Justiça

Alagoanos vítimas da ditadura militar terão certidão de óbito corrigida

Ministério dos Direitos Humanos informou que a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos será responsável pela entrega dos documentos

Por Mackson Douglas* 11/01/2025 09h09 - Atualizado em 11/01/2025 10h10
Alagoanos vítimas da ditadura militar terão certidão de óbito corrigida
Alagoanos vítima da ditadura militar terão certidão de óbito corrigida em reconhecimento à violência do Estado - Foto: Reprodução

Os cartórios em todo o Brasil começaram a emitir novas certidões de óbito, com a causa da morte corrigida, para pessoas assassinadas ou que desapareceram durante o período da ditadura militar. Ao todo, 202 documentos serão retificados, e entre as vítimas, estão quatro alagoanos: Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão, José Dalmo Guimarães Lins, Luiz Almeida Araújo e Manoel Lisboa de Moura.

A medida, em cumprimento a uma resolução aprovada em dezembro pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também contempla outros 232 desaparecidos, que receberão atestados de óbito. Confira a lista clicando aqui.

As novas certidões terão como causa da morte a violência cometida pelo Estado durante o regime militar, conforme reconhecido pela Comissão Nacional da Verdade, que identificou 434 mortos e desaparecidos.

A entrega das certidões retificadas não será feita pelos cartórios. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania informou que a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) será responsável pela entrega dos documentos, que acontecerá em uma solenidade, com pedidos de desculpas e homenagens às vítimas.

Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão

Gastone Lúcia, natural de Coruripe, Alagoas, desapareceu em São Paulo em 1972. Segundo a biografia publicada no portal do Memorial da Resistência de São Paulo, ela era uma jovem militante que ingressou na Ação Libertadora Nacional (ALN) em 1969, após iniciar sua trajetória em causas sociais e na militância política estudantil.

Em Cuba, passou por treinamento de guerrilha, adotando os codinomes Rosa e Rosa Lúcia. Ela retornou ao Brasil clandestinamente, mas foi executada em uma emboscada organizada por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), em janeiro de 1972.

O laudo oficial de sua morte apresentou várias versões, mas a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) confirmou que ela foi assassinada e enterrada como indigente no Cemitério Dom Bosco, em São Paulo. Em 1975, a família teve acesso aos restos mortais de Gastone, que foi enterrada no jazigo da família Beltrão, em Maceió.

Com a retificação de sua certidão de óbito, Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão agora será reconhecida oficialmente como vítima da violência do Estado durante a ditadura militar. A medida é uma reparação histórica e um passo importante para a justiça e o reconhecimento das vítimas do regime.

José Dalmo Guimarães Lins


José Dalmo Guimarães, natural de Alagoas, morava com a família no bairro de Jaraguá e estudava no Colégio Marista Alagoano. De acordo com a biografia publicada no portal do Memorial da Resistência de São Paulo, ele estudou Direito na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), mas foi expulso devido a suspeitas de envolvimento em atividades subversivas (ações que visam desestabilizar ou minar uma autoridade estabelecida, seja ela política, social ou econômica).

Trabalhou como representante comercial e cronista e, entre 1962 e 1963, participou de atividades políticas em Cuba e na União Soviética. Ao retornar para o Brasil, integrou o Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Após o golpe de 1964, foi preso e, em 1967, mudou-se para o Rio de Janeiro. Em 1970, José Dalmo foi novamente preso pela repressão, torturado e mantido preso por seis meses, enquanto sua esposa também foi encarcerada.

Após a libertação, ele sofreu de depressão e delírios persecutórios, que o levaram a viver em constante busca por formas de fuga, acreditando que era perseguido a todo instante. Em 11 de fevereiro de 1971, ele se suicidou, jogando-se da janela de seu apartamento no Leblon, no Rio de Janeiro. Os restos mortais de José Dalmo Guimarães foram enterrados no cemitério São Francisco de Paulo, no Rio de Janeiro, RJ.

Luiz Almeida Araújo

Luiz Almeida Araújo nasceu em Anadia, interior de Alagoas, e se mudou para São Paulo em 1957, onde começou a trabalhar e a estudar. Segundo a biografia publicada no portal do Memorial da Resistência de São Paulo, ele iniciou sua militância no movimento estudantil e foi preso e torturado após o golpe de 1964.

No mesmo ano, viajou para o Chile, foi capturado ao retornar para o Brasil e, em 1966, começou o curso de Ciências Sociais na PUC-SP. Envolveu-se com a Ação Libertadora Nacional (ALN) e com o meio artístico, conhecendo a atriz Carmem Jacomini.

Em 1968, foi preso por sua ligação com um assalto da ALN e após ser liberado, viajou para Cuba e a ex-URSS para treinamento de guerrilha. Em 1970, voltou ao Brasil, tornou-se membro ativo da ALN e contribuiu com o jornal Venceremos.

Em 24 de junho de 1971, desapareceu enquanto transportava Paulo de Tarso Celestino, e sua mãe foi informada do desaparecimento dias depois. Após várias tentativas de encontrar informações, ela soube por depoimentos de presos que Luiz havia sido torturado no DOI-CODI/SP. Até hoje, Luiz Almeida Araújo permanece desaparecido.

Manoel Lisboa de Moura

Manoel Lisboa, era natural de Alagoas. De acordo com a biografia publicada no portal do Memorial da Resistência de São Paulo, ele iniciou sua militância no movimento estudantil e nos partidos comunistas, incluindo a fundação do Partido Comunista Revolucionário (PCR).

Após o golpe militar de 1964, foi perseguido e fugiu para Recife, depois para o Rio de Janeiro, onde foi expulso da universidade e teve seus direitos políticos cassados. Retornou a Alagoas em 1965, entregou-se à polícia e foi torturado, sendo condenado e vivendo na clandestinidade sob vários codinomes.

Tornou-se editor do jornal “A Luta”, veículo de imprensa que tinha o objetivo de denunciar os crimes cometidos pelos agentes da ditadura.

Manoel morreu em 4 de setembro de 1973, juntamente com Emmanuel Bezerra dos Santos, em decorrência de tortura. A versão oficial alegava um tiroteio, mas documentos confirmam que ambos foram presos e torturados no DOI-CODI, resultando em suas mortes. Eles foram enterrados como indigentes no Cemitério de Campo Grande, em São Paulo.

*Estagiário sob supervisão da redação