
O uso de medicamentos antidepressivos cresceu 12,4% entre adultos de 29 a 58 anos no Brasil, segundo levantamento da Funcional Health Tech, empresa referência em inteligência de dados em saúde. O estudo, que analisou dados de mais de 2,5 milhões de beneficiários do Benefício Farmácia, comparou os períodos de junho de 2023 a maio de 2024 com junho de 2024 a maio de 2025, revelando uma tendência consistente: antidepressivos já ocupam o segundo lugar entre os fármacos mais consumidos, atrás apenas dos antibióticos.
No mesmo período, o consumo de ansiolíticos apresentou queda de 10,6%, sinalizando não apenas mudança nos padrões de prescrição, mas também na forma como pacientes e médicos têm encarado os tratamentos de saúde mental.
O dado não é isolado. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do IBGE, 10,2% dos brasileiros adultos já receberam diagnóstico médico de depressão, e quase metade (48%) faz uso de antidepressivos. Esse movimento reforça a percepção de que o país atravessa uma transformação na forma de lidar com o sofrimento psíquico.
A saúde mental no centro da sociedade
O diretor médico da Funcional Health Tech, Alexandre Vieira, explica que os números refletem tanto os efeitos de um estilo de vida marcado por jornadas extenuantes, estresse, violência urbana e insegurança econômica, quanto uma mudança cultural significativa:
“Falar sobre saúde mental e buscar tratamento deixou de ser tabu para boa parte da população. Esse crescimento aponta para uma sociedade mais consciente da importância de cuidar da mente, e não apenas do corpo.”
O psiquiatra arapiraquense Danilo Bastos reforça essa leitura, destacando que a curva ascendente pode ser vista por dois prismas:
— De um lado, sinaliza avanços no reconhecimento dos transtornos mentais, redução do estigma e maior acesso ao tratamento.
— De outro, reflete também o aumento do sofrimento coletivo, potencializado pela pandemia, pela pressão do trabalho e pelas desigualdades sociais.
“É importante lembrar que os antidepressivos não tratam apenas a depressão, mas também ansiedade e transtorno obsessivo-compulsivo. Portanto, o aumento de consumo não significa necessariamente excesso ou erro: pode significar mais pessoas recebendo tratamento adequado”, afirma Bastos.


OLHAR CLÍNICO X OLHAR ESTRUTURAL
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O Dr. Danilo Bastos chama atenção para a necessidade de uso criterioso dos antidepressivos. “No consultório, percebo maior procura desde a pandemia, com queixas de ansiedade, humor deprimido e distúrbios do sono. Vejo também pessoas buscando ajuda mais cedo, o que melhora os desfechos. Mas o foco deve ser sempre a qualidade da indicação, a dose, a duração e o acompanhamento.” Ele alerta ainda para os riscos de medicalizar lutos e tristezas normais, de suspender o medicamento de forma abrupta e da polifarmácia, especialmente no uso prolongado de benzodiazepínicos.
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Paralelamente, os números revelam que a medicalização ganhou protagonismo em detrimento de terapias complementares. Pesquisas apontam que 18,6% foi o aumento no consumo de psicofármacos nos últimos dois anos no Brasil, com 74% desse volume representado por antidepressivos. Esse dado expõe tanto o avanço do diagnóstico quanto a insuficiência de políticas públicas que garantam acesso à psicoterapia, acompanhamento multiprofissional e suporte comunitário. O medicamento aparece, muitas vezes, como o recurso mais rápido e disponível.
Um fenômeno em construção
O crescimento do uso de antidepressivos é um retrato fiel de uma sociedade em transição: mais aberta ao diálogo sobre saúde mental, mas também mais pressionada por fatores de risco. A medicalização, quando bem indicada, representa acesso a tratamento e melhora de qualidade de vida. Mas, quando se torna única via, pode reduzir a complexidade da saúde mental a uma prescrição.
O desafio coletivo
Para o psiquiatra Danilo Bastos, o futuro passa pela integração de estratégias: medicamentos, sim, mas também psicoterapia, higiene do sono, atividade física e suporte social. “O aumento do consumo de antidepressivos não é, por si só, uma boa ou má notícia. Ele pode indicar tratamento mais oportuno, desde que acompanhado de avaliação criteriosa, seguimento próximo e integração com outras formas de cuidado”, resume.
No horizonte, o Brasil precisa investir em políticas públicas que ampliem o acesso a medicamentos, e também às redes de cuidado psicossocial, fortalecendo uma visão integral do ser humano. Afinal, saúde mental não é apenas ausência de doença, mas presença de bem-estar e de condições sociais mais justas.