Arapiraca

Multiempreendedores, Joaquim da Usga e Aurília contribuíram para a popularização de automóveis em Arapiraca

Casal enxergou na dificuldade uma oportunidade de negócios na década de 1940

Por Patrícia Bastos 18/10/2024 13h01
Multiempreendedores, Joaquim da Usga e Aurília contribuíram para a popularização de automóveis em Arapiraca
Posto São Joaquim, o primeiro autoposto de Arapiraca, foi inaugurado em 1955 - Foto: Arquivo pessoal

Como cidade de médio porte, Arapiraca possui atualmente uma frota de veículos que exige ações do poder público municipal para garantir fluidez no trânsito. Há 80 anos, no entanto, pouco mais de meia dúzia de veículos circulava pela jovem cidade. Havia agricultores e comerciantes com poder aquisitivo para tal, mas não valia a pena ter carro porque não havia postos de combustíveis nas proximidades.

O problema se tornou oportunidade para o jovem casal Joaquim Bezerra Pereira (1906-1973) e Aurília Vieira Pereira (1928-1996), recém-chegados do município de Igaci e moradores do Largo Dom Fernando Gomes, onde hoje funciona a Lavanderia São Joaquim, administrada pelo filho deles, Aldênio Vieira Pereira.

A história do casal, que foi multiempreendedor numa época em que esse termo sequer existia, faz parte da série de reportagens especiais "Centenário do Comércio de Arapiraca" promovida pelo Sindilojas. 

“Na época da [Segunda] Guerra, em 1943, não havia aqui em Arapiraca combustível para os sete carros, para ser mais exato, que circulavam aqui na cidade. Então ele ia para a usina, pegava a ‘usga’, trazia para Arapiraca, adicionava outro ingrediente e era esse combustível que os carros queimavam na época”, explica Aldênio Pereira.

A “usga” a que ele se refere é como era chamado o combustível na época, em referência ao álcool produzido pela Usina Serra Grande, localizada em São José da Laje. Como seu Joaquim vendia esse combustível, ganhou o apelido de Joaquim da Usga.

Nascido em União dos Palmares, morou durante a juventude em Maceió, enquanto trabalhava na extinta Sucam em um cargo parecido com o de agentes de endemias hoje, mas que na época era conhecido como “guarda da peste”. Durante as férias em Igaci, conheceu Aurília, se apaixonou por ela, largou o emprego e, após o casamento, se mudou para Arapiraca, trazendo a mãe de Aurília e duas irmãs dela, Lourdes e Joana.

Do casamento, nasceram quatro filhos, mas apenas Aliete Vieira Pereira e o caçula Aldênio Vieira Pereira, chegaram à idade adulta.

Embora Joaquim da Usga seja mais frequentemente lembrado pelos contadores da história de Arapiraca, o multiempreendedor só se tornou conhecido devido à forte contribuição da esposa Aurília. Diferente da maioria das mulheres da época, ela não fazia o papel de dona de casa. Ela comandava as empresas junto com o marido e exerceu várias funções nos empreendimentos. Foi também a primeira mulher a guiar um carro em Arapiraca e chegou a dirigir até mesmo caminhões-tanque.

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Joaquim da Usga e dona Aurília. Crédito: Arquivo familiar

“Naquela época, não existia o calçadão na Praça Marques, então ela vinha dirigindo pela Avenida Rio Branco e tinha que manobrar o caminhão numa curva fechada para chegar até o local onde ficava o posto. O volante era muito duro e eu lembro que eu, que na época era criança, passava para o lado dela e ajudava a puxar o volante para fazer a curva. Minha mãe era assim; na época em que meu pai viajava para comprar combustível, ela que ficava tomando conta do posto, e ela também dirigia o caminhão com combustível até outros municípios da região e tomava conta dos outros negócios. Ela nunca foi dona de casa; minha irmã e eu fomos criados pela vó Dindinha e pelas tias”, conta.

No começo, o casal vendia a usga em latas de 20 litros, que eram compradas diretamente das usinas. Em 1955, eles inauguraram o Posto São Joaquim, o primeiro posto de combustíveis de Arapiraca, com três bombas, que incentivaram os fumicultores e comerciantes de Arapiraca a adquirirem automóveis. O posto foi propriedade da família por pouco mais de 20 anos, até que seu Joaquim vendeu para a Esso, de Recife.

Neste mesmo período, eles tiveram também caminhões-tanque que transportavam combustíveis para outros postos da região. Com o fim do Posto São Joaquim, a família abriu a Autopeças São Joaquim, que ficava ao lado do posto de combustíveis. “Como ele era muito conhecido, muita gente ia fazer compras fiado. Então ele resolveu fechar a casa de peças e abrir um restaurante, porque comida é o único comércio que não se vende fiado”, relembra.

Aldênio Pereira não lembra com exatidão as datas das inaugurações do Restaurante e Dormitório Magistral e da Pic-Nic Lanches, que funcionava 24 horas por dia e continuaram na família até o falecimento de seu Joaquim.

O casal teve ainda uma frota de ônibus em Arapiraca e outra em Maceió, que era administrada por Aldênio e a irmã, na época em que eles estudavam na capital. Aliete Pereira se formou em Pedagogia e escolheu continuar residindo em Maceió, onde mora até hoje. Já Aldênio optou por voltar para Arapiraca após o curso técnico e seguiu os passos dos pais no empreendedorismo.

“Meu pai não conseguia ficar parado. Chegou a ter até mesmo uma fábrica de bananola nos fundos da casa, onde hoje é a lavanderia. Ele foi um dos fundadores da Casa dos Velhinhos. Naquela época, os fundos da nossa casa eram cobertos de sucatas, que ele juntava para vender e arrecadar para a construção da Casa dos Velhinhos”, conta Aldênio.

Além de comerciante, seu Joaquim fazia parte da Maçonaria, onde promoveu várias ações sociais junto com Aurília e outros integrantes, e também teve uma carreira política. Exerceu dois mandatos como vereador e foi autor de um projeto de lei considerado polêmico na época. “Como vereador, meu pai botou energia no cemitério e teve muita gente que ria disso, dizendo que defunto não precisa de luz. Hoje a gente vê que todos os cemitérios têm energia elétrica”, relata, rindo.

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Como vereador, seu Joaquim foi "coroado" durante homenagem feita por motoristas. Crédito: Arquivo Pessoal


Dona Aurília também se envolveu na política, foi eleita suplente de vereadora e chegou a assumir o cargo por alguns meses. Após ficar viúva, com orientação de Aldênio, decidiu vender o restaurante e a lanchonete e abrir a Lavanderia São Joaquim, que existe até hoje, na mesma casa onde a família morou logo quando se mudou para Arapiraca. A casa também foi sede de uma “rádio”, um sistema de som de pequeno alcance, que pertencia à irmã de dona Aurília, Joana Vieira da Silva (1937-2022).

“Joaninha”, como era mais conhecida, tocava violão e acordeom, e com a rádio promovia os grupos musicais da cidade, que iam até a casa da família para tocar, e também fazia propaganda das casas comerciais da cidade. Além disso, tinha também uma tacabaria dentro do Restaurante Magistral.

Com a morte dos pais, Aldênio herdou o legado do empreendedorismo e, por muitos anos, negociou com veículos em Arapiraca e Maceió, com a Skala Veículos. Aposentado e com desejo de levar uma vida mais calma, abriu mão do negócio de carros, mas mantém até hoje a lavanderia, que atende principalmente a clientes industriais.

“Meu pai e minha mãe sempre estiveram à frente do tempo em que viveram, mas, principalmente, foram pessoas que sempre agiram para ajudar o próximo. Com certeza, o trabalho deles foi muito importante para desenvolver o comércio da nossa cidade. Tenho muito orgulho e é sempre um prazer falar sobre eles”, comenta Aldênio Pereira.

Joaquim da Usga e dona Aurília, em festa da Maçonaria. Crédito: Arquivo familiar