Infectologista de Alagoas confirma alteração hepática em pacientes que usaram ivermectina
Médico afirma que não há, no momento, caso de falência hepática no Estado
Além da cloroquina exaltada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), outro medicamento sem eficácia comprovada para o tratamento ou “prevenção” da Covid-19 voltou aos holofotes nas últimas semanas: a ivermectina. Não porque a substância cumpre o que prometem as correntes de WhatsApp, mas por seus efeitos adversos, que podem levar a hepatite medicamentosa ou até a falência do fígado. De acordo com reportagens publicadas no início da semana em veículos de comunicação no Sudeste, a medicação teria colocado cinco pessoas na fila do transplante de fígado em São Paulo e Santa Catarina. Dois desses pacientes não resistiram a hepatite medicamentosa e morreram.
Em Alagoas, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) não registrou, até o momento, caso de pessoa que desenvolveu problemas de saúde após o uso da medicação. Mas de acordo com o médico infectologista Fernando Maia, os exames feitos por pacientes de Covid-19 apresentam alterações hepáticas devido o uso da substância.
“Quando a gente faz exames de rotina nos pacientes, a gente avalia hemograma, função hepática, função renal, entre outros e a gente tem visto que nos pacientes que relatam ter tomado ivermectina, as taxas de funcionamento do fígado alteram mais do que seria esperado. Ou então quando a gente vê esses valores alterados, já sabemos que o paciente tava tomando ivermectina de forma profilática. Essa é uma situação comum”, declarou o médico.
Uso prolongado ou de altas doses de ivermectina podem causar falência hepática (Ilustração)
Ivermectina é um vermicida, geralmente indicado para o tratamento de sarna e piolho. Desde o início da pandemia, o remédio é falsamente propagado como tratamento preventivo ou capaz de amenizar os sintomas da infecção provocada pelo coronavírus, juntamente com outras substâncias, como azitromicina, zinco, vitamina D e cloroquina. Mas assim como este último, não tem qualquer eficácia comprovada de acordo com estudos científicos. Até mesmo o laboratório Merck, que era detentor da patente da ivermectina até 1996, divulgou comunicado informando que não existem dados consolidados quando à utilização da substância para o tratamento da Covid-19.
A Associação Médica Brasileira (AMB), que no passado defendeu a autonomia do médico na prescrição desses medicamentos, no início da semana divulgou uma nota dizendo que o uso dos medicamentos: hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectin, nitazoxanida, azitromicina e colchicina devem ser banidos do tratamento da Covid-19. A mudança de posicionamento aconteceu após um comitê criado pelo órgão revisar os estudos científicos sobre a eficácia desses medicamentos para combater a infecção provocada pelo coronavírus.
Kit Covid
Algumas prefeituras distribuem "kits covid" com remédios sem eficiência comprovada (ilustração)
Mesmo assim, além das vendas do medicamento explodirem desde março do ano passado, a substância passou a ser receitada por médicos e a integrar o “kit covid”, que é dado aos pacientes que buscam atendimento médico em unidades de saúde públicas. Em alguns casos, é receitado até mesmo antes de o paciente receber o resultado do teste, como tratamento preventivo ou profilático.
“Esses municípios que estão disponibilizando esse tal de kit covid estão indo contra o que as evidências científicas mostram. Os estudos mostram claramente que nenhuma dessas drogas que estão sendo utilizadas, cloroquina, ivermectina, vitamina C, zinco, vitamina C, colchicina não tem qualquer efeito contra a Covid-19, seja como profilaxia [prevenção] ou como tratamento. Infelizmente essas prefeituras estão apostando em um tratamento que quem trabalha atendendo o paciente, como é meu caso, vê claramente que não funciona”, explicou Fernando Maia.
Além das alterações no funcionamento dos rins, o médico chama atenção para outros efeitos adversos devido o uso dos medicamentos, principalmente em dosagens altas ou de forma prolongada. O dito popular “se bem não faz, mal também não vai fazer”, nesse caso pode ser bem perigoso. “Cada medicamento tem efeito diferente sobre o organismo. Entre esses, os mais agressivos são a cloroquina, que pode causar arritmia cardíaca, e a ivermectina, que pode causar lesão hepática”, explicou.
Olhos amarelos
As lesões que o infectologista se refere são compatíveis com o quadro também chamado de hepatite medicamentosa, que acontece quando remédio provoca lesões nos dutos biliares, responsáveis por levar a bile até o intestino. Os sintomas mais visíveis são pele e olhos amarelados, mas o problema também pode causar enjoo, cansaço e até confusão mental.
Hepatite medicamentosa pode deixar olhos e pele amarelados (Ilustração/Ministério da Saúde)
Na maioria dos casos, as alterações hepáticas pelo uso de ivermectina desaparecem com o passar do tempo e a pessoa não desenvolve a hepatite medicamentosa. “Normalmente essa alteração no funcionamento do fígado é passageira e se resolve espontaneamente. Mas em alguns poucos casos podem levar a esses quadros que foram relatados, como a insuficiência hepática agora e levar o paciente a precisar de um transplante de fígado. As complicações [que o uso da ivermectina podem provocar] são imediatas, não é a longo prazo”, ressaltou.