Entrar em um novo ano carregando dívidas é uma realidade comum para milhões de brasileiros. Cartões de crédito estourados, empréstimos com juros elevados, contas atrasadas e a constante sensação de que o dinheiro acaba antes do mês terminar formam um cenário que compromete não apenas o orçamento, mas também a saúde mental e a qualidade de vida.
Dados recentes divulgados pela Serasa, mais de um milhão de alagoanos estão inadimplentes com o pagamento de contas. Segundo o órgão de proteção de crédito, do número total, mais de 557.989 mil pessoas têm dívidas bancárias.
Para 2026, o desafio permanece. Mesmo com expectativas de redução gradual da taxa Selic, os juros no Brasil seguem entre os mais altos do mundo, pressionando quem depende de crédito para equilibrar as contas. O economista e professor do Senac/AL, José Renan Laurentino, alerta que o cenário exige ainda mais atenção. “Juros altos sempre formam a realidade do Brasil. Mais importante que qualquer cenário econômico é você trabalhar dentro da sua renda, dentro do seu orçamento mensal”, afirma.
Ao mesmo tempo, mudanças estruturais como a reforma tributária trazem impactos mistos. A promessa de isenção de impostos sobre a cesta básica pode aliviar parte do orçamento das famílias, mas outros produtos e serviços devem manter preços elevados. Isso significa que não haverá milagres: organização financeira continuará sendo palavra de ordem.
É nesse contexto que histórias como a de Jorge Ferreira, de 31 anos, se tornam emblemáticas. Endividado em três cartões de crédito, com parcelas do veículo em atraso, gastos emergenciais com manutenção e um empréstimo digital com juros abusivos, ele decidiu que 2026 precisa ser diferente. “A primeira coisa que fiz foi anotar tudo que eu devo e o que eu ganho pra tentar acabar com as dívidas e aproveitar mais meu salário e minha vida”, relata.
Especialistas são unânimes ao afirmar que sair das dívidas é possível, mas exige método, disciplina e mudança de comportamento. Mais do que cortar gastos pontuais, trata-se de reconstruir a relação com o dinheiro, passo a passo.
Sair das dívidas é possível, mas exige método, disciplina e mudança de comportamento
CRÉDITO, JUROS E DISCIPLINA: O QUE MUDA EM 2026
O crédito continuará disponível em 2026, mas usá-lo sem planejamento pode aprofundar o endividamento. José Renan Laurentino reforça que o crédito não é vilão, desde que utilizado de forma estratégica. “Não é uma coisa ruim, é uma coisa boa, só que você precisa ter um comportamento mais disciplinado”, explica.
O problema começa quando o consumidor passa a enxergar o crédito como extensão da renda. Parcelamentos longos, limites elevados e facilidade de contratação escondem o verdadeiro custo das compras. Na prática, parte do salário futuro já está comprometida antes mesmo de cair na conta.
Segundo Laurentino, ao assumir parcelas, o consumidor precisa agir com cautela redobrada. “Se você pegou um crédito e está dividindo em parcelas, você já sabe que sua renda está comprometida. Então, comece a ter cuidado para não adquirir mais crédito e não se endividar descontroladamente”, alerta.
Outro ponto sensível é a busca por soluções rápidas. Promessas de ganhos fáceis, investimentos milagrosos e empréstimos “sem burocracia” costumam esconder armadilhas financeiras. “Muito cuidado com golpes e com ganhos rápidos. Esses lobos em pele de cordeiro podem persuadir a pessoa a investimentos pouco confiáveis”, reforça o economista.
Nesse cenário, educação financeira deixa de ser luxo e passa a ser necessidade básica. Laurentino defende que o tema seja tratado como política pública permanente. “Quando isso é discutido em casa, na escola e nos ambientes sociais, ajuda muito. A pessoa cresce com noção de planejamento, controle e escolhas mais racionais.”
COMO SAIR DAS DÍVIDAS NA PRÁTICA
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O primeiro passo: encarar os números
Para o consultor e educador financeiro Nairan Custódio, também alagoano, o ponto de partida é sempre o mesmo: olhar de frente para a realidade financeira. “O ideal é dar um passo para trás e ver o que causou esse endividamento”, orienta.
Anotar todas as dívidas, valores, juros e prazos é uma etapa indispensável. Muitos endividados erram ao subestimar quanto devem ou quanto gastam. “Muita gente não olha para a própria renda e conta com a cabeça, quando deveria contar com a matemática”, explica Nairan.
Uma estratégia eficiente é começar pelas dívidas de menor valor. Além de aliviar o orçamento, isso gera um efeito psicológico positivo. “Ao completar pequenas metas financeiras, nos sentimos bem, e isso nos dá gás para cumprir as próximas”, afirma o especialista, citando estudos das finanças comportamentais.
Outro erro recorrente é o uso indiscriminado do cartão de crédito. “O cartão pode ser seu amigo ou seu inimigo. Se sua renda é de cinco mil reais e você faz uma compra de três mil parcelada, sua renda real nos meses seguintes já não é a mesma”, alerta.
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Orçamento, método e hábito
Antes mesmo de renegociar dívidas ou buscar renda extra, Nairan defende a construção de um orçamento sólido. “Pense na sua renda como um bloco anual. Inclua décimo terceiro, PLR, rendas variáveis. Depois, defina quanto vai para gastos fixos, variáveis e lazer.”
Embora trabalhoso, esse processo é libertador. Com metas claras, a tendência de extrapolar diminui. Além disso, o fim e o início do ano costumam trazer boas oportunidades de renegociação. “Muitos bancos oferecem descontos nesse período, então não é motivo para desespero”, pontua.
Ferramentas simples fazem diferença: planilhas, aplicativos de controle de gastos ou até anotações em papel. O mais importante é a constância. “Escolha um método e siga por pelo menos três meses. O hábito é mais poderoso do que a ferramenta”, destaca.
Métodos como o 50-30-20 podem ajudar, mas Nairan defende adaptações à realidade de cada família. “Eu acredito que pelo menos 10% da renda precisa ser destinada ao lazer. Dinheiro é meio para um fim, não só obrigação.”
SEGURANÇA FINANCEIRA E VIDA MAIS TRANQUILA
O medo de emergências financeiras é um dos maiores fantasmas de quem vive endividado. Jorge Ferreira resume bem esse sentimento. “Não tenho reserva de emergência e tenho muito medo de precisar de dinheiro com urgência, principalmente para algo ligado à saúde”, confessa.
Para os especialistas, a reserva de emergência é um divisor de águas. Nairan recomenda acumular de três a nove meses da renda mensal, mesmo que isso comece de forma modesta. “Comece guardando 5% da renda. O importante é começar”, orienta.
Ter esse colchão financeiro reduz o estresse, evita novos empréstimos e dá autonomia para lidar com imprevistos sem desespero. É um passo fundamental para transformar a relação com o dinheiro e alcançar uma vida mais tranquila.
Mais do que números, 2026 pode representar uma virada de chave.
Com informação, disciplina e escolhas conscientes, é possível sair do vermelho, retomar projetos e viver com menos medo do amanhã. Como resume Nairan Custódio: “Não subestime o poder do hábito. Mãos à obra, e no bolso, para o ano que vem”.
COMO NEGOCIAR DÍVIDAS DA FORMA CORRETA:
Negociar dívidas pode parecer intimidador, mas existe um processo claro, estratégico e eficaz que aumenta suas chances de sucesso sem comprometer ainda mais seu orçamento. Veja como fazer isso, etapa por etapa:
Levantamento completo das dívidas: antes de qualquer conversa, saiba exatamente quanto você deve, para quem e sob quais condições. Consulte serviços como Serasa, SPC e até o Registrato do Banco Central para obter uma lista detalhada dos débitos em seu nome. Faça uma planilha com credores, valores originais, valores atualizados com juros, taxas e prazos de vencimento. Isso dá clareza sobre onde você está e qual é a sua real capacidade de negociação.
Avaliação da sua capacidade de pagamento: com base nas suas despesas essenciais (alimentação, moradia, contas fixas) e na sua renda líquida, determine quanto você pode realisticamente comprometer para pagar dívidas sem comprometer o básico. Especialistas recomendam não comprometer mais do que cerca de 30% da renda líquida com dívidas.
Contato com credores pelos canais oficiais: inicie a negociação diretamente com bancos, financeiras ou através de plataformas oficiais como o Serasa Limpa Nome ou Desenrola Brasil. Seja transparente sobre sua situação, demonstrando que quer pagar, mas precisa de condições que caibam no seu orçamento.
Proposta realista e estruturada: ao apresentar sua proposta, seja claro sobre o valor e o prazo que você pode pagar. Se o credor oferecer parcelas que estão acima da sua capacidade, não tenha receio de apresentar uma contraproposta com valores menores ou prazos mais longos que se ajustem ao seu orçamento.
Negociação de juros e prazos: peça formalmente redução de juros, suspensão de multas ou alongamento de prazos. Muitas instituições estão dispostas a rever esses termos para evitar que a dívida continue crescendo e fique ainda mais difícil de pagar.
Documentação de tudo que for acordado: nunca aceite verbalmente. Exija que toda proposta e acordo seja formalizado por escrito, seja por e-mail, aplicativo ou contrato digital, para garantir que os termos negociados sejam cumpridos e não gerem problemas futuros.
Registro e acompanhamento: mantenha registros de todas as comunicações e acordos, como números de protocolo, datas e nomes de atendentes. Após firmar um acordo, acompanhe os pagamentos para garantir que tudo está sendo processado corretamente e que sua pontuação de crédito seja atualizada conforme o acordo.
Esse passo a passo torna a negociação mais objetiva e aumenta a probabilidade de fechar acordos que aliviem seu orçamento, reduzam encargos e aproximem você de uma vida financeira equilibrada em 2026.

