Bolsonaro se engana em versão sobre funcionária fantasma revelada pela Folha
Presidente eleito vem dando diferentes e conflitantes versões sobre a assessora
Diferentemente do que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) afirmou nesta segunda-feira (29) em entrevista ao Jornal Nacional (TV Globo), a Folha não mentiu sobre a funcionária fantasma de seu gabinete.
Como deputado federal, ele usou dinheiro da Câmara dos Deputados para pagar o salário da assessora Walderice Santos da Conceição, que vendia açaí na praia e prestava serviços particulares a ele em Angra dos Reis (RJ), onde tem casa de veraneio.
Desde a primeira reportagem, publicada em 11 de janeiro, Bolsonaro vem dando diferentes e conflitantes versões sobre a assessora para tentar negar, todas elas não condizentes com a realidade.
Ao Jornal Nacional, ele disse que a assessora estava em férias quando o jornal visitou o local pela primeira vez, em janeiro, e não disse, porém, que a Folha retornou ao local em agosto e comprou das mãos da funcionária um açaí e um cupuaçu durante horário de expediente da Câmara.
“Tem uma senhor de nome Walderice, minha funcionária, que trabalhava na vila histórica de Mambucaba, e tinha uma lojinha de açaí. O jornal Folha de S.Paulo foi lá neste dia 10 de janeiro fez uma matéria e a rotulou de forma injusta como fantasma. É uma senhora, mulher, negra e pobre. Só que nesse dia 10 de janeiro, segundo boletim administrativo da Câmara de 19 de dezembro, ela estava de férias.”
A Folha esteve na pequena Vila Histórica de Mambucaba em duas oportunidades.
A primeira foi em 11 de janeiro, durante o recesso parlamentar, a reportagem ouviu de diversos moradores, em conversas gravadas, que Walderice não tinha ligação com a política, prestava serviços na casa do parlamentar e tinha como atividade principal a venda de açaí e cupuaçu, em uma loja que inclusive leva o seu nome, “Wal Açaí”.
Segundo pelo menos quatro depoimentos gravados com moradores da região, o marido dela, Edenilson, era caseiro do imóvel de veraneio do então deputado, que mora na Barra Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.
As portas do estabelecimento "Wal Açaí", na mesma rua, foram fechadas às pressas assim que se espalhou a informação sobre a presença de repórteres na região.
Neste dia, a Folha encontrou com Bolsonaro, por acaso, no local e convidou o jornal a visitar a sua casa - quem estava com chaves era exatamente o marido de Walderice.
Na ocasião, Bolsonaro deu diversas explicações sobre a funcionária, mas em nenhum momento disse que ela estava de férias, argumentação que veio meses depois.
Na segunda oportunidade, em 13 agosto, a Folha retornou à vila e comprou das mãos de Walderice um açaí e um cupuaçu, em horário de expediente da Câmara. O presidente eleito omitiu essa informação na entrevista ao Jornal Nacional.
À reportagem, Walderice afirmou naquele dia trabalhar no local todas as tardes. Antes de se identificar como repórteres, a Folha conversou com Walderice na pequena loja de açaí onde ela trabalha. Ela chegou a comentar o debate da TV Band em que o candidato do PSol, Guilherme Boulos, questionou Bolsonaro sobre o assunto.
"Ele [Boulos] disse que o Jair tinha uma funcionária fantasma." Em resposta à pergunta da Folha sobre quem era, Walderice afirmou: "Sou eu."
Minutos depois de os repórteres se identificarem e deixar a cidade, ela ligou para a Sucursal da Folha em Brasília afirmando que iria se demitir do cargo.
O então candidato confirmou sua demissão e disse que o "crime dela foi dar água para os cachorros".
Segundo as regras da Câmara, a pessoa que ocupe o cargo de secretário parlamentar, o caso de Walderice, precisa trabalhar exclusivamente para o gabinete no mínimo oito horas por dia.
A secretária figurou desde 2003 como um dos 14 funcionários do gabinete parlamentar de Bolsonaro, em Brasília. Seu último salário, foi, bruto R$ 1.416,33 .
Na noite desta segunda (29), um dia depois de ser eleito, Bolsonaro voltou a atacar a Folha por causa de Walderice.
“Ações como essa, por parte de uma imprensa, que mesmo a gente mostrando a injustiça que cometeu com uma senhora, ao não voltar atrás, logicamente que eu não posso considerar essa imprensa digna. Não quero que ela acabe. Mas, no que depender de mim, da propaganda oficial do governo, imprensa que se comportar dessa maneira, mentindo descaradamente, não terá apoio do governo federal (...) Por si só, esse jornal se acabou. Não tem prestígio mais nenhum, quase todas fake news que se voltaram contra mim, partindo da Folha de S. Paulo, inclusive, a última matéria, onde eu teria contratado, né, empresas fora do Brasil, via empresários aqui para espalhar mentiras sobre o PT. Uma grande mentira, mais uma fake news do jornal Folha de S. Paulo, lamentavelmente.”
A fala dele foi seguida de defesa de William Bonner, âncora do telejornal, que defendeu a Folha.
"Como editor-chefe do Jornal Nacional, eu tenho um testemunho a fazer. Às vezes, eu mesmo achei que críticas que o jornal Folha de S.Paulo tenha feito ao Jornal Nacional me pareceram injustas. Isso aconteceu algumas vezes. Mas para ser justo do lado de cá, eu preciso dizer que o jornal sempre nos abriu a possibilidade de apresentar a nossa discordância, apresentar os nossos argumentos, aquilo que nós entendíamos ser a verdade. A Folha é um jornal sério, um jornal que cumpre um papel importantíssimo na democracia brasileira. É um papel que a imprensa profissional brasileira desempenha e a Folha faz parte desse grupo da imprensa profissional brasileira".