Comportamento

"Crescer sem a presença do pai me faz querer ser melhor quando tiver filhos", diz jovem arapiraquense

Abandono parental é tema da primeira matéria do ciclo de reportagens do 7Segundos sobre o Dia dos Pais

Por Erick Balbino/7Segundos 02/08/2021 12h12 - Atualizado em 03/08/2021 14h02
'Crescer sem a presença do pai me faz querer ser melhor quando tiver filhos', diz jovem arapiraquense
Mais de 5,5 milhões de brasileiros não tem o nome do pai na certidão de nascimento - Foto: Ilustração

Crescer contando com a presença do pai é um privilégio que não pode ser ignorado. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 12 milhões de mães são responsáveis por chefiar seus lares. Destas, mais de 57% vivem abaixo da linha da pobreza.

Este domingo (8) é comemorado o Dia dos Pais e é comum que campanhas publicitárias exaltem as famílias perfeitas, mas infelizmente a realidade do Brasil é muito diferente das "propagandas de margarina". 

Durante toda a semana, o 7Segundos vai trazer reportagens especiais alusivas à data. Mas além de homenagear aqueles que vivem plenamente a paternidade, é importante lembrar que para uma grande parcela da população brasileira, o segundo domingo de agosto traz à tona sentimentos negativos, como carência, abandono e em muitos casos, também revolta.

Um levantamento feito pela Central Nacional de Informações do Registro Civil, cerca de 81 mil bebês foram registrados nos cartórios brasileiros sem o nome do pai em 2020, de um total de 1.280.514 nascituros.

No total, são mais de 5,5 milhões de adultos que nunca tiveram o reconhecimento do progenitor.

O abandono parental foi uma marca sempre presente na vida do estudante de fisioterapia Igor Martins*, de 22 anos. A presença do pai em casa é apenas uma vaga lembrança.

Com o divórcio dos pais, a relação esfriou até se tornar quase nada. "Eu tinha uns 4 anos quando meus pais se separaram. Minha irmã era ainda mais nova, com apenas um ano. Lembro vagamente do meu pai em casa e depois as visitas foram cada vez mais escassas. Nossa sorte foram os meus avós maternos, que acabaram ocupando uma parte do buraco deixado", relatou o jovem.

As dificuldades pioraram pela falta de pagamento da pensão, que deixou de ser depositada com o nascimento de mais um filho.

"Meu pai constituiu uma nova família e se transformou num pai exemplar, mas não no nosso pai exemplar. Enquanto eu e minha irmã estudávamos em escolas públicas e mendigávamos um pouco de atenção, os novos filhos do meu pai usufruíam de tudo, do bom e do melhor", continuou Igor.

Para Igor, a falta do pai durante o crescimento fez com que ele repensasse seus próprios desejos de constituir família. 

"Eu ainda não tenho filhos, mas tenho um exemplo do que eu não devo fazer. Crescer sem a presença de um pai me faz querer ser muito mais para os meus filhos", desabafou.

A ausência paterna pode provocar, quando não há acompanhamento de profissionais qualificados - e quase nunca há -, problemas no desenvolvimento da criança, bem como no seu comportamento. Para a psicóloga infantil, Samara Calista, o abandono parental pode interferir em várias áreas da vida da criança, desde o âmbito financeiro até nos relacionamentos interpessoais que ela vai ter ao longo da vida.

Samara Calista é psicóloga infantil, formada pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal)

"O pai e a mãe são os primeiros personagens no contexto afetivo do desenvolvimento da criança, como fonte de proteção, afeto e de modo geral. São os primeiros modelos que a criança tem na vida dela e, sendo assim, caso ela sofra abandono parental, seja do pai ou da mãe, isso pode gerar crenças disfuncionais, como, por exemplo, crescer acreditando que não é suficientemente amado, podendo crescer achando que não é valorizado, gerando falta de confiança nas relações durante toda a vida", explicou a profissional.

Ainda segundo a psicóloga, quando o abandono acontece entre um e seis anos, o impacto pode ser ainda maior.

"São nestes períodos que as principais conexões do cérebro da criança estão sendo construídas. Além dos sintomas psicológicos, uma criança que sofre abandono parental pode apresentar excesso de choro, e comportamentos que não são adequados", continuou Samara.

*Igor Martins é um nome fictício utilizado para não expor a família do estudante arapiraquense.