Erika Januza: 'Ouvi que negro não vende, que nunca seria capa de uma revista'
Em ensaio por videochamada, atriz fala da volta ao trabalho, representatividade e início da carreira
Antes da pandemia, Erika Januza estava com a agenda cheia: no ar como a tenista Marina em Amor de Mãe e prestes a estrear a primeira temporada da série Arcanjo Renegado, disponível no Globoplay.
De uma hora para a outra, no entanto, tudo mudou. Foi preciso se adaptar, reorganizar a rotina e adotar novos hábitos. "Acho que é um momento tão novo, que estamos aprendendo diariamente a viver nessa realidade. Não dá para sermos tão rígidos. É preciso entender que estamos dando nosso melhor. E não se cobrar tanto", afirma ela.
Durante esses meses de isolamento social, a atriz permaneceu em casa, no Rio de Janeiro. E foi justamente do aconchego de seu lar que ela posou, por videochamada, para um ensaio de moda com looks próprios, tirados de seu armário. As fotos, feitas pelo fotógrafo Ita Mazzutti, ilustram essa entrevista.
"Ficar longe da minha família é o mais difícil, porque sou mineira e eles estão em Minas. Aguentar a saudade e administrar esse sentimento é complicado", admite.
"Descobri que sou mais resiliente do que imaginava. Costumo buscar uma leveza na vida, mesmo na dificuldade. Sou mais de ficar no meu canto, de observar..."
Para lidar com tantas questões, Erika se esforçou para estabelecer uma nova rotina. "Sou disciplinada, mas, no início, foi difícil. Fui criando uma agenda de coisas para preencher a vida nesse tempo", explica.
Para ocupar seus dias, a atriz mergulhou no auto-aperfeiçoamento. "Eu já fazia inglês e espanhol antes da quarentena e segui com as aulas on-line. Tenho feito sessões com a minha fonoaudióloga, aulas de oratória, dança e exercícios com personal trainer, tudo de forma remota", enumera.
"Também tenho feito a preparação para a segunda temporada de Arcanjo Renegado. Fizemos uns exercícios de corpo e uma imersão no universo da série que está sendo muito interessante. Gostei muito de participar da primeira temporada e fiquei bem feliz com a repercussão do público com a série", comemora.
No dia 10 de agosto, após cinco meses de estudos, planejamentos, trocas de experiências e a criação de um protocolo de segurança, os Estúdios Globo retomaram as gravações das novelas. Para Erika, a ansiedade para voltar a viver Marina, sua personagem em Amor de Mãe, é grande.
"Toda a minha vida, eu sempre trabalhei e é o que me realiza. É estranho lidar com o vazio que a falta do trabalho traz."
"Eu estou tranquila, com gás para voltar a dar vida à Marina e à Sarah. O ser humano tem uma grande capacidade de adaptação. Nós nos adaptamos às coisas, vamos criando caminhos e novas formas", afirma.
Apesar da retomada das gravações, o folhetim, escrito por Manuela Dias e com direção artística de José Luiz Villamarim, está previsto para retornar ao ar apenas em 2021.
Apesar do sucesso em Amor de Mãe e dos vários papéis marcantes que já teve nesses oito anos de profissão - quem lembra da juíza Raquel em O Outro Lado do Paraíso?! - a atriz afirma que o início da carreira não foi fácil.
"Foram muitas dificuldades. Vim para o Rio quando fui aprovada para protagonizar Suburbia. Em Minas, trabalhava como secretária numa escola e vi a minha vida mudar. Mudei de cidade, encontrei uma nova profissão e me apaixonei... Mas nada foi fácil", relembra. "As pessoas têm a ilusão de que se você apareceu na televisão, logo, é rico. Não mesmo." "Tive dificuldade para me consolidar no Rio e organizar essa nova vida. Depois, foram surgindo outros trabalhos e fui dando continuidade, mas cheguei a pensar que não conseguiria", recorda.
Como se não bastasse, o racismo estrutural existente no Brasil tornou essa jornada ainda mais difícil. "Tenho muitos episódios [de preconceito]. Assim como qualquer negro no Brasil. Difícil encontrar um que não tenha sofrido", lamenta. "Ouvi que negro não vende, que nunca seria capa de uma revista. Eu não fui de uma, fui de várias."
"Que bom que estamos mudando, quebrando essas barreiras impostas pelo preconceito. Me diz, quantas mocinhas negras existem?! Provavelmente você contará na palma da mão. É muito pouco perto da realidade da nossa sociedade, do nosso país, e é muito importante termos espaços de destaque e representatividade", defende.
Mesmo com a fama, a artista diz que ainda sofre com isso. "Hoje em dia é de forma mais velada. Não é tão explícito. Mas ainda acontece. Reconheço um olhar torto de longe, sabe?! Aquele olhar que quer te diminuir? É muito triste", desabafa. "É um sentimento muito ruim quando você sofre um ataque, é um nó no estômago, difícil de descrever."
"Hoje, tenho mais maturidade e sei da minha história, da minha ancestralidade, de tudo o que a cor da minha pele significa. Ela representa força, garra e muita luta. Não me calo mais diante do racismo. Falo nas minhas entrevistas, nas minhas redes sociais e falarei enquanto não vivermos em um mundo em que a cor da nossa pele não seja uma questão", defende.
Nessa luta por igualdade, Erika acabou se descobrindo em uma posição importante: a da representatividade. Assim como outras mulheres serviram de inspiração para a mineirinha de Contagem, hoje, a atriz de 35 anos é espelho para muita gente, incluindo as mais de quatro milhões de pessoas que a seguem nas redes sociais.
"Sei a importância que é ter uma mulher negra como inspiração, porque, infelizmente, quando eu era pequena, não tinha muitas para me espelhar. E as que tinham notoriedade, lutaram bravamente para conseguir esse espaço. Quero mostrar que você pode e deve estar onde quiser. Quero trazer sempre o diálogo na minha comunicação, sabe?! E as redes sociais permitem isso", argumenta.
É por tudo isso que, para ela, a cor de sua pele tem um significado especial: "Significa ter coragem. Significa que você tem uma história para enaltecer. Um legado para perpetuar. Significa que o caminho nem sempre será fácil. Mas, para você, mulher negra, em especial, será mais difícil. Mas somos fortes e não fugimos da luta."