Cultura

Aluna da Ufal conta a história de mulheres alagoanas líderes de folguedos

Trabalho de Conclusão de Curso feito por estudante de Jornalismo apresenta realidade da cultura popular de Alagoas sob a perspectiva feminina

Por 7Segundos com Assessoria 21/08/2020 16h04
Aluna da Ufal conta a história de mulheres alagoanas líderes de folguedos
Iraci de Melo, mestra e coordenadora do grupo de guerreiro Campeão do Trenado - Foto: Viviane Lima

A estudante de Jornalismo da Ufal, Viviane Lima, contou histórias de alagoanas em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Maura da Baiana e da Banda Pífano; Lurdes do Bumba Meu Boi; Lucimar da Chegança, do Pastoril e da Baiana; Iraci do Guerreiro e Maria José do Coco de Roda. Cinco mulheres com forte liderança e com uma realidade em comum: a luta incansável para preservar os folguedos que representam a cultura popular de Alagoas. Em relatos emocionantes sobre a vida de cada uma delas e os desafios enfrentados, a graduanda buscou dar visibilidade para aquelas que atuam como verdadeiras guardiãs das brincadeiras folclóricas do Estado.

“Por meio do trabalho jornalístico, tentei ampliar as possibilidades de reconhecimento dessas brincantes guerreiras, que resguardam e atuam na manutenção de tradições culturais que são parte importante da identidade alagoana”, conta. O trabalho, orientado pela docente Janayna Ávila, conquistou a nota máxima e pode ser conferido no arquivo ao fim da matéria.

Atraída por cultura de modo geral, Viviane, que veio de São Paulo para estudar na Universidade, conta que passou a ter mais contato com a cultura popular quando veio morar em Maceió e que se encantou “com a riqueza das muitas manifestações que há em Alagoas”.

O encantamento logo se tornou oportunidade. Em 2017, ela atuou como bolsista do Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore (MTB) da Ufal, especificamente, no Núcleo de Ação Educativa e Pesquisa (Neap). “Isso me aproximou do universo que envolve a cultura popular local e, a partir disso, passei a conhecer mais de perto as pessoas que compõem os grupos também. Eu sempre tive o hábito de frequentar as apresentações, então já nutria admiração a distância pelos brincantes [nome pelo qual são chamadas as pessoas que integram os grupos folclóricos]”, diz.

Mas a estudante não queria apenas falar de cultura popular. Ela queria falar sobre o tema sob a perspectiva das mulheres. Com interesse também pela temática sobre gênero, ela conta que percebeu a necessidade desse recorte, por ser uma abordagem pouco explorada e, por isso, não existir muitos registros jornalísticos sobre o assunto. “Eu queria entender melhor como se dava a participação das mulheres nas brincadeiras, pois elas estão sempre tão presentes e ativas nos grupos, mas têm ainda menos visibilidade e reconhecimento do que os homens nas manifestações culturais”, explica.

Mulheres líderes de folguedos


Maura Góes dos Santos, 77 anos, coordenadora do grupo de Baianas Mensageiras de Santa Luzia e da banda de pífanos Santo Antônio. Lurdes Lima Arcanjo, 74 anos, única mulher a liderar um grupo de bumba meu boi em Alagoas. Lucimar Alves da Costa, 71 anos, mantém ativo o único grupo de Chegança do Estado, coordena dois grupos de pastoril e um de baiana. É considerada patrimônio vivo estadual. Iraci Ana Bomfim de Melo, 63 anos, é mestra e coordenadora do grupo de Guerreiro Campeão do Trenado, o mais tradicional dos folguedos alagoanos. Maria José Rodrigues Ferreira, 64 anos, mestra do grupo Zeza do Coco de Roda. Elas são as líderes que protagonizam o TCC feito pela estudante de Jornalismo da Ufal.

Viviane conta que sua intenção era apresentar a história de mulheres que tivessem conquistado postos nos grupos de folguedos que, tradicionalmente, eram ocupados por homens. “Procurei retratar mulheres que são líderes, coordenadoras, donas ou mestras, marcando essa subversão, esse protagonismo e essa mudança que aconteceu em alguns grupos”, conta.

O objetivo, relata a estudante, era “entender e retratar a dinâmica de produção e manutenção dos grupos de folguedos, levando em consideração também outros aspectos da vida delas, como as profissões ou os ofícios exercidos pelas personagens, as múltiplas jornadas de trabalho, as relações familiares, os vínculos afetivos, o machismo e a desigualdade de gênero que há no conservadorismo da sociedade e no tradicionalismo dos folguedos”.

Durante a realização do trabalho, ela ressalta que “a resistência, a graça, a paixão e a força que essas mulheres carregam e distribuem” foram o que mais chamaram sua atenção. “Elas passaram, e às vezes ainda passam, por muitas dificuldades para manter seus grupos. Elas enfrentam ainda mais obstáculos por serem mulheres, para conseguirem atuar na liderança e fazer com que seus grupos sejam prósperos”, revela a estudante.

Apesar das dificuldades, a graduanda se surpreendeu com as atitudes cheias de energia e a resiliência de cada uma. “Mesmo em meio a tantas adversidades, elas resistem sem deixar de lado o sorriso e a brincadeira. A paixão que carregam pela cultura popular é evidente e, muitas vezes, desse modo elas seguem honrando a trajetória e o legado de outros brincantes que já se foram”, destaca.

Falta de apoio


E como dito anteriormente, nem tudo é brincadeira na realidade dos que lidam com a cultura popular em Alagoas. Nos dias em que conviveu com as personagens que dão vida ao trabalho, Viviane também constatou os principais desafios enfrentados pelas líderes de folguedos para manter viva a cultura popular.

Além da temática sobre gênero, a abordagem do trabalho contemplou uma visão de classe social. Segundo a autora, esse é um ponto crucial, uma vez que “os grupos de folguedos e danças populares geralmente são mantidos por pessoas que possuem baixo poder aquisitivo, devido ao seu histórico de origem”.

Foi por meio do processo de pesquisa, proporcionado tanto pelo trabalho no museu quanto pelas apresentações assistidas e pelas entrevistas realizadas com as brincantes, que a estudante notou as dificuldades que os grupos, de modo geral, enfrentam. Muitos, inclusive, encerrando suas atividades.

“Dentre as particularidades de cada brincante, os obstáculos se assemelham em alguns pontos. Os principais são a falta de adesão das novas gerações aos folguedos, o enfrentamento do machismo e do patriarcado, além da falta de assistência do poder público, ou seja, faltam políticas públicas que sejam aplicadas e mantidas a longo prazo, e não apenas na alta temporada do turismo no Estado”, aponta.

Ela ressalta que grande parte dos mestres e coordenadores de grupos de folguedos e danças em Alagoas são idosos e não tiveram acesso à educação. “Isso fica bem nítido nas reuniões da Asfopal [Associação dos Folguedos Populares de Alagoas]. Muitos deles são semianalfabetos ou analfabetos, ou seja, o lançamento de editais on-line, medida que geralmente ocorre como método de assistência do governo para essas pessoas, não funciona com eficácia”, argumenta a estudante.

“Guerreiras e brincantes”

Ao longo de seu TCC, Viviane usa as palavras “guerreiras e brincantes” para se referir às alagoanas líderes de folguedos. E pela leitura do texto, é exatamente esta a mensagem que a estudante busca transmitir: a de mulheres que batalham diariamente para manter viva a cultura que as representam, mas que não perdem a oportunidade de, no meio da luta, “brincar” a vida fazendo o que mais gostam.

“Maura, Lurdes, Iraci, Lucimar e Maria José representam a diversidade e a riqueza que há na cultura popular de Alagoas. Elas carregam e transferem oralmente seus conhecimentos empíricos sobre a cultura popular. São cinco brincantes que representam muitas outras mulheres incríveis que têm suas vidas entrelaçadas à cultura popular”, destaca.

Ela ainda ressalta que muitas outras mulheres, mesmo com diferenças e particularidades, podem se identificar com aspectos da história de vida e a vivência dessas personagens, pois servem como exemplo e lição para quem tem a oportunidade de conhecê-las.

“Como os brincantes costumam dizer, Maura, Lurdes, Iraci, Lucimar e Maria José, 'não deixam a brincadeira cair'. Tudo isso faz parte do legado que essas mulheres estão guerreando para preservar e deixar, não apenas como parte da memória de um aspecto da identidade cultural alagoana, mas para que seus grupos de folguedos e danças populares continuem ativos e vivos, como uma luz que não deve se apagar”, conclui Viviane.