Autistas nas universidades e o longo e difícil caminho na educação básica inclusiva

Adaptação de atividades, profissional de apoio, plano educacional individual: saiba quais os deveres das escolas para incluir, de verdade, alunos autistas

Por Wanessa Santos |

Há poucos dias do início do ano letivo 2025 em Alagoas, tanto na rede pública quanto na privada, familiares e cuidadores de crianças e jovens com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) já começam a se preocupar. Ocorre que, apesar das leis de inclusão, que garantem a esses jovens o direito a estudar em qualquer escola regular do país, na prática, nem sempre esse público é, de fato, incluído nas atividades escolares. Sendo assim, um futuro ingresso de um indivíduo autista em uma universidade, muitas vezes, acaba sendo uma guerra solitária travada entre a família e a pessoa com TEA, versus todo um sistema que, na realidade, não funciona.

Mesmo assim, chegar ao ensino superior é um sonho que temos visto muitos jovens autistas conquistarem. Recentemente José Emanuel, um jovem autista alagoano atingiu uma pontuação de 840 na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Importante frisar que Emanuel é paciente da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), onde faz tratamento para desenvolver suas habilidades, algo que é fundamental para que a pessoa autista conquiste sua independência.

José Emanuel conquistou uma pontuação de 840 na redação do Enem 2024 / Foto: Reprodução

Outro caso que repercutiu bastante no estado, no ano de 2024, foi do Davi Ramon da Silva Santos, de 21 anos, autista nível 1 de suporte, que foi aprovado no curso de medicina pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal). O jovem, apesar de ter apresentado os laudos que atestam o TEA, acabou sendo impedido de realizar a matrícula devido à banca biopsicossocial da instituição considerar que o aluno não estaria apto para ocupar uma das vagas para pessoas com deficiência. O caso segue tramitando na justiça.

Davi Ramon da Silva Santos, de 21 anos, teve a entrada barrada pela banca que valida a autodeclaração

Como é possível constatar, os desafios de pessoas autistas para ter acesso à educação de qualidade ultrapassam os limites da aceitação de matrícula e de adaptação em ambiente escolar. Conhecer profundamente os direitos e as leis que os asseguram é parte fundamental para que se possa evitar situações de abuso e negligência, também em escolas e universidades.

O que dizem as leis?

  • No Brasil duas leis foram fundamentais para assegurar os direitos de pessoas com deficiência, mais especificamente pessoas autistas. São elas:

    - Lei Berenice Piana
    – LEI Nº 12.764, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2012, que dentre outros pontos, define punição para gestor escolar ou autoridade que negar matricula ao aluno com Transtorno do Espectro Autista.

    - Lei Brasileira de Inclusão LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015 que garante inclusão no sistema educacional em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida e oferta de profissionais de apoio escolar.

    Apesar disso, vemos dia após dia crianças autistas sendo impedidas de frequentar as aulas por inúmeros motivos, um dos mais frequentes é a falta desse profissional de apoio, que deve ser fornecido pela escola, seja pública ou privada, sem que haja nenhuma cobrança financeira para a família.

    Em outros casos, o auxiliar exclusivo até existe, porém, as atividades escolares não são adaptadas para aquele indivíduo, e ele acaba não tendo condições de acompanhar a sua turma, ficando, em muitos casos, retido naquela série.

    Em teoria, segundo preconiza a Lei Brasileira de Inclusão, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, e a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, com relação à adaptação de atividades escolares, as escolas são obrigadas a fornecer condições adequadas para o aprendizado de alunos com TEA. E isso inclui:

    1. Plano Educacional Individualizado (PEI):

    As escolas devem elaborar um plano de ensino personalizado, que considere as necessidades específicas de cada aluno autista. Esse plano pode incluir adaptações curriculares, metodologias diferenciadas e objetivos de aprendizagem ajustados;

    2. Apoio de profissionais especializados:


    A presença de profissionais como psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos e professores de apoio é essencial para auxiliar no desenvolvimento do aluno e na adaptação das atividades;

  • 3. Adaptação de materiais e recursos pedagógicos:

    As escolas devem utilizar recursos visuais, tecnologias assistivas e outros materiais adaptados para facilitar a compreensão e a participação dos alunos autistas;

    4. Ambiente inclusivo e acessível:


    A estrutura física da escola e a organização das salas de aula devem ser adaptadas para garantir conforto e segurança, evitando estímulos sensoriais excessivos que possam causar desconforto;

    5. Formação continuada dos professores:


    A capacitação dos educadores é fundamental para que possam entender as particularidades do TEA e aplicar estratégias pedagógicas eficazes;

    6. Flexibilização de avaliações:


    As avaliações devem ser adaptadas conforme as necessidades do aluno, podendo incluir métodos alternativos de verificação de aprendizagem, como atividades práticas, projetos ou avaliações orais;

    7. Parceria com a família:


    A escola deve manter um diálogo constante com a família do aluno autista, para alinhar expectativas e estratégias que favoreçam o desenvolvimento educacional e social.

    Em resumo, as escolas brasileiras têm o dever legal e ético de adaptar suas práticas pedagógicas e estruturais para garantir que crianças e jovens autistas tenham acesso a uma educação de qualidade, em igualdade de condições com os demais alunos. Infelizmente, na prática, as unidades educacionais relatam que há falta de recursos e necessidade de maior capacitação dos profissionais da educação para que todas as medidas sejam, de fato, implementadas.

Ajuda de Quem Entende

Para auxiliar famílias de crianças e jovens autistas a entenderem melhor os seus direitos, um grupo de pessoas, todas elas envolvidas de alguma maneira com a causa autista, resolveu criar a Associação Alagoana de Autismo. O grupo, que conta atualmente com cerca de 450 membros, é composto por profissionais de diversas áreas e também por familiares de pessoas com TEA, que difundem informações importantes e auxiliam aqueles que têm dúvidas sobre o assunto.

Andreia Melo, Diretora/Presidente da Associação

Andreia Melo, Diretora/Presidente da Associação, que atualmente caminha para se transformar em Instituto, falou ao 7Segundos sobre a atuação e os desafios do grupo.

Uma das ações mais recentes, e que foi um grande sucesso, foi uma live promovida pela Associação em que o assunto da educação inclusiva foi amplamente abordado. Andreia conta que, durante a transmissão ao vivo, foi possível responder as principais dúvidas e questionamentos de famílias atípicas que interagiram ativamente com as palestrantes, que incluiu a Dra. Nielle Barros, advogada e vice diretora jurídica do grupo.

Faça valer os seus direitos

Dúvidas relacionadas ao não cumprimento, por parte das escolas, com relação ao fornecimento de condições para que suas crianças possam, de fato, estudar, foi um dos principais questionamentos. A advogada, que é especialista em Direitos dos Autistas, explicou que, caso a unidade de ensino se recuse a fornecer essas condições, que são impostas em lei, a família deve fazer um Boletim de Ocorrência e acionar a justiça.

Nielle Barros também esclareceu sobre o que fazer em caso de negativa de matrícula por parte das escolas. Nessas situação, ela conta que é fundamental formalizar a denúncia, tendo o nome da pessoa que, efetivamente, negou o ingresso da criança na unidade de ensino: “o primeiro passo é fazer o boletim de ocorrência indicando o nome do gestor que negou o ato de matrícula. Porque com isso, a pessoa vai buscar depois os mecanismos que lei oferece, as ferramentas que a lei oferece”, orientou a especialista.

Dra Nielle Barros, advogada e vice diretora jurídica do grupo / Foto: Redes Sociais

Importante, também, estar atento para onde ir após ter o BO em mãos. Sobre isso, a advogada também explicou como proceder: “a depender”, se for escola municipal, procurar a Secretaria de Educação do município, ou se a escola for estadual, buscar a Secretaria de Educação Estadual, pra formalizar essa denúncia (do ato de não matrícula ou rematrícula), ou negativa de acompanhante terapêutico (AT) também, e, depois disso, procurar o Ministério Público também, para formalizar a denúncia. Podendo também procurar a defensoria pública, munido desse BO, ou um advogado particular caso a família possua recursos.


Muitos são os casos de impedimento de acesso a educação – e aqui estamos falando da educação básica – do público autista. Cada família tem um relato diferente, e, muitas vezes, revoltante, devido ao desrespeito às leis de inclusão.

A Associação Alagoana de Autismo, que em breve se tornará o Instituto Amor Máximo, visa, também, amparar as famílias dessas pessoas que, quase que em sua totalidade, se encontram desassistida e sem apoio emocional.

Membros que compões o Instituto Amor Máximo / Foto: Cortesia

Segundo Andreia Melo, o primeiro passo para que crianças e jovens autistas recebam os devidos cuidados, incluindo no âmbito escolar, é que sua família, seus cuidadores, também estejam cuidados: “cuidar de quem cuida”, disse Andreia.

Diante disso, um dos principais objetivos do grupo é capacitar esses cuidadores, e também os profissionais que tiverem interesse em saber como lidar com o público autista, para que essas pessoas sejam, de fato, incluídas na sociedade. As ações deverão ser feitas por meios de palestras, cursos e lives nas redes sociais, que irão difundir informação e, também, tornar essas famílias capacitadas para fazer, em casa, o que muitas vezes a própria escola não consegue fazer: alfabetizar, educar, ensinar a essas pessoas.

Sem dúvidas, um apoio fundamental para quem necessita de auxílio para lidar com as questões que envolvem os cuidados e a inclusão de pessoas com TEA.