Claudemir Calixto
Alunos protestam por melhorias na escola em Teotônio Vilela
Entre as reivindicações, estudantes querem que professores tenham acesso a merenda
Há dois anos, na inauguração da escola Vera Lúcia, o Prefeito Joãozinho Pereira disse em seu discurso que, “educação de qualidade se constrói quando pais e mestres se unem. A escola tem que abrir os muros, construir pontes e trazer os pais para dentro da escola, para que possam ver como andam os filhos, se eles têm alguma dificuldade, se têm algum problema, para que possam ver de frente e consigam trabalhar isso em casa, no dia a dia”.
Nesta quinta-feira (25), os alunos do 5º ao 9º ano da Vera Lúcia fizeram mais: ao invés de trazer a atenção apenas dos pais para dentro da escola, eles resolveram trazer a atenção de toda a sociedade. Editando o discurso do gestor, eles abriram os portões e, simbolicamente, derrubaram os muros. O recado foi dado de dentro da escola para a própria escola e toda a equipe da secretaria de educação.
Quando chegaram pela manhã, em vez de se dirigirem às salas de aula, os alunos se organizaram na quadra poliesportiva do estabelecimento de ensino para protestar em busca de melhorias.
Ao menos quatro pontos da pauta de reivindicações foram divulgados nas redes sociais: aquisição de equipamentos para a sala de informática, modernização e manutenção do laboratório de ciências, melhorias na alimentação dos alunos e o direito de merendar para os professores (nas escolas de tempo integral do município, os professores são proibidos de fazer refeições utilizando merenda destinada à escola).
Os estudantes gravaram vídeos, áudios, tiraram fotos, e repercutiram nos aplicativos sociais. A manifestação protagonizada pelos alunos acontece dois dias depois de os professores da rede municipal de ensino realizarem ato em protesto – segundo o SINTEAL – contra a retirada de direitos, por parte do executivo municipal e câmara de vereadores, dos trabalhadores em educação. Curiosamente, a pauta dos estudantes coincide – em alguns pontos – com as reivindicações dos professores.
Enquanto os educadores afirmam que seus salários perderam poder de compra, os alunos reivindicam melhorias na merenda, bem como o direito de os professores também serem alimentados na escola, já que a instituição atende na modalidade de tempo integral.
Inaugurada em 13 de fevereiro de 2017, a escola Vera Lúcia possui 12 salas de aula. Foi a primeira construída pela gestão para atender, em tempo integral, 800 alunos das comunidade do Alto da Rosa e do bairro Gerais. Porém, até o primeiro semestre deste ano, funcionou em horário regular (manhã, tarde e noite).
Ao Blog, o diretor Cícero Trindade disse que está orgulhoso da atitude dos seus alunos. Ele afirmou que os estudantes se organizaram de forma pacífica e criaram uma comissão de líderes para conversar com a gestão da escola. Segundo Cícero, direção e uma equipe da Secretaria de Educação, designada especialmente para “lidar” com o ocorrido, ouviram as reivindicações dos alunos que, segundo ele, são legítimas.
Trindade explicou que a manifestação dos estudantes surpreendeu porque não houve uma conversa prévia, e que, se os alunos tivessem dialogado com a direção da escola, a manifestação não teria sido necessária. O diretor garantiu que apenas as reivindicações que não têm amparo legal deixaram de ser atendidas, como o direito de o professor merendar.
“Eu acho bonito que eles tenham essa solidariedade com os professores, mas, infelizmente, essa proibição não se dá por parte da gestão da escola nem da secretaria de educação, isso é uma norma do FNDE, uma vez que os recursos são limitados”, acrescentou o gestor.
Segundo o FNDE, “o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) oferece alimentação (...) e ações de educação alimentar e nutricional a estudantes de todas as etapas da educação básica pública. O governo federal repassa, a estados, municípios e escolas federais, valores financeiros de caráter suplementar para a cobertura de 200 dias letivos, conforme o número de matriculados em cada rede de ensino”.
O benefício é uma garantia legal, conforme define o artigo 208, inciso VII, da Constituição Federal, e deve ser acompanhado e fiscalizado, de forma direta, pela sociedade, através dos Conselhos de Alimentação Escolar (CAE), pelo próprio FNDE, Tribunal de Contas da União (TCU), pela Controladoria Geral da União (CGU) e pelo Ministério Público.
Diz Artigo 208 da Constituição Federal:
O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
O direito garantido pela Constituição Federal é ratificado pela Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), no inciso VII do artigo 53. Portanto, a gestão limita o acesso dos professores à merenda destinada para as escolas. Até mesmo a água mineral consumida pelos educadores, nas escolas de Teotônio Vilela, é custeada pelos próprios professores, que fazem vaquinha entre os colegas para não passar sede ou andar com garrafinhas.
Diante dessa realidade, cabe uma indagação: ainda que o FNDE defina que a merenda da escola deve ser garantida aos alunos, não seria humano, por parte do município, assegurar, com recursos próprios, a merenda para os professores, dado que são justamente estes que oferecem aos estudantes o alimento intelectual e, por conseguinte, são responsáveis diretos pelo desenvolvimento da educação local?
Para além de explicitar e publicizar a necessidade de aperfeiçoamentos para que tenham uma educação de qualidade, nesta quinta-feira, os alunos da Vera Lúcia fizeram mais.
Demonstraram compreender, consciente ou inconscientemente, que são sujeitos de direitos civis, humanos e sociais, como a liberdade, o respeito e a dignidade. Usufruíram, com sua ação, do seu direito a opinião e expressão; brincar, praticar esporte e divertir-se; e participar da vida política, na forma da lei, conforme lhes garantem os incisos II, IV e VI, respectivamente, do artigo 16 da Lei Federal 8.069/90.
Sobre o blog
Comunicador, cronista, poeta e contista alagoano. Cofundador do coletivo artístico Projeto PAIOL. Graduando em Letras pela Universidade Federal de Alagoas.