Claudemir Calixto
O abraço hediondo de Drauzio Varella em Suzy
Texto originalmente publicado em rede social

Tenho me pronunciado pouco em redes sociais, visto que este é, essencialmente, o ambiente do achismo, das verdades alheias e privadas, e, claro, é o campo para o endosso da pós verdade, que é o que configura as narrativas desse tempo novo. É preciso saber usar as ferramentas que desenvolvemos. Infelizmente, não obstante a utilização destes espaços sociais de discussão para fins positivos, as redes são campos de guerras sem códigos, sem humanização. Veja: até mesmo nas lutas armadas entre nações há códigos que precisam ser respeitados. Honrar o adversário ou inimigo, seja ele de pensamento ou de fronte, é um modo de honrar a nós mesmos. E muito por isso, tenho me reservado ao direito de falar pouco nestes espaços. Porém, sobre a repercussão dos últimos dias, envolvendo o médico Drauzio Varela e a detenta Suzy, quero chamá-los a uma reflexão:
Antes, preciso explicar que, durante os 14 anos de minha vida pública, dedicados à garantia de direitos de Crianças e Adolescentes, fui derrubado emocionalmente inúmeras vezes quando me deparei, no exercício da função, com crimes hediondos cometidos contra crianças de todas as idades. Estupro, por exemplo, ainda que não tire a vida da vitima ou lhe cause maiores gravidades físicas, é considerado crime hediondo. De modo que, é impossível não querer desejar para alguém que tenha cometido uma atrocidade desta natureza, o cárcere. Não conseguimos conceber que esta pessoa seja humana.
Pois bem, isto é um fato, e acredito que ninguém pense diferente, inclusive eu. Por isso, espero que Suzy pague por seu crime, cumpra cada segundo de sua pena. As vezes, penso que a pena ainda seja mínima diante da covardia praticada por ela contra a criança, sua vítima; diante da sensação de pavor e medo que essa criança certamente sentiu; e diante do gigantesco sofrimento dos pais e toda sua família e vizinhança, e da incompreensão e revolta de todos nós que, recentemente, acabamos também sendo informados desta terrível história e, como não poderia ser diferente, de igual modo, fomos atingidos em alguma medida pelo ocorrido. Isso é também um fato e, quanto a isso, não há o que se contestar.
Todavia, é preciso fazer algumas reflexões. Eu não abraçaria Suzy, sabendo agora que ela cometeu este crime hediondo. O faria se não soubesse. Outro ponto é que Suzy está cumprindo sua pena. Tenho a impressão de que há uma escalada de ódio nas pessoas que, embora elas não percebam, em alguns aspectos, as alinha à falta de humanidade de uma criminosa como a Suzy. Veja: toda essa revolta se deu, extamante, porque um médico, que acima de tudo tem a obrigação de ser empático com seus pacientes, e isso, naturalmente, se estende a todas as pessoas, abraçou uma criminosa que cometeu um crime – hediondo, repito – numa espécie de consulta. Diga-se de passagem, um abraço de compaixão.
Penso que ele, Dr. Druazio, não deveria ter sido achincalhado, de nenhum modo, ainda que soubesse do crime cometido por Suzy e a tivesse abraçado, mesmo assim, como fez. Vivemos, penso, no tempo em que tendemos a punir as pessoas, quando não de forma precoce, lhes negando garantias essenciais expressos pela constituição e o estado democrático de direito – e endosso, este não é o caso da Suzy, que foi condenada de forma justa pelo crime hediondo que cometeu contra uma criança indefesa – de forma inconstitucional e desumana, como uma espécie de condenação para além da própria condenação.
Esta repercussão, ao meu ver, toda equivocada, baseada em princípios primitivos, serve a outros ataques contra direitos e garantias individuais de minorias, como as travestis, por exemplo, que foram apresentadas na matéria como integrantes de um grupo social que vive à margem da sociedade, em virtude da sua condição e do preconceito que sofrem. E isso é também uma verdade incontestável.
Portanto, é preciso muito cuidado em casos como esse. Fiquei pensando comigo: espera um pouco, Dr. Drauzio levou todo mundo (as pessoas que se colocaram contra) a abraçar Suzy no seu abraço individual de compaixão? E como não poderia deixar de pensar também, martelou na minha cabeça, e ainda martela: o que Jesus faria no lugar de Drauzio? Como ele nos veria diante da reação de repúdio nossa em virtude do abraço do médico? E para fechar, ainda estou me perguntando: o que mais nos falta: civilidade, amor ou humanidade?
Sobre o blog
Comunicador, cronista, poeta e contista alagoano. Cofundador do coletivo artístico Projeto PAIOL. Graduando em Letras pela Universidade Federal de Alagoas.
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