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Pais podem responder por exploração de influenciadores mirins

Após a denúncia de Felca sobre adultização, especialistas explicam os riscos e limites da exposição dos chamados “influencers mirins”

Por Metrópoles 23/08/2025 16h04
Pais podem responder por exploração de influenciadores mirins
Representação de pais e filhos - Foto: Reprodução/Metrópoles

A discussão sobre a exposição de crianças e adolescentes nas redes sociais voltou ao centro do debate após a denúncia feita pelo youtuber Felca. Em um vídeo que ultrapassou 47 milhões de visualizações, ele expôs o criador de conteúdo Hytalo Santos, preso acusado de expor menores em seus vídeos de forma recorrente. O caso trouxe à tona uma questão sensível: até que ponto a infância pode ser transformada em palco digital e fonte de renda?

O crescimento dos chamados influenciadores mirins acompanha a expansão do mercado digital. Vídeos fofos, engraçados ou de rotina atraem milhões de seguidores e movimentam contratos publicitários milionários. Porém, por trás da imagem aparentemente lúdica, especialistas alertam para riscos psicológicos e legais que não podem ser ignorados.

Em entrevista ao Metrópoles, a psicóloga Kênia Ramos, do grupo Mantevida, chama a atenção para a adultização precoce. Segundo ela, “a adultização de menores de idade pode abrir portas para inúmeros problemas futuros, já que crianças e adolescentes estão em pleno processo de formação física, emocional e psicológica. Eles ainda estão construindo sua identidade, aprendendo a lidar com emoções, limites e relações”.

Ela explica que, quando uma criança é exposta a conteúdos adultos ou responsabilidades que não correspondem à sua idade, há impactos diretos em sua autoestima e saúde mental.

“Entre as consequências estão a confusão na construção da identidade, a maior vulnerabilidade a abusos emocionais e sexuais, além da suscetibilidade ao adoecimento mental, baixa autoestima, dificuldade em estabelecer limites saudáveis e maior propensão a relacionamentos abusivos”.

A psicóloga Alessandra Araújo também reforça a gravidade do problema: “Queimar uma fase é uma expressão usada na psicologia para descrever a adultização precoce da criança — quando ela é exposta a responsabilidades, comportamentos e pressões que não correspondem à sua idade”.

Segundo Alessandra, pular etapas do desenvolvimento pode trazer prejuízos duradouros, como ansiedade, depressão e dificuldades de socialização.

A psicóloga ainda aponta que muitas vezes a exposição digital não nasce da espontaneidade, mas da pressão por aprovação. “A criança passa a associar seu valor ao número de curtidas e à fama, perdendo a capacidade de se divertir por si mesma”, explica.

A distinção entre diversão e exploração, segundo Alessandra, está na motivação. “Brincadeira saudável é espontânea, sem roteiro rígido, e pode ser interrompida a qualquer momento. Já a exploração se assemelha a trabalho infantil, com roteiros, metas e cobrança por resultados. Nesse caso, os principais beneficiados são a família e o mercado publicitário”.

Responsabilidade e lucro

Do ponto de vista jurídico, os riscos também são altos. O advogado Fillipe Matos Seixas, especialista em direito penal do RCA Advogados, destaca que os ganhos obtidos por influenciadores mirins deveriam ser integralmente destinados ao bem-estar da criança.

“No direito brasileiro, o menor de 16 anos é entendido como incapaz, então os pais se tornam administradores dos bens dos filhos menores. Porém, esse gerenciamento não é absoluto e deve sempre visar o benefício do menor. Desvios podem acarretar consequências legais”, explica.

Ele acrescenta que a produção de conteúdo pode, sim, ser enquadrada como trabalho infantil, dependendo da forma como é conduzida: “Tanto a nossa constituição quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente vedam expressamente qualquer trabalho para menores de 16 anos, salvo casos de aprendiz. No digital, quando a atividade perde o caráter de lazer e passa a ser obrigação com fins de lucro, estamos diante de exploração”.

Atraso na legislação


Outro ponto é a falta de legislação específica sobre o tema. “Hoje não existe lei que regulamente contratos e uso da imagem de crianças em redes sociais. Há projetos em discussão, mas ainda em estágio inicial. Isso cria uma zona de insegurança jurídica, ao mesmo tempo em que aumenta a necessidade de cautela por parte dos pais”, alerta o advogado.

Na prática, famílias que transformam seus filhos em influenciadores precisam estar cientes das consequências. Segundo Seixas, em casos mais graves, de claro abuso ou violação dos direitos do menor, é possível a perda ou suspensão do poder familiar, além de responsabilizações civis e penais. O maior risco é cruzar a linha da legalidade e incorrer em exploração infantil, o que pode causar danos irreparáveis para a criança e sanções sérias para os responsáveis.