreja Batista do Pinheiro (IBP) não afundou.
A falta de rachaduras provocadas pelo crime ambiental não foi suficiente para evitar que o templo fosse interditado pela Defesa Civil de Maceió. Desde dezembro de 2023, durante o episódio da Mina 18, fiéis estão exilados sem poder retornar para o prédio histórico que ainda segue de pé.

Se reunindo temporariamente em uma casa a poucos metros do templo interditado, os fiéis travam uma batalha na Justiça contra a mineradora Braskem a fim de reaver o direito de realizar suas atividades em um território que lhes pertence e o pagamento do aluguel da casa em que se encontram atualmente enquanto durar a interdição.
Atuação contra a Braskem
Desde 2018, quando o crime ganhou contornos mais aparentes, a Igreja Batista do Pinheiro atua como ponto central de mobilização. Sem uma associação de bairro, o templo comandado por Pastor Wellington há 32 anos serviu de base para a Defesa Civil e para a Justiça de Alagoas; e ainda de plenário para sessões de audiência pública do Congresso Nacional e da Câmara de Maceió.

“A igreja organizou movimentos com todos os religiosos para servir de base espiritual e aconselhamento para as lideranças dos bairros. (...) Aqui acabou servindo como uma Associação dos Moradores do Pinheiro, um espaço de acolhimento”, disse o pastor.

O templo que serviu de base para a Defesa Civil de Maceió durante os primeiros momentos do Caso Braskem foi interditado pela mesma. Hoje a relação entre as duas instituições está estremecida após os diversos questionamentos do representante da IBP.
“Não somos negacionistas”
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Pastor Wellington não nega que tenha existido o afundamento do solo em parte de Maceió em decorrência do crime ambiental de autoria da Braskem. No entanto, o líder religioso questiona os recentes investimentos e anúncios realizados pelo poder público em uma área considerada de “alto risco”.
Dentre os questionamentos levantados pelo pastor estão os investimentos da Prefeitura de Maceió em saneamento básico na região, que na teoria, não terá mais habitações; o retorno do VLT para 2027; e o funcionamento da subestação da Equatorial próximo a igreja. A região ainda conta com um alto fluxo de veículos diariamente.
Para o pastor, esses são motivos suficientes para garantir que a Igreja Batista do Pinheiro não esteja de fato em uma situação de risco.
“É uma questão de razoabilidade. Se um território não tem perspectiva de estabilização Se ele vai virar só mato, para que que eu preciso sanear esse território?”, questiona.
A igreja conta, ainda, com um laudo técnico assinado pelo professor Abel Galindo, um dos principais pesquisadores do crime socioambiental da Braskem, atestando a segurança do prédio.
Para o arquiteto e urbanista Dilson Ferreira, a presença de equipamentos públicos e privados afasta a ideia de uma desocupação total do local. O especialista afirma, ainda, que há viabilidade para o retorno dos fiéis ao templo no Pinheiro.
“Já existem estruturas de uso contínuo e prolongado, como o grande alojamento de operários próximo ao CEPA. Isso, de certa forma, já contraria a ideia de ‘desocupação total’ da área, pois mantém uma presença humana constante. Há subestações elétricas funcionando dentro da área, além de estruturas da Defesa Civil, que confirmam que existe hoje um uso institucional e técnico da região”, diz. -
“Segundo os engenheiros contratados pela própria igreja, não foram identificadas rachaduras ou danos estruturais no templo. Uma igreja não é ocupada 24 horas por dia como uma moradia. A utilização ocorre de forma periódica, concentrada em horários de culto e atividades comunitárias. Com a instalação de sensores de solo e de estrutura no entorno e no próprio edifício, o uso da igreja poderia ser viabilizado de forma controlada”, propôs.
Mesmo com a constante presença de trabalhadores da Braskem no local, a Defesa Civil de Maceió, em resposta ao 7Segundos, reforçou que o critério estabelecido durante a análise feita pelo órgão não permite a permanência de pessoas no local.
“Os critérios utilizados nas análises que incluem as regiões de realocação (área 00) no Mapa de Linhas de Ações Prioritárias, que foram estabelecidos pela Defesa Civil Nacional, pela Defesa Civil de Maceió e pelo Serviço Geológico do Brasil e acompanhadas pela força-tarefa do caso (Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Defensoria Pública do Estado, Defensoria Pública da União), não permitem a permanência de pessoas no local de risco”, disse a Defesa Civil por meio de nota.
Sobre as obras da Prefeitura de Maceió em local de iminente desabamento, a Defesa Civil explica que as intervenções visam apenas a permanência temporária de pessoas.
“As intervenções realizadas no local não envolvem a permanência de pessoas na região e sim de uso temporário como para a passagem de veículos com a duplicação da via, como também para a passagem do trem na linha férrea”, disse.

Êxodo de fiéis
Além dos prejuízos econômicos, já que a Igreja Batista do Pinheiro tem que arcar com a manutenção do templo interditado e com a casa onde o grupo se reúne atualmente, a instituição sofre com a perda de fiéis.
Alguns deixaram de frequentar o local pela logística, com a realocação de mais de 60 mil pessoas que foram morar em regiões distintas e afastadas, outros pelo pânico de que o local poderia afundar a qualquer momento.

O templo, instalado no Pinheiro desde 1974, reunia em torno de 600 fiéis antes da desocupação do bairro. Agora, após sete anos do início dos primeiros casos, cerca de 300 pessoas fazem parte desta comunidade.
Entre a administração do templo histórico e a casa temporária, os fiéis ainda têm que lidar com os prejuízos causados por arrombamentos. Em quase dois anos, foram três episódios do tipo que acrescentam ainda mais angústia no cotidiano da comunidade.
Futuro incerto
Com o Plano Diretor de Maceió atrasado há 10 anos, os cinco bairros atingidos pelo afundamento do solo seguem com um futuro incerto. Dilson participa ativamente das discussões sobre o futuro da cidade e garante que o que vem sendo planejado para a região não é claro.
“O novo Plano Diretor de Maceió ainda não foi oficialmente apresentado à sociedade. Nos cadernos preliminares que foram divulgados, a única menção direta aos bairros afetados é a criação de uma ‘Área de Monitoramento’. Não há plano específico para os bairros atingidos. Não existem regras de uso e ocupação do solo definidas, se essas áreas permanecerão abertas ao público ou se terão restrições de acesso, se o monitoramento será público ou privado, nem quais tecnologias, protocolos ou responsabilidades serão utilizados. Isso significa que, do ponto de vista urbanístico, não existe hoje uma diretriz clara para o futuro dos bairros afetados”, disse.
Questionada pelo 7Segundos se a empresa possui um plano de reocupação dos bairros afetados pela mineração após a estabilização do solo, a Braskem se esquivou e preferiu não responder.
Participação popular
A luta da Igreja Batista do Pinheiro é travada de maneira solitária. A grande maioria dos poucos moradores atingidos pelo crime socioambiental pede sua inclusão no programa de compensação financeira e a realocação, movimento contrário dos fiéis.
Apesar da distinção das lutas, o arquiteto e urbanista Dilson Ferreira defende a união da sociedade, sobretudo de especialistas no tema, para discutir o futuro dos bairros afetados.
“Os urbanistas deveriam ter um papel central na discussão sobre o futuro dos bairros afetados, pois são eles que podem projetar alternativas de reocupação, preservação da memória, recuperação ambiental e definição de novos usos para a área. O CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo), com a nova gestão, vem mostrando maior disposição em participar do debate do que em 2022. Ainda assim, sozinho, não tem força para mudar o rumo do processo”, afirmou.
Resistindo dia após dia desde dezembro de 2023, pastor e fiéis da Igreja Batista do Pinheiro permanecem atentos, reivindicando e exigindo o direito à memória e a ocupação do território que faz parte de sua história.
Mesmo com os percalços, o pastor garante que seu grupo é vitorioso por não ceder às pressões da Braskem, empresa que destruiu parte de uma cidade que insiste em esquecer seus algozes.
