Faleceu na manhã desta segunda-feira (8) o historiador, folclorista, escultor e guardião da memória popular arapiraquense, Zezito Guedes, aos 89 anos. A notícia sacode a cidade e, com ela, a certeza de que se vai um daqueles raros “detentores de saberes” cuja vida se confundia com a história cultural dea Capital do Agreste. Cabe, agora, à própria cidade transformar a homenagem anunciada em memorial vivo, um tributo a quem tanto deu de si em vida.
A perda é grande. Mas talvez o maior legado de Zezito resida na semente da memória, no resgate da identidade local, um patrimônio que, acredita-se, continuará a ecoar.
O LEGADO PLURAL DO HOMEM DA CULTURA POPULAR
Zezito Guedes era aquilo que se costuma chamar de “homem de ofício e vocação”: protético, escultor, poeta, pesquisador e historiador. De nome batismal José Gomes Pereira, nascido em Juru (Paraíba), foi acolhido por Arapiraca desde os seis anos de idade, e foi nessa terra que plantou raízes profundas, tornando-se um símbolo da cultura do Agreste alagoano.
Entre seus feitos, destacam-se as obras "Arapiraca Através do Tempo" e "Cantigas das Destaladeiras de Fumo", nas quais registrou a história, o cotidiano, os cantos e as crenças do povo simples, das raízes e do labor. Várias micro-monografias junto à Fundação Joaquim Nabuco ampliaram sua contribuição, transformando-o em referência entre folcloristas e historiadores. Em 2013, recebeu com justiça o título de Patrimônio Vivo da Cultura Alagoana, honraria de profundo significado simbólico e cultural.
Seu olhar, singular e sensível, permitiu a preservação de lembranças e deu forma, voz e alma à memória coletiva de Arapiraca.
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VIDA E OBRA
Desde jovem, Zezito exerceu ofícios para garantir o sustento: trabalhou como protético. Mas não se contentou com a técnica: buscou a arte e nela encontrou sua vocação. Aos 15 anos começou a trabalhar com gesso. Com cerca de 30, descobriu a escultura em madeira, ferro e pedra. Suas peças foram expostas em salões de arte por todo o Brasil, e nele recaíram reconhecimentos importantes: destaque no 1º Salão Nacional de Artes Plásticas no Rio de Janeiro (1978), assim como no Salão de Artes Global, no Recife.
Paralelamente, dedicou-se à pesquisa: a partir da observação atenta da vida arapiraquense, registrou saberes orais, tradições e expressões populares. No campo da literatura e pesquisa histórica, consolidou um legado com valor documental e simbólico, especialmente relevante para as gerações futuras que buscam conhecer sua própria origem.
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O MUSEU E SUA MISSÃO
Inaugurado em 2009, o Museu Zezito Guedes ocupa o antigo prédio da Prefeitura, na Praça Luiz Pereira Lima, no centro de Arapiraca, um espaço tão simbólico quanto geográfico. Ao longo de seus anos de existência, construiu um acervo rico: objetos pessoais de Zezito, fotografias, obras produzidas por ele, registros da história urbana e social de Arapiraca, e materiais que revelam a formação cultural da comunidade.
Agora, diante de sua partida, o museu assume papel ainda mais representativo: além de abrigar o patrimônio físico, o prédio converte-se em monumento à identidade de uma cidade, testemunha da história de seu patrono e, sobretudo, farol para a preservação da memória coletiva.
A partida de Zezito Guedes é dolorosa, sobretudo para quem, como ele, dedicou a vida a preservar a história do povo arapiraquense. A saudade provavelmente será grande: dos contos, dos causos, das lembranças, dos versos, da escultura, da pesquisa, da voz que evocava a alma de um povo. Mas mais do que lacuna, o que fica é a responsabilidade, de familiares, de amigos, de pesquisadores, de governantes e da própria sociedade, de manter viva essa herança.
Que o Museu Zezito Guedes, e, principalmente, sua missão de registrar, difundir e celebrar as histórias de Arapiraca e da cultura popular, continue a ser espaço de encontro, memória e identidade.
Que este adeus não signifique silêncio. Que a voz de Zezito, por meio de suas obras e do museu, ecoe por muitas gerações.

