Vivendo com HIV: tratamento eficaz e acolhimento ampliam a qualidade de vida em Alagoas

Reportagem mostra como informação, acesso ao SUS e redes de apoio têm transformado o cuidado às pessoas que vivem com HIV no estado

Por Wanessa Santos | 7Segundos

“Medo, insegurança e muitas dúvidas.” Essas foram as primeiras sensações após o impacto do diagnóstico de HIV recebido por Roberto Marinho, hoje com 60 anos, que convive com o vírus há mais de duas décadas. Embora o peso da notícia seja, num primeiro momento, intimidante, ele conta que os desafios foram sendo superados à medida que teve acesso à informação e ao tratamento adequado, realidade possível graças à ampliação dos serviços e do cuidado destinados às pessoas que vivem com HIV em Alagoas.

Além de conviver com vírus há 22 anos, Roberto Marinho da Silva é representante da RNP+ em Alagoas, a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids. E, é a partir dessa atuação, que ele consegue acompanhar de perto a realidade de pessoas recém-diagnosticadas e também de quem já convive com o vírus há mais tempo, oferecendo acolhimento, orientação e apoio emocional.

Evento de Natal promovido pela RNP+ em Alagoas em dezembro deste ano / Foto: Cortesia ao 7Segundos

O trabalho é desenvolvido de forma articulada com serviços de referência do estado, como o PAM Salgadinho, e tem como foco fortalecer redes de cuidado, estimular a adesão ao tratamento e enfrentar o estigma ainda associado à infecção.

O acolhimento, segundo Roberto, é um dos primeiros passos para que a pessoa consiga atravessar o impacto do diagnóstico e iniciar o cuidado de forma consciente. É a partir dessa escuta e do acesso à informação que ele costuma reforçar a principal mensagem para quem acaba de descobrir que vive com HIV. “Você não está sozinha. O tratamento funciona, o SUS garante esse cuidado e é possível ter qualidade de vida”, afirma. Para ele, compreender o diagnóstico como ponto de partida, e não como um fim, é essencial para retomar planos e construir uma nova relação com a própria saúde.

Roberto, à direita, durante entrega de 50 cestas básicas à pessoas que fazem parte da ONG / Foto: Cortesia ao 7Segundos

O HIV é o vírus que compromete o sistema imunológico e, quando não tratado, pode evoluir para a AIDS, fase mais avançada da infecção, marcada pela maior vulnerabilidade do organismo a outras doenças.

Atualmente, o tratamento antirretroviral garante o controle absoluto do HIV, impedindo a progressão da infecção e permitindo que as pessoas mantenham qualidade de vida com acompanhamento regular de saúde. No Brasil, dezembro é marcado por ações de conscientização durante o Dezembro Vermelho, campanha dedicada ao combate ao HIV, à AIDS e a outras infecções sexualmente transmissíveis, com foco na informação, na prevenção, no diagnóstico precoce e no enfrentamento do preconceito.

Você sabe como realmente transmite?

  • Mesmo com tanta informação disponível hoje em dia, há quem ainda pense que é possível adquirir o HIV por meio de situações do convívio cotidiano, como abraço, beijo, o uso do mesmo copo ou banheiro. Esses mitos, no entanto, não correspondem à forma como o vírus é transmitido e ajudam a perpetuar o medo e o preconceito.

    A transmissão do HIV ocorre principalmente por meio de relações sexuais sem preservativo, pelo compartilhamento de seringas ou objetos perfurocortantes

  • contaminados, além da chamada transmissão vertical, que pode acontecer durante a gestação, o parto ou a amamentação, caso não haja acompanhamento e tratamento adequados. Atualmente, existem estratégias eficazes de prevenção, como o uso do preservativo, a profilaxia pré e pós-exposição (PrEP e PEP), além do tratamento contínuo, que permite à pessoa vivendo com HIV alcançar carga viral indetectável, condição em que o vírus não é mais transmitido por via sexual.

Brasil sem transmissão vertical

Uma informação recente vem reforçar os avanços do cuidado em saúde no país. A Organização Mundial da Saúde reconheceu que o Brasil eliminou a transmissão vertical do HIV, resultado do acesso ao diagnóstico no pré-natal, do tratamento adequado durante a gestação e do acompanhamento contínuo das mães e dos bebês pelo sistema público de saúde.

A transmissão vertical é a forma de transmissão de uma infecção da mãe para o bebê.


No caso do HIV, ela pode ocorrer em três momentos: Durante a gestação; no momento do parto ou durante a amamentação.

Isso acontece quando a gestante não é diagnosticada ou não recebe o tratamento adequado. Com o acompanhamento correto no pré-natal, uso de antirretrovirais, definição da melhor via de parto e a substituição do aleitamento materno por fórmula infantil (fornecida pelo SUS), o risco de transmissão é praticamente eliminado.

Por isso, quando se fala em eliminação da transmissão vertical, o foco está no acesso ao diagnóstico precoce, ao tratamento e à assistência contínua, não apenas na gestante, mas também no bebê.

Avanços no tratamento

Sem dúvidas, ao longo dos anos foram inúmeros os avanços da medicina no que diz respeito ao tratamento da AIDS. No início da epidemia, nas décadas de 1980 e 1990, pessoas vivendo com HIV precisavam administrar uma grande quantidade de medicamentos diariamente, muitos deles associados a efeitos colaterais intensos, que impactavam a rotina, o trabalho e a qualidade de vida. Hoje, esse cenário é outro. Os tratamentos são mais eficazes, com menos efeitos adversos e, em muitos casos, resumidos a um ou dois comprimidos por dia, o que permite maior adesão e controle do vírus.

Ainda assim, o sucesso do tratamento não depende apenas do medicamento. De acordo com Roberto Marinho, as demandas da população que vive com o vírus vão muito além dos remédios. Ele conta que essas pessoas chegam até ele bastante fragilizadas, precisando de acolhimento, escuta, informação clara e apoio emocional.

“Ainda lidamos muito com o medo, com o medo do preconceito, com o silêncio dentro da família, com dificuldade no trabalho e, em muitos casos, com sofrimento psicológico. O que mais faz diferença é ter uma rede de apoio. Na RNP+ AL, em parceria com serviços de referência como o PAM Salgadinho, promovemos reuniões, momentos sociais, passeios e até encontros espirituais, porque cuidar da saúde também é cuidar da mente, das relações e da autoestima”, conta o representante da ONG.

Mesmo com os avanços no tratamento e na ampliação do acesso aos serviços, o HIV ainda representa um desafio em Alagoas. De acordo com o Boletim Epidemiológico de HIV e AIDS 2025, do Ministério da Saúde, o estado acumulou 18.525 pessoas vivendo com HIV ou AIDS entre 1980 e setembro de 2025. Somente em 2024, foram 591 novos casos de HIV, sendo 379 deles em Maceió. No mesmo ano, o estado registrou 157 óbitos por AIDS e notificou 162 gestantes vivendo com HIV, o que reforça a importância do diagnóstico precoce e do acompanhamento contínuo na rede pública de saúde.

Onde buscar ajuda?

Em Alagoas, o acesso ao diagnóstico, à prevenção e ao tratamento do HIV é garantido por uma rede de serviços públicos especializados. Em Maceió, o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), localizado no Bloco I do PAM Salgadinho, funciona por demanda espontânea e oferece testes rápidos gratuitos para HIV, sífilis e hepatites virais, além de aconselhamento, orientação em prevenção combinada e acesso à PrEP. O atendimento é sigiloso e voltado ao acolhimento, desde o primeiro contato.

O Hospital Escola Dr. Hélvio Auto é referência estadual no atendimento a HIV/AIDS / Foto: Assessoria

Para os casos que necessitam de acompanhamento contínuo, o estado conta com os Serviços de Atendimento Especializado (SAE), responsáveis pelo acompanhamento clínico e pela dispensação dos medicamentos antirretrovirais. Entre essas unidades está o Hospital Escola Dr. Hélvio Auto, referência no tratamento de pessoas vivendo com HIV e aids, que oferece atendimento multiprofissional, acompanhamento psicológico e assistência integral pelo SUS.

O diagnóstico precoce, o acesso facilitado ao tratamento e a informação correta seguem como os principais caminhos para o controle do vírus, a redução da transmissão e a garantia de qualidade de vida às pessoas que vivem com HIV no estado.