Rosa Weber vota para invalidar perdão de Bolsonaro a Daniel Silveira
Ex-presidente concedeu indulto individual ao ex-deputado para extinguir penas de condenação; julgamento será retomado na quinta-feira (4)

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, votou nesta quarta-feira (3) a favor de invalidar o decreto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que extinguiu a pena do ex-deputado Daniel Silveira, condenado pela Corte em 2022.
Para Weber, o decreto é inconstitucional e houve desvio de finalidade no caso, além de violações a princípios constitucionais.
A magistrada é relatora de quatro ações que questionam o decreto de “graça constitucional”, que é uma espécie de indulto individual. Foram propostas pelos partidos Rede, PDT, Cidadania e Psol.
Ao final da leitura do voto da relatora, a sessão foi suspensa. O julgamento deverá ser retomado nesta quinta-feira (4) com os votos dos demais ministros.
Silveira foi condenado em abril de 2022 pelo STF a 8 anos e 9 meses de prisão em regime inicial fechado por ameaças ao Estado Democrático de Direito e aos ministros do Supremo. A Corte também condenou o então deputado a suspensão de direitos políticos (o que o torna inelegível) e multa.
O ex-deputado está preso desde 2 de fevereiro, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, devido a descumprimento de medidas cautelares impostas pela Corte, como a proibição de usar redes sociais.
Voto
Segundo a ministra Rosa Weber, o perdão presidencial a Silveira “subverteu a regra e violou princípios constitucionais, produzindo atos com efeitos inadmissíveis para a ordem jurídica”.
“O presidente da República, agindo aparentemente em conformidade com as regras do jogo constitucional, editou decreto de indulto individual absolutamente desconectado com o interesse público”, afirmou. “O fim almejado foi beneficiar aliado político de primeira hora, legitimamente condenado criminalmente por esse Supremo Tribunal Federal”.
“A concessão de perdão a aliado político, pelo simples e singelo vínculo de afinidade político-partidária, não se mostra compatível com os princípios norteadores da administração pública, como impessoalidade e a moralidade administrativa”.
A relatora também declarou que a medida revelou “faceta autoritária” ao fazer prevalecer interesses pessoais sobre o interesse público.
A ministra disse que não existem, segundo a Constituição, atos públicos que não sejam suscetíveis de controle, em referência ao poder do Supremo de analisar a validade do decreto presidencial. “Todos os atos do poder público, independentemente de quem os edita ou pratica, estão sujeitos a fiscalização e avaliação quanto a legalidade e constitucionalidade pelos órgãos competentes”.
“Se hoje admitirmos a impossibilidade de apreciação dos limites a que estão sujeitos os atos políticos e discricionários pelo estado juiz, a tendência será a ampliação da esfera de aplicabilidade desses conceitos de modo a diminuir cada vez mais a competência do poder judiciário, a reduzir a força normativa da Constituição, a enfraquecer a proteção dos direitos fundamentais e a maximizar o campo para o arbítrio, fazendo letra morta da Constituição”, declarou.
A relatora também afirmou que o indulto não atinge os chamados efeitos secundários de uma condenação, como a inelegibilidade.
Julgamento
O julgamento do caso começou na semana passada, com as falas dos partidos que entraram com as ações e da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A condenação de Silveira refere-se a um vídeo publicado pelo então deputado em fevereiro de 2021 nas redes sociais com xingamentos, ameaças e acusações contra ministros do Supremo.
No dia seguinte à condenação, o então presidente Jair Bolsonaro editou o decreto com a graça constitucional concedendo o perdão a Silveira.
Os partidos que entraram com ação argumentam que o decreto de Bolsonaro violou os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade. Também dizem que houve desvio de finalidade, já que o indulto não foi editado visando ao interesse público, mas o interesse pessoal do ex-presidente.
Outro ponto questionado é o fato de o presidente da República não ter competência para ser um tipo de instância revisora de decisões criminais da Justiça.
A PGR defendeu a validade do decreto, por entender ser ato político da competência privativa do presidente da República. Para o órgão, no entanto, os efeitos do indulto ficam restritos à condenação, e não valem para os efeitos secundários, como a inelegibilidade.
Manifestações
Na sessão de 27 de abril, falaram advogados que representam os partidos e a PGR.
O advogado Walber Agra, representando o PDT, disse na sessão que o indulto individual é “teratológico”.
“Já diz o que é o abuso perpetrado, porque não existem indulto individuais”, declarou. “A decisão dessa corte foi do dia 20 de abril. No dia 21, menos de 24 horas depois, como forma de afrontar e dizer que o poder era quase um poder absoluto, foi feito o indulto individual. De algo que não tinha sido transitado em julgado. Não se esperou ter a sentença transitado em julgado”.
Pelo Psol, o advogado Alberto Maimoni disse que Silveira era amigo próximo de Bolsonaro. “Fato público e notório também que o ex-deputado era recorrente no uso das redes sociais para divulgar mentiras sobre a pandemia, sobre política em geral, bem como ameaçar integrantes dessa Corte”.
Paulo Roberto Vecchiatti, advogado do Cidadania, afirmou que, ao tentar defender a constitucionalidade do indulto, Bolsonaro fez uma “deturpação e descontextualização”.
“Intuito de proteção de um aliado político pelo instrumento do indulto. Evidente que a motivação do decreto em questão é incompatível, manifestamente incompatível, com os princípios republicanos e da moralidade administrativa. Por ter o ex-presidente utilizado a coisa pública para fins políticos, pessoais, particulares”, disse.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que o ato do indulto é de natureza política e que o caráter “de certo modo arbitrário” da graça é consequência direta da “imprevisibilidade das circunstâncias”.
“É evidente que repudiamos as condutas do condenado”, declarou. “O Ministério Público acusou e obteve a condenação do réu nesses atos temerários e criminosos. É evidente que o Ministério Público, no exercício natural de suas atribuições, pretendia ver a execução da pena exaurida. Mas o Ministério Público não se limita a uma instituição persecutória. Tem o dever de velar pela Constituição”.
“Nada impede que os efeitos secundários da pena se produzam contra o réu condenado. Somente os efeitos primários ou principais estariam alcançados pelo indulto”, afirmou.
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