Cidadania

Indígenas da etnia Aconã lutam por construção de escola em aldeia localizada em Traipu

Crianças assistem aulas embaixo de árvores, ou quando chove, nas casas dos indígenas

Por 7Segundos 22/04/2023 08h08
Indígenas da etnia Aconã lutam por construção de escola em aldeia localizada em Traipu
Crianças indígenas durante aula na aldeia Aconã - Foto: Cortesia ao 7Segundos

Crianças indígenas assistindo aulas embaixo de árvores, ao ar livre. A cena poderia ser bucólica, mas revela a falta de compromisso dos poderes públicos com os direitos dos povos indígenas.

Esta situação é vivenciada na aldeia indígena Aconã, localizada no município de Traipu, região do Baixo São Francisco de Alagoas.

Desde 2003, quando os Aconãs ocuparam a área de 281 hectares, onde fica a reserva, próxima ao Rio São Francisco, no limite com o município de São Brás, eles lutam pela construção de uma escola para as crianças.

Segundo o Pajé Aconã, José Reinaldo, o caso já foi levado para o conhecimento do Ministério Público Federal, e apesar disso, todos os anos são promessas e mais promessas.

"Já vieram medir, fazer a marcação do local onde a escola vai ser construída mais de uma vez e nada. Dizem que a uma empresa já ganhou a licitação, mas até agora, não aconteceu nada, estamos ainda aguardando", contou o Pajé.

José Reinaldo disse ainda que um engenheiro do governo do estado esteve na aldeia no final do ano e falou que depois do carnaval, a construção da escola teria início.

O pajé conta que os indígenas temem passar mais um ano aguardando a construção da tão sonhada escola. Ele relatou que em 2023, houve já reuniões na Secretaria Estadual de Educação com a presença de um Procurador da República para acertar

"Por enquanto, as crianças ficam estudando debaixo de um pé de mangueira, dentro da casa de um indígena, dividindo o espaço com aquela família", relatou José Reinaldo, que conta que conseguir uma escola indígena na aldeia é a maior luta dos Aconãs no momento".

Crianças indígenas em aula. Foto: cortesia ao 7Segundos

José Reinaldo informou ainda que há mais ou menos um mês, participou,junto com outros indígenas de outras aldeias, de uma reunião em Maceió com a presença do Secretário Estadual de Educação, Marcius Beltrão, e um Procurador da República, representando o Ministério Público Federal, onde a atual gestão da secretaria teria informado que trataria a construção da escola indígena na aldeia Aconã como prioridade.

Constituição/Legislação Escolar para os Indígenas

Além do reconhecimento do direito dos indígenas de manterem a sua identidade cultural, a Constituição de 1988 lhes garante, no artigo 210, "o uso de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem, cabendo ao Estado proteger as manifestações das culturas indígenas. Esses dispositivos abriram a possibilidade para que a escola indígena constitua-se em instrumento de valorização das línguas, dos saberes e das tradições indígenas e deixe de ser instrumento de imposição dos valores culturais da sociedade envolvente". 

Conselho Nacional de Educação

A Portaria nº 559/91, do Conselho Nacional de Educação, "estabelece a criação dos Núcleos de Educação Escolar Indígena (Neis) nas Secretarias Estaduais de Educação, de caráter interinstitucional com representações de entidades indígenas e com atuação na Educação Escolar Indígena. Define como prioridade a formação permanente de professores índios e de pessoal técnico das instituições para a prática pedagógica, indicando que os professores índios devem receber a mesma remuneração dos demais professores. Além disso, são estabelecidas as condições para a regulamentação das escolas indígenas no que se refere ao calendário escolar, à metodologia e à avaliação de materiais didáticos adequados à realidade sociocultural de cada sociedade indígena.

Ainda de acordo com o Conselho Nacional de Educação, "a responsabilidade pela oferta da Educação Escolar Indígena é do Estado. Ao Sistema Estadual de Ensino cabe a regularização da escola indígena, isto é, sua criação, autorização, reconhecimento, credenciamento, supervisão e avaliação, em consonância com a legislação federal. À União cabe a responsabilidade de traçar diretrizes e políticas para a Educação Escolar Indígena nos dispositivos da Lei nº 9.424/96 (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), já que uma grande parcela dessas escolas não goza dos direitos previstos nesta lei.

Ministério da Educação Secretaria de Educação Fundamental Programa Parâmetros em Ação Educação Escolar Indígena 

Após ser procurada pela redação do Portal7Segundos para informar a situação atual em relação ao andamento do processo que envolve a construção da escola indígena da aldeia Aconã, a secretaria emitiu a seguinte nota:

NOTA/SEDUC

A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) esclarece que a construção da Escola Estadual Indígena Aconã, localizada no município de Traipu, já foi licitada e que a ordem de serviço para início das obras deve acontecer em breve.

A unidade de ensino terá seis salas de aula e quadra coberta, com vestiários, beneficiando quase 300 estudantes e contemplando, inclusive, a modalidade Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI).

Alunos e adolescentes ao lado de lideranças da Aldeia Aconã. Foto: cortesia ao 7Segundos  

Outras questões:

Solange Saraiva, esposa do Pajé José Reinaldo, também uma das lideranças da aldeia, explicou à reportagem do Portal7Segundos que os Aconãs ocuparam a região onde existe a reserva desde 2003.

"Viemos resgatar os antigos povos que aqui viveram, da Lagoa Comprida, a gente vem de outra etnia, que é de Feira Grande, que são congêneres dos Kariri-Xocós, de Porto Real do Colégio"

Solange contou ainda que as terras dos Aconãs são demarcadas, mas os indígenas ainda enfrentam alguns obstáculos por conta de alguns posseiros, dos antigos donos das terras, porque a medição deveria ser revisada.

"Então a gente sofre por conta da invasão de nossas matas, a gente tenta proteger as nossas matas, a natureza, os animais, porque tem os invasores, os caçadores, são outros problemas que a gente enfrenta. Faltam cerca de 45 tarefas para serem anexadas à nossa reserva. A gente aguarda que a Funai venha com a equipe fazer um outro estudo para a demarcação das terras", relatou.

Ainda sobre a questão da demarcação de terras, Solange contou que os Aconãs utilizam umas terras, por trás da reserva, que é a mata onde os indígenas vão a cada 15 dias para realizar as cerimônias religiosas e permanecem em isolamento, numa espécie de retiro espiritual, uma tradição herdada dos ancestrais.

Uma das metas dos Aconãs é lutar para que a Funai adquira as terras vizinhas à área onde eles realizam as cerimônias religiosas para dar proteção à mata utilizada com essa finalidade pelos indígenas, disse Solange

Ela também contou que as famílias da aldeia sempre trabalharam com a produção de farinha de mandioca, mas a que a aldeia não dispõe de uma casa de farinha, fator que também causa prejuízo porque as famílias ficam muito limitadas a fazer o plantio da raiz, justamente porque não local para produzir a farinha.

"No começo a gente ainda plantava, mas tinha que ceder parte da produção para os não-índios para que eles fizessem a farinha nas casas de farinha dos povoados vizinhos, mas para isso, tínhamos que ceder mais da metade da nossa produção para eles, essa é a nossa realidade", afirmou Solange.