Empresas envolvidas na Lava Jato dão 'bolsa-delação' a executivos
Benefício foi oferecido pela Andrade Gutierrez e Odebrecht àqueles funcionários que se tornaram ou podem virar delatores
Empresas investigadas na Operação Lava Jato que tentam fechar ou já firmaram acordos de delação premiada com os investigadores asseguraram de dez a 15 anos de salários aos executivos envolvidos nas negociações.
O benefício, chamado por pessoas que circulam no meio de "bolsa-delação", foi oferecido pelas empreiteiras Andrade Gutierrez e Odebrecht àqueles funcionários que se tornaram ou podem virar delatores.
Tal garantia, segundo relatos de empresários desses grupos obtidos pela Folha, teria dupla função: a de proporcionar segurança financeira aos que encontrarem dificuldades em se recolocar no mercado e a de dar às empreiteiras algum controle na coordenação dos depoimentos para que não se fale algo fora do "script".
A Odebrecht, que tenta um acordo com a força-tarefa de procuradores em Curitiba (PR) e com a Procuradoria-Geral da República desde março, garantiu aos cerca de 50 candidatos à delação a manutenção de empregos por pelo menos 15 anos com os salários atuais, além de ajuda para pagar multas decorrentes do processo.
Estuda-se ainda a possibilidade de executivos que também são acionistas do grupo receberem mais recursos por sua participação na empresa.
Com o acerto, a maioria dos funcionários que assinar o acordo terá renda garantida até completar aproximadamente 70 anos.
Aqueles que tiverem que se desligar da Odebrecht devido aos conteúdos revelados aos investigadores também terão direito ao benefício, que será suspenso quando —e se— conseguirem outro emprego.
A Andrade Gutierrez, que teve acordo homologado em abril, garantiu dez anos de salários aos 11 funcionários que fecharam delação, entre eles o ex-presidente do grupo Otávio Azevedo, que ficou quase oito meses preso.
Segundo relatos de envolvidos nas negociações, Azevedo deve receber em torno de R$ 120 milhões ao longo desta década, pagamento proporcional ao que recebia quando ocupava o cargo.
A estimativa foi feita com base salarial de R$ 1 milhão por mês.
DINHEIRO GARANTIDO
O caso da Andrade Gutierrez é apontado como mais vantajoso para os beneficiados porque o dinheiro foi garantido a todos, mesmo sem manterem vínculos com a empresa. Ou seja, os delatores ganharão seus salários pelos próximos dez anos sem a necessidade de trabalhar.
As negociações de outra empreiteira, a OAS, com seus funcionários é mais conturbada, como já informou a colunista Mônica Bergamo.
A empresa, que teve seu acordo de delação suspenso pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, está com problemas de caixa para dar garantias financeiras a potenciais delatores.
Consultores da empreiteira defendem que, com R$ 150 milhões, seria possível diminuir o conflito de interesses entre acionistas e funcionários que participarão de uma eventual delação, mas a ausência de recursos é um obstáculo para a estratégia seguir adiante. Com isso, os problemas para coordenar o que os executivos vão falar ainda preocupam a OAS.
OUTRO LADO
A Odebrecht e a OAS não quiseram se manifestar sobre as tratativas entre as empresas e os funcionários que negociam delação premiada.
A Andrade Gutierrez afirmou, por meio de assessoria de imprensa, que tal tema diz respeito à vida pessoal de funcionários e ex-funcionários e que não é política da empresa comentá-los.
Duque abandonou R$39 milhões de propina na Suíça, afirma delator
O ex-diretor da Petrobras Renato Duque abandonou US$ 12 milhões —ou R$ 39,3 milhões, em valores atualizados— que recebeu de propina em uma conta na Suíça, de acordo com Zwi Skornicki, delator da Lava Jato.
Skornicki representa no Brasil uma empresa de Cingapura, a Keppel Fels, e disse que pagou a propina a Duque por conta de um contrato de compra de uma plataforma para exploração de petróleo na bacia de Campos, no Estado do Rio, a P-56.
O suborno, ainda segundo Skornicki, foi pago de 2008, quando a Petrobras contratou a Keppel Fels e a Technip para fazer a plataforma, a 2011, quando foi entregue.
A plataforma custou US$ 1,5 bilhão (R$ 5 bilhões). A propina, de acordo com o delator, foi de 1% sobre o valor do contrato e beneficiou Duque, o ex-gerente da estatal Pedro Barusco e o PT.
Duque foi indicado ao cargo de diretor de Serviços da Petrobras pelo PT, segundo procuradores da Lava Jato.
Ele está preso desde março do ano passado, já foi condenado a 41 anos de prisão em duas ações penais e tenta fechar um acordo de delação premiada com procuradores da operação.
O delator diz que descobriu que os US$ 12 milhões não haviam sido tocados por Duque ao autorizar seus advogados a buscar na Suíça documentos para fechar seu acordo de delação. O banco informou que o montante continuava lá.
A conta não foi aberta em nome de Duque porque o banco Delta recusou-o por ele ser diretor da estatal e não ter como justificar por que recebera aquele montante, segundo o relato de Skornicki.
O próprio banco sugeriu uma manobra para driblar o veto: Skornicki abriria a conta em seu nome e colocaria alguém de extrema confiança de Duque como procurador, tudo de acordo com a versão do delator.
Assim foi feito. Um dos filhos de Duque, Daniel, foi nomeado procurador da conta. Uma das hipóteses dos investigadores da Lava Jato é que Renato Duque não tocou na conta para evitar que o filho passasse a ser investigado.
Os US$ 12 milhões em que Duque não mexeu devem retornar à Petrobras. Já Skornicki terá de devolver US$ 24 milhões (R$ 78,5 milhões), segundo seu o acordo de delação.
OUTRO LADO
Os advogados de Duque e de Skornicki não quiseram se pronunciar. O PT diz que só recebe doações legais, todas declaradas à Justiça.