Futebol

Brasil perde Marinho Chagas, o Bruxa na arte de atacar

Por Globoesporte.com 01/06/2014 09h09
Brasil perde Marinho Chagas, o Bruxa na arte de atacar
- Foto: Cadu Vieira/ GloboEsporte.com

Para quem acompanhou o futebol ainda romântico e total dos anos 1970 ao vivo, em vídeos ou até pelo Canal 100, a imagem era clássica. Inesquecível. Bola pelo lado esquerdo. Seja na seleção brasileira, onde foi o craque da Copa de 1974.

Seja no Botafogo, camisa que mais vestiu e exibiu sua técnica. Seja na terceira versão da máquina do Fluminense, em 1977. Seja no São Paulo, onde foi campeão paulista. Seja no americano Cosmos de Pelé, Beckenbauer, Carlos Alberto. Seja no ABC, onde deu os primeiros passos, era comum ver as arrancadas de Francisco das Chagas Marinho. O Marinho Chagas.

O Marinho Bruxa, como era carinhosamente chamado. Aquele dos longos cabelos louros que balançavam ao vento à medida que dava velocidade às jogadas. Pinta de playboy, usava uma pulseirinha preta no pulso e tinha um canhão, mas um tremendo canhão na perna direita. Era lateral-esquerdo, mas era destro.

E tinha também um furor incansável pelo ataque. Foi um dos que melhor souberam avançar da defesa. Na Copa de 1974, onde figurou na seleção dos melhores, não teve medo do carrossel holandês de Cruyff & Cia. O Brasil foi eliminado, mas o lateral não queria saber de censura. Partiu em direção ao gol até o fim do jogo, e teve até problemas com o goleiro Emerson Leão por conta disso.

Marinho era tão ousado que, na estreia pelo Botafogo, jura ter tido personalidade suficiente para dar chapéu em Pelé. Pois bem. Marinho Chagas, que também teve problemas sérios com o álcool depois que parou de jogar, está morto, aos 62 anos.

A informação foi confirmada na manhã deste domingo pela família do jogador. Ele estava internado desde a tarde de sábado no Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa, depois de passar mal num encontro que participava com colecionadores de figurinhas de álbum de Copa do Mundo, na capital paraibana. Ele conversava com uma pequena multidão, quando começou a vomitar sangue e foi levado para o hospital.

Inicialmente, o ex-atleta foi levado para a Unidade de Pronto-Atendimento Oceania de João Pessoa. E no local, foi diagnosticado com "hemorragia digestiva alta". Como os médicos tiveram dificuldades para estabilizar o quadro clínico do jogador e para estancar a hemorragia, ele foi transferido para o Hospital de Emergência e Trauma, mais bem equipado para esse tipo de procedimento.

No Trauma, os médicos colocaram um balão no estômago de Marinho Chagas, com o objetivo de estancar a hemorragia, mas ainda assim seu quadro clínico permaneceu “muito grave”. E por este motivo ele foi mantido sedado.

Por volta de 3h, ele não resistiu e morreu. Em conversa com a família, os médicos disseram que o jogador chegou a tomar mais de 10 bolsas de sangue, para repor a perda provocada pela hemorragia, mas que nem isto foi suficiente para reverter o quadro grave que se instalou.

Confirmado o óbito, a Prefeitura de Natal já informou que vai providenciar o traslado e o velório do ex-jogador. A promessa é que ele seja homenageado em sua terra antes de ser enterrado.

Relembre a trajetória do jogador
Marinho Chagas nasceu em Natal, capital do Rio Grande do Norte, em 1952. Começou a jogar futebol pelo ABC, onde foi campeão potiguar de 1970, e ao longo da carreira também registrou uma passagem pelo arquirrival América-RN.

É idolatrado em sua terra natal e um mês antes de sua morte foi homenageado com uma estátua de sete metros de altura, feita em sua homenagem pelo artista plástico Guaraci Gabriel. Antes, em fevereiro, já tinha sido homenageado com uma marchinha de carnaval, ao ser homenageado pelo bloco Jegue Empacado.

Apesar de toda a fama que tem em sua terra, Marinho brilhou mesmo foi no Rio de Janeiro, onde foi ídolo pelo Botafogo. Lateral-esquerdo tal qual Nilton Santos, ele foi o dono da posição no Glorioso entre 1972 e 1977. E muito por isso considerado o sucessor da Enciclopédia do Futebol.

Título, inclusive, que muito honrava Marinho. Quando Nilton Santos morreu em novembro de 2013, o potiguar se disse "muito abalado" com a perda e resumiu de forma impactante o que sentia pelo bicampeão mundial:

Figurar entre os melhores jogadores da história do Botafogo é uma honra enorme, pois este foi o único clube em que o meu maior ídolo jogou.

Ele também se orgulhava de sua estreia pelo Botafogo, justamente contra o Santos de Pelé. E dizia que logo no primeiro lance roubou a bola do Pelé e deu um lençol nele. No seguinte, tocou entre as pernas do Rei.

Jogou a Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, em que o Brasil terminou na quarta colocação, após perder da Holanda na disputa por uma vaga na final e da Polônia na decisão de 3º lugar. Mas mesmo com a eliminação, Marinho Chagas acabou sendo eleito o melhor lateral-esquerdo daquele Mundial. 

Quando deixou o Alvinegro, em 1977, se transferiu para o Fluminense, onde jogou por uma temporada. Mas, curiosamente, não ganhou nenhum título de destaque por equipes cariocas.
O potiguar ainda teve a honra de jogar ao lado de Pelé de Carlos Alberto Torres, quando ele foi jogar no Cosmos dos Estados Unidos. No país, ainda jogou no Strikers.

Quando voltou ao Brasil, foi para vestir a camisa do São Paulo. Brilhou na equipe paulista e conquistou em 1981 o título estadual pelo Tricolor. Antes de se aposentar, ainda jogou por Bangu, Fortaleza e Augsburg, da Alemanha.

Mais recentemente, vinha tendo problemas com o consumo de álcool, o que deixou sua saúde muito debilitada.

No ano passado, chegou a passar 10 dias internado na UTI de um hospital de Natal, entre a vida e a morte, justamente por causa de uma hemorragia digestiva. Na época, ele prometeu parar de beber para estar vivo na Copa do Mundo do Brasil, que começa daqui a 11 dias.

Ao longo desta última semana, contudo, estava bem. Nos dias que antecederam o evento, deu entrevistas, falou sobre Copa do Mundo e sobre o Botafogo, seu clube do coração.