Blog do André Avlis
Atual repercussão do 'caso Cuca' mostra como o crime foi tão bem ignorado durante anos
Técnico anunciou sua saída do Corinthians após classificação na Copa do Brasil contra o Remo
Um modus operandi que indica como o futebol é reflexo da sociedade.
Vivemos num país machista, patriarcal e misógino.
Imaginemos então, em 1987, o futebol e o jornalismo sendo comandados por homens (nos últimos anos têm mudando, ainda bem!) que de forma eminente produziam para atender o pensamento do público consumidor de homens.
A presença de mulheres em redações e no ambiente futebolístico era quase - ou totalmente - nula. Logo, não tinham espaços ou voz.
Cuca foi condenado a 15 meses de prisão pela Justiça da Suíça em 1989, em Berna, no país europeu. Antes disso ficou 30 dias recluso antes de voltar para o Brasil. Não cumpriu pena porque o país não extradita seus cidadãos. O crime prescreveu em 2004.
Segundo o advogado da vítima, desmentindo o que disse o treinador há poucos dias, a garota o reconheceu e foi encontrado sêmen do então jogador na menina.
Na época do crime, a mídia brasileira pecou por omissão e por sugerir coisas asquerosas contra uma garota de 13 anos. Tratando Cuca e os envolvidos como "injustiçados". Além de publicarem fotos da garota depreciando sua aparência. Entre os jornais que atuaram de forma desumana estão o Correio do Povo e Zero Hora.
O crime foi normalizado e os quatro envolvidos seguiram suas vidas sem dar mais explicações e nunca sendo questionados. Um mecanismo que durante anos abafou e ocultou esse episódio. Fazendo com que ele quase fosse esquecido. Quase.
Estou na imprensa esportiva há quase sete anos e me ponho como exemplo desse modus operandi criado para silenciar. Só tomei conhecimento do caso em 2020, logo após Robinho (também condenado por estupro), ser recusado pelo Santos, que tinha Cuca como treinador.
Inclusive, após o técnico passar pelo time que torço - observem como o missão dos ocultadores foi bem feita. Trabalhando em outros clubes que também ignoraram a situação.
Entendo o questionamento de quem usa a narrativa de o "por que só agora?", embora seja uma indagação que normalize, minimize e relativize a situação que em qualquer lugar é tratada como detestável. Colocando assim, a vítima como um objeto.
Cuca errou, o Jornalismo falhou e o futebol segue sendo reflexo da sociedade. Ainda que - e ainda bem - haja evolução para que erros passados não se repitam no futuro. E sejam questionados no presente.
E quando você se perguntar de o "por que agora?", perceba que você também foi marionete de um sistema, através do pacto masculino, que silencia e abafa aquilo que deveria ser dito e elucidado.