André Pepes
Intoxicação Medicamentosa
Cresce número de pessoas intoxicadas com analgésicos. Uso sem controle do remédio é fator de risco para dependência química, anemia, hemorragia e insuficiência renal.
Nas prateleiras das farmácias de todo o Brasil, bem ao alcance das mãos, os analgésicos são como “lobo em pele de cordeiro”. Nos Estados Unidos, são 15 mil mortes por ano causadas pela overdose desses medicamentos. Aqui, médicos acendem o alerta e consideram que o mundo está vivendo uma pandemia do consumo indiscriminado do remédio para dor, que parece inofensivo, mas não é.
Tomar analgésico em excesso pode passar aquela simples dorzinha de cabeça para uma doença crônica, além de causar danos nos rins, fígado, sistema gastrointestinal e até mesmo esconder problemas graves, como um tumor cerebral. Dados compilados pelo IMS Health a pedido do Estado de Minas mostram que, em valor, os três remédios mais vendidos no Brasil são analgésicos (Dorflex, Torsilax e Neosaldina). Entre novembro do ano passado e este ano, o segmento movimentou mais de R$ 2 bilhões e vendeu mais de 166 milhões de caixas.
E o consumo exagerado do remédio pode causar muita dor. Um estudo feito no Hospital das Clínicas de Belo Horizonte apontou que 16,6% dos pacientes tinham cefaleia por causa do uso em excesso do remédio. No Serviço de Toxicologia de Minas Gerais, segundo dados fornecidos pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 2.705 pessoas foram internadas em 2010 por intoxicação causada por remédios. Este ano, até dezembro, somente o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII atendeu mais de 500 pessoas que buscaram atendimento emergencial por causa dos efeitos dos medicamentos.
O número não é fracionado por tipo de remédio, mas o hospital já começa a receber casos em que o analgésico além do necessário causa complicações. “Esse grupo de medicamento preocupa muito. Não temos aqui estudos como tem lá nos Estados Unidos, mas já há sinais de problema. As pessoas acreditam que a dipirona e o paracetamol, principalmente, são de uso corriqueiro porque não precisam de prescrição, mas é um engano”, afirmou a supervisora da assistência farmacêutica da Rede Fhemig, Hessem Miranda Neiva.
Não é mais tão raro nos hospitais, segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Estudo da Dor (Sbed), João Batista Garcia, pacientes com hemorragia digestiva, correndo risco de vida, por causa do uso excessivo de analgésicos e anti-inflamatórios. “Recebemos também cada vez mais pacientes com cefaleias causadas pelo abuso do remédio”, afirmou. E eles podem causar dependência. “Funciona como uma pessoa drogada: quanto mais usa, mais a deseja. Quando cai o nível da substância no sangue, o organismo entra em abstinência e precisa de outra dose para dar satisfação ao sistema nervoso central. Naquele momento a dor passou, mas o nível volta a cair e a pessoa precisa de uma nova dose. O consumo, nesses casos, passa de 12 comprimidos por dia para tratar a dor de cabeça”, explicou Garcia.
O neurologista Ariovaldo Alberto da Silva Júnior, médico assistente do ambulatório de cefaleias da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alerta que a dor de cabeça por automedicação é uma epidemia. Em sua tese de doutorado, concluída este ano na UFMG, ele comparou pacientes com cefaleia no ambulatório da universidade com moradores da cidade de Capela Nova, na Região Central de Minas. Segundo ele, a conclusão foi que a principal causa de dor de cabeça crônica diária é o abuso de analgésicos nos dois lugares pesquisados.
O engenheiro aposentado Ralfe Nogueira, de 70 anos, convive com dores de cabeça quase diárias desde os 7 anos. Também foi nesta época que ele começou a fazer uso dos medicamentos. Mesmo que hoje não consuma tantos remédios, caixas e mais caixas continuam estocadas no armário. Ele concorda que o uso contínuo pode sim ter contribuído para sua enxaqueca crônica nunca acabar. “Chegava uma hora que o remédio não fazia mais efeito, meu organismo criava uma resistência. Tomava 10 comprimidos de Novalgina por dia, quando não adiantava mais eram 10 de Dorflex, mais adiante uns 10 de Neosaldina. Cada dia experimentava um remédio diferente”, contou. Nogueira já fez vários tipos de exames, participou de pesquisas, mas nada indicava que ele tinha algum problema cerebral. “Tive uma carreira promissora, mas acho que a dor me limitou um pouco. Na adolescência, queria ser jogador futebol de salão, mas com a dor não conseguia”, lembra.
“No Brasil, os estudos ainda são recentes, mas indicam que 7% da população têm dor de cabeça diariamente. Os americanos descobriram os tipos de abusadores de remédio, o que foi muito importante para nortear as pesquisas”, afirmou o neurologista Ariovaldo Júnior. O tipo 1, segundo ele, é aquele paciente que recebe a orientação de que o uso em excesso é prejudicial e faz o tratamento para a retirada do medicamento. “Ele costuma ter uma ansiedade, depressão, mas são transtornos ligados à própria dor. Geralmente, a chance de se livrar do remédio é muito grande.” O tipo 2, conforme estudos americanos, sofre de transtornos psiquiátricos e tem uma característica em comum, segundo Ariovaldo. “Ele vai a múltiplos médicos e não melhora. Tem uma posição descrente do tratamento e uma resposta terapêutica muito ruim. Ele tem um problema: ter dor é uma forma de esconder uma dor maior”, explicou.
Mas Ariovaldo esclarece que o limite de consumo dos analgésicos são 15 dias por mês, se tomados na medida certa. “Por exemplo, se a mulher tem uma crise menstrual, não tem problema tomar o remédio, o problema é o excesso.” E alerta: “se tiver uma dor de cabeça forte em 120 dias, é preciso investigar. Pode ter até um tumor cerebral ou outra doença se a dor é inédita. Toda dor de cabeça inédita tem que ser investigada”
Sobre o blog
Graduado em Administração de Empresas pela Uneal, Radialista, Produtor e Âncora do Programa Saúde em Foco na Nova FM Arapiraca 103.3 exibido de segunda à sexta-feira as 9 da manhã.