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Prefeitura compra máscaras para população, mas deixa Saúde sem EPIs

Conforme documento, município de Arapiraca está adquirindo 250 mil máscaras de pano

18/05/2020 17h05
Prefeitura compra máscaras para população, mas deixa Saúde sem EPIs

Enquanto agentes de saúde e de endemias, servidores da área administrativa e de serviços gerais que trabalham nas unidades de saúde de Arapiraca custeiam, do próprio bolso, equipamentos de proteção individual (EPIs) para evitar serem contaminados pelo coronavírus, a prefeitura de Arapiraca abriu um processo para a aquisição de 250 mil máscaras de pano que deverão ser distribuídos para a população em situação de vulnerabilidade. 

O 7Segundos teve acesso a um documento (veja na galeria de imagens) assinado pelo secretário municipal de Saúde, Glifson Magalhães, em que ele responde a um ofício do Conselho Municipal de Saúde confirmando a informação. O município de Arapiraca faz bem em cuidar da população vulnerável e, se estiver adquirindo as máscaras de pano de costureiras da cidade ainda ajuda a movimentar a combalida economia local. Mas, levando em consideração que a população estimada do município é de 230 mil habitantes e as máscaras de pano são reutilizáveis, a quantidade adquirida pelo município pode ser considerada, de maneira muito  eufemística, um exagero.

Para os profissionais que atuam na linha de frente no atendimento à população é muito mais que isso. É falta de respeito. Todos os dias eles lidam com pessoas que suspeitam estar com a covid-19 e, se não levarem de casa a própria máscara de pano - lembrando que elas não são recomendáveis para os profissionais de Saúde - e o álcool em gel, estarão ainda mais vulneráveis a serem contaminados pelo coronavírus e ainda levarem a doença para casa após o expediente.

Os sindicatos que representam os agentes comunitários de saúde, agentes de controle de endemias e demais categorias profissionais que trabalham nas 40 Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município de Arapiraca, o SindAgreste, Sindacs e o Sindprev, confirmaram para o Ministério Público Estadual que o racionamento de EPIs podem fazer com que esses trabalhadores passem a entrar para as estatísticas de casos confirmados de covid-19 em Arapiraca. 

Em resposta ao ofício do promotor Lucas Mascarenhas de Cerqueira Menezes, que instaurou um procedimento de notícia de fato para apurar se há necessidade de iniciar uma investigação sobre a aquisição e distribuição de EPIs por parte da prefeitura de Arapiraca, os sindicatos enviaram documento que confirma denúncia que já havia sido publicada pelo 7Segundos quase duas semanas atrás, de uma profissional que ficou revoltada em receber apenas uma máscara de proteção, que deveria ser descartada após duas horas de uso, para utilizar durante todo o expediente no posto de saúde que trabalha, que se recusou a assinar a planilha e acabou ficando sem o equipamento.

Racionamento de EPIs

Conforme o documento assinado pelo presidente das três entidades sindicais, essa é uma prática comum em todas as unidades de saúde do município. Os agentes de saúde e agentes de endemias, que deixaram de fazer trabalho externo justamente em decorrência da escassez de EPIs, passaram a atuar na triagem e na linha de frente nas UBS. Todos os dias, quando chegam para trabalhar, recebem uma única máscara descartável, para usar durante todo o dia, e não recebem luvas, apesar de lidarem diretamente com o público que busca atendimento. O gerente da unidade determina que eles assinem uma planilha atestando que receberam a máscara.

A situação dos funcionários que trabalham na parte administrativa e de limpeza é ainda pior. Mesmo muitas vezes dividindo o ambiente com pacientes com sintomas suspeitos, não estão recebendo nenhum EPI, nem mesmo a máscara descartável. Conforme os sindicatos, há denúncias que a situação se repete com os profissionais da Vigilância Sanitária. No entanto, os médicos, técnicos de enfermagem, enfermeiros, dentistas e auxiliares de saúde bucal recebem a máscara tipo NR95, que tem maior durabilidade, mas faltam a eles outros EPIs, específicos para as funções que exercem. 

“Máscaras cirúrgicas pouquíssimas e alguns dias faltam e entregam 1 para o dia inteiro, não tem aventais, nem capotes descartáveis e impermeáveis. O protetor facial que chegou de péssima qualidade, não permite a visualização adequada durante o procedimento”. “Acabamos de receber informação pelo gerente da unidade que o agente de saúde que for para a área [trabalho externo] terá que ir sem máscara. Só será disponibilizada máscara para o ACS que ficar na unidade”, esses foram alguns dos depoimentos que embasaram a resposta dos sindicatos encaminhadas ao Ministério Público. Conforme o documento, que pode ser conferido ao final da matéria, na galeria de imagem, os profissionais que deram essas declarações foram ouvidos de maneira anônima e não revelaram quais unidades de saúde trabalham. Eles temem sofrer retaliações ou mesmo serem demitidos caso seja descoberto que eles repassaram as informações.

Além disso, nas unidades há ainda denúncias  relacionadas à falta de materiais de limpeza básicos, como desinfetante, sabão e álcool a 70%. “A equipe de limpeza não dispõe de luvas de borracha, aventais”; “rotineiramente faltam insumos básicos de limpeza superfície e ambientes: álcool 70%, sabão, desinfetante”, e ainda “houve uma adaptação de fachada. EPIs não existem na unidade e agora tiraram os da limpeza e administrativo e ainda assim não tem os EPIs corretos, e ninguém para higienizar a UBS. Só ficou técnico, enfermeiro, médico, dentista e ASB [assistente de saúde bucal]”, foi relatado por servidores para o sindicato. 

"Transparência"

Enquanto isso, o mistério sobre como a prefeitura de Arapiraca está utilizando os recursos enviados pelo Ministério da Saúde para o enfrentamento ao coronavírus continua. No Portal da Transparência, os documentos publicados mostram que do total de R$ 8,7 milhões recebidos, R$ 6 milhões foram destinados ao programa e parte deles serviria para para aquisição de material de consumo (R$ 3,7 milhões), pagamento de serviços de terceiros - pessoa jurídica (R$ 834 mil) e para aquisição de material, bem ou serviço para distribuição gratuita (R$ 500 mil). No entanto, em reunião com os vereadores da Comissão de Fiscalização, o secretário de Saúde Glifson Magalhães declarou para os parlamentares que nenhum centavo do recurso federal foi gasto pela prefeitura até o momento, porque os processos de aquisição estariam em andamento. 

Mas quando os vereadores Leo Saturnino e Fábio Henrique foram em busca de informações mais aprofundadas sobre esses processos, não obtiveram respostas. Ao menos sobre os EPIs, os dois parlamentares puderam constatar, na semana passada, que havia uma quantidade de máscaras e de luvas descartáveis que, ou foram adquiridas antes da pandemia, ou foram doadas ao município que poderia suprir as unidades de saúde por algum tempo. Além de uma grande quantidade de álcool em gel que foi doada pela Mineradora Vale Verde. 

“Estamos preocupados porque estamos andando em algumas unidades de saúde e estão faltando alguns equipamentos. O próprio álcool chega em pouca quantidade, mas a gente viu que aqui tem, então pode ser mais uma questão administrativa mesmo”, disseram os vereadores.

Vai ver é só uma questão administrativa mesmo.

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