José Ventura

José Ventura

José Ventura

Pegue, Peste

31/10/2014 17h05

Pegue, Peste

Lembranças existem que acordam nossas mentes refazendo imagens e movimentos havidos em tempos distantes ou bem distantes.
Percorrendo o tempo da minha infância, deparei-me com a lembrança de Maria, casada com João, trabalhadores braçais nos campos de plantação de fumo. Moravam em um casebre simples, humilde, sem tantas condições de higiene, onde constituiram uma família de dois filhos homens, Cícero e Avelino, este último não consiga juntar duas palavras, atrapalhado por uma gagueira crescente.
Enfrentavam o sol, a chuva e o sereno da noite em estado de combustão alcoólica, abastecendo o fígado com aquela cachaça popularmente chamada de “rinchona”, mistura de álcool com água.
Exibiam uma força física com a enxada na terra e toros de madeira nos braços sem diferenciação entre o homem e a mulher. Era uma atenção que tínhamos na força feminina concorrendo em igualdade com o homem.
Como dois amantes em lua de mel, sempre juntinhos, como que homenageando o romantismo dos raios prateados do luar; nos fins de semana, alojavam-se no balcão da única bodega do bairro, e bebiam, aos cântaros, aquela cachaça ardente até o corpo perder equilíbrio tombando aqui e acolá.
Interrompemos a descrição tosca dos hábitos de Maria e João para rejubilar o amor nos atos humanos, não importando a verbalização que se usa.
Quando João se movendo em linhas sinuosas não segurava o corpo e caia, Maria, com o corpo fazendo zig zague, chegava ao marido e invariavelmente dizia: “pegue, peste” e começava a luta inglória de querer levantar o companheiro.
Quando João sustentando o corpo nas pernas trôpegas se levantava, Maria o abraçava, e ambos caminhavam em largas ruas estreitas, ao rancho. E um dia, não sei, nem lembro quando, um rumoroso bater de asa cortou as nuvens e vazou as estrelas. Maria e João chegaram ao Pai levados pela simplicidade e pelo amor doado entre si.