Com a cabeça a prêmio, políticos tentam atacar MP e Justiça
ESTAÇÃO FINLÂNDIA, PLATAFORMA NOVE E MEIA
Nada é mais espantoso na Brasília desses dias tão estranhos quanto o desassombro com que alguns parlamentares e ministros de Estado tratam de temas e esquemas que podem dar azo à ideia de estarem a tomar parte em chantagens, vendetas ou revanches contra integrantes do Poder Judiciário ou do Ministério Público.
Tão grave é a situação que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, chamou às falas alguns deputados com os quais tem maior intimidade e os advertiu sobre a flagrante ilegalidade que cometiam ao tentar aprovar requerimentos convocando o ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), para dar explicação de seus atos à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa. Advertidos por Maia, alguns deles retiraram as assinaturas das petições legislativas –mais por temor do que por juízo ou convencimento.
O presidente do Senado, Eunício Oliveira, por sua vez, escalda em banho maria a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) destinada a “investigar” a JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. As aspas nas pretensões da CPMI se fazem necessárias porque “investigar” é mero embuste para a intenção pouco velada de transformar o instrumento investigativo parlamentar em arsenal de artilharia contra juízes de 1ª instância, como Sergio Moro, ministros de tribunais superiores, como Fachin, e integrantes da Procuradoria Geral da República, sobretudo o procurador-geral Rodrigo Janot. Se depender de Eunício, essa CPMI não sai do chão.
Tanto num caso, como no outro, deputados e senadores hostis ao equilíbrio harmônico das instituições, cheios de uma tal coragem de fancaria, perfilam entre os aliados mais fiéis à toda sorte de trampolinagens e chicanas urdidas pelas cabeças premiadas do Palácio do Planalto. São premiadas, as cabeças, não porque delas se possa esperar grandes gestos na direção da necessária pacificação do país. Mas sim porque estão todas a prêmio depois de revelado o rol de crimes cometidos por alguns fanfarrões ocupantes de cargos nos mais altos escalões da República, mas dos quais é marca pessoal a absoluta escassez de republicanismo.
A chocante desfaçatez com que 4 dos 7 ministros do Tribunal Superior Eleitoral desconheceram o volume amazônico de provas suficientes para cassar a chapa Dilma-Temer e estabelecer o início de um novo ciclo político, certamente mais virtuoso que o atual, sequer começou a cobrar das instituições o preço que elas terão de pagar. Não há como esperar sossego na Praça dos Três Poderes, só sufoco.
O julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE foi um grande teatro. Teatro do absurdo. Serviu ao menos para que caíssem as máscaras de quem se vestia para a tragédia e incorporava tais personagens para falar dos tempos do PT no governo federal. Se, no discurso do roteiro alarmista e trágico de então, diziam que o Brasil caminhava para a ingovernabilidade porque fora tomado “de assalto” por sindicalistas com uma agenda própria na cabeça e nenhuma responsabilidade pública, o script da comédia que ora encenam só não é cômico porque é farsesco. O epílogo dele pode nos reservar, ainda, tragédia bem maior do que aquela antevista pelos arautos da catástrofe agora convertidos em ventríloquos e estrategistas do espetáculo de horrores em cartaz na capital brasileira.
Se é chocante a margem de manobra do exército de arrivistas a serviço das piores causas que ameaçam, com poucas vezes nos últimos 33 anos, promover inédito retrocesso em nossa marcha rumo à consolidação democrática, também causa espécie a catatonia da sociedade civil e a letargia dos movimentos sociais. Parecem adormecidos ante o avanço do terror que já desestrutura a harmonia dos Três Poderes, o Estado Democrático de Direito e o saudável convívio das instituições republicanas sob o governo do sistema de freios e contrapesos.
Os chantagistas, abrigados nas trincheiras cavadas por quem faz tudo para se manter onde está, não têm mais freios e alistam para suas hostes um batalhão de mercenários. Os árbitros, desmoralizados pelo veredito de 4 a 3 que deixou de punir, mas esteve longe de absolver os réus de uma causa justa e provada, encontram-se desunidos para exibir os contrapesos destinados a deter a escalada que pode nos lançar na barbárie.
Como quase tudo o que diz respeito a serviços de transporte público em Brasília, o metrô da cidade é uma piada. Leva pouca gente a lugares distantes dos centros operacionais da capital. Fosse outro, poderíamos esperar que ele nos oferecesse uma Estação Finlândia capaz de aglutinar a resistência e servir de ponto de partida para a reação. Foi na estação que recebe o nome de Finlândia, em Moscou, que Vladimir Lenin desembarcou em abril de 1917 para liderar a revolução bolchevique vitoriosa em outubro daquele ano –há um século.
Mas o Brasil de hoje é um lastimável mata-borrão da História. Lamentavelmente são raríssimos aqueles que saibam, no Congresso, o que queriam os bolcheviques e qual a dimensão daquele desembarque na Estação Finlândia. Num Parlamento imaturo, onde há quem esteja investido de mandatos e os emprestam a vendetas, é mais provável que só saibam da existência da “Plataforma Nove e Meia”, aquela da Estação King’s Cross, na Londres da ficcionista J. K Rowling, autora da série Harry Potter. Era daquela plataforma, visível apenas para quem não fosse “trouxa”, que se partia para a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Não vai acabar bem.